counter
Finalizada!

Capítulo I

Sinto meu corpo deslizar automaticamente para fora da cama pela terceira vez nesta madrugada. Ando sonolenta e de olhos ainda fechados pelo quarto. Nos últimos meses, adquiri a habilidade de me mover livremente, sem esbarrar nos móveis. As inúmeras vezes em que tive que levantar correndo, temendo que minha bexiga pudesse explodir a qualquer instante, me concederam essa espécie de poder. Abro os olhos no meio da escuridão e me repreendo por não ter deixado a luz do banheiro acesa. Aperto a descarga e imaginar a água rodopiando na privada faz meu estômago embrulhar e me inclino, já sentindo a boca encher de saliva.
Odeio vomitar. Odeio como meu corpo fica com frio e completamente suado depois. Odeio a sensação de queimação na garganta. Odeio.
— Eu achei que tínhamos combinado que os enjoos seriam matinais. Ainda está escuro lá fora! — Digo para minha barriga e sinto como ela cresceu. A curva modificou meu corpo.
Me sinto definitivamente grávida.
Acendo a luz e procuro por uma toalha. Seco a testa, o pescoço. Respiro fundo e deixo o cansaço me vencer. Sento—me no chão do banheiro e sinto cada partezinha de meu corpo doer. Estico as pernas e sinto uma vontade enorme de chorar. O pensamento de ter que levantar em alguns minutos me chateia de uma forma absurda e eu choro mais por achar que o motivo que me fez começar a chorar não é um motivo para chorar em si. Maldita guerra hormonal.
Lavo o rosto e decido voltar para a cama. Está prestes a amanhecer e eu quero tentar manter minha rotina saudável. Não dormir a noite inteira pensando que estou fazendo tudo errado não é saudável.
— Bom dia, meu amor! — Amanda entra no quarto e parece que eu só pisquei e já era dia. Há bastante tempo.
— Bom dia. — Digo sem vontade. Amanda me lança um olhar curioso e eu forço um sorriso. Amanda me alertou que meu mau humor matinal não estar incluso no acordo de indulgência por gravidez. Ela chama assim a sua benevolência infinita comigo. E pensando bem, suas broncas são ainda piores do que simplesmente fazer o esforço de responder um mero cumprimento com certa gentileza. Mas as regras são claras: eu devo trata-la com cortesia mesmo que esteja com o pior humor possível. Do contrário, ela tem o direito de revelar meu maior segredo para as pessoas que ainda não sabiam da existência de meu segredo.
Amanda deixa as vitaminas e um copo com suco de laranja sobre a mesinha de cabeceira. Encaro o conjunto e sei que após tomar as vitaminas, meu dia começa oficialmente e eu quero estender meu tempo na cama. Mas Amanda claramente tem outros planos. Ela espera no pé da cama e está bonita. Veste um vestido curto vermelho, a saia solta se mexe com o vento que entra pela janela. Eu tomo as vitaminas.

— Vamos, . — Amanda insiste. — Só precisamos de uma foto desta barriguinha linda. Você adiou as atualizações do nosso diário em duas semanas por causa dessa sua carranca colossal. — Diz impassiva à minha clara ofensa.
— Não é mau humor... Eu só estou aflita. É diferente. — Explico de má vontade enquanto termino de fazer a cama.
— Eu imagino. — Amanda se aproxima e apoia a mão em meu ombro. — Mas ela não tem culpa das escolhas que você faz.
A encaro por algum tempo e odeio que ela esteja certa. E dói. É isso, às vezes, algumas verdades se parecem como uma lixa grossa e novinha em folha.
— Eu pensei que você gostasse de mim. — Digo sem conseguir esconder que estou magoada e Amanda ri.
— Eu gosto. — Ela tomba cabeça para o lado, os olhos são carinhosos. — Minha afilhada merece um diário de bordo lindo, completo de informações sobre seu desenvolvimento. Eu não vou deixar nada e nem ninguém estragar esses momentos. Nem mesmo você. — Ela agita a câmera instantânea entre as mãos, impaciente.
— Detesto o nome. "Diário de bordo". É como se eu fosse um navio e você está documentando a estadia dela nesse cruzeiro. — Amanda não se impressiona com a linha de raciocínio na qual eu embarco e indica a janela com o dedo indicador. — Imagina? Um navio que vai ficando maior e maior. — Suspiro pesado. Meus olhos se perdem na visão de um futuro próximo e ouço Amanda limpar a garganta. É o suficiente para me fazer acordar para o momento presente.
Me posiciono contra a luz da janela aberta. Arregaço a barra da camiseta até abaixo dos seios e por instinto, deslizo as pontas dos dedos pela barriga protuberante. É impossível não sorrir com a energia boa que este pequeno bebê já transmite. Ouço o clique e me viro irritada para Amanda.
— Eu ainda não estava pronta! — Resmungo e ela sorri deixando a foto sobre a cama.
— Você ainda vai me agradecer por isso, um dia. — Diz convencida e eu rolo os olhos. Pode fazer a pose de novo? — Cerro os olhos em sua direção e volto a pose.
— Só da barriga, por favor. Eu devo estar parecendo um zumbi. — Espero que Amanda tire a foto e quando ouço o clique e o gritinho animado de minha amiga, me distraio com o movimento na rua. É um daqueles dias em que quero me esconder do mundo e me deitar confortável por horas à fio. Mas preciso ser saudável, afinal, não estou fazendo isso só por mim agora. Ainda é difícil me acostumar com a ideia de que estou fazendo isso. Nos primeiros meses, quando a barriga ainda não existia, era fácil me lembrar como era a vida antes. Agora tudo parece mudar muito e rápido. A sensação de estar expandindo onde não há espaço o suficiente me segue aonde eu vou. Mas também tem os momentos de alívio, alegria. É sempre uma montanha russa quando tenho algum exame marcado. O medo me cerca e eu pesquiso todo tipo de anomalia uterina possível. Os preços de cirurgias e a possibilidade de ter de pedir um empréstimo para arcar com uma eventual tragédia. E então, os resultados vêm normais. Ela é um bebê saudável, aparentemente.
Há algumas semanas tivemos a consulta mais temida. Amanda e Sophie organizaram uma aposta entre elas sobre o sexo do bebê e quando soubemos que era menina, Sophie ganhou 300 dólares e eu, mais uma dor de cabeça. Um segredo pode se multiplicar em vários pequenos segredos? Ou ele se expande e vira um grande segredo com digitais?
— Calada! Você nunca esteve tão bonita. — Amanda corrige sorrindo satisfeita com a foto em uma das mãos. Ela sai do quarto por um instante e volta com o álbum grosso e a fita métrica. — Como estão as dores e o enjoo? — Sorrio e penso que Amanda seria uma excelente médica se quisesse. Ela mede minha cintura, a barriga e sorri satisfeita. Anota as medidas no diário e cola a foto com fita colorida. Esse mês é amarelo.
— Hmm... Cinco e seis. — Minto para não a preocupar. Eu sei que dores e desconfortos são normais e não quero incomodar ainda mais se não for sério. Estipulamos um sistema simples para medir esse tipo de desconforto: números de 1 a 10. E eu temo que um dia o dez chegue.
— Sei... — Amanda diz desconfiada e levanta os olhos da página.
— Posso voltar para a cama agora? — Peço já apoiando uma perna sobre o colchão.
— De jeito nenhum! É aniversário da Sophie, esqueceu? — Arregalo os olhos e ela continua categórica. — Nós prometemos almoçar com ela.
— Você prometeu! — Corrijo e ela gargalha.
— Eu sei. — Admite, ainda rindo. — Mas você precisa sair um pouco desse quarto. Usar as roupas que ainda te servem, sei lá. Se divertir um pouco. — Encaro Amanda e vejo que ela está esperançosa, feliz. Amanda não poupou esforços para estar ao meu lado nos últimos meses. Um companheirismo inabalável, estando comigo mesmo quando eu não queria estar perto de ninguém. Em silêncio, ela ficou lá enquanto eu chorei, ri, resmunguei ou me lamentei. No final, ela sempre me lembrou que estaria ali e que tudo o que fosse acontecer no futuro, distante ou próximo, eu seria capaz de sobreviver e ascender de alguma forma. Esse tipo de fé enriquece nossa alma. E mesmo grata, me sinto como um grande peso no malabarismo com o trabalho na editora e o relacionamento ainda recente com Robert, o advogado.
— Está bem, eu vou. — Suspiro derrotada e caminho devagar até o banheiro.
— É engraçado como você fala como se tivesse alguma escolha. — Comenta divertida. Eu fecho a porta antes de levantar o dedo do meio da mão esquerda.

Esperamos no restaurante escolhido por Sophie. O lugar é bonito e novo. Bem arborizado e decorado num tema alegre e natural, acompanhando a natureza em volta do lugar. Sophie reservou uma mesa no lado externo do restaurante, nos deixando próxima das árvores e plantas que invadem o salão. O céu limpo e a brisa fresca de primavera compõem o clima gostoso e eu quase consigo aproveitar em totalidade aquela experiência.
Quando estou me entediando com a espera, Sophie finalmente chega e ela está deslumbrante. A mulher parece até mais alta com a nova postura e energia renovada. Os cabelos mais curtos e o vestido esvoaçante a deixavam com uma aparência livre, exuberante. Sorrio feliz por vê-la tão bem e vejo Amanda se levantar para cumprimenta-la.
— Feliz aniversário! — Amanda a abraça primeiro. Me levanto também e passo os braços por seus ombros, a puxando para um abraço carinhoso.
— Feliz aniversário, Sophie. — Digo abafado e ela ri. — Você está maravilhosa, eu amei o cabelo! — Cutuco sua costela a provocando e ela ri sem jeito.
— Ousado, não é?! — Ela levanta as sobrancelhas. — Obrigada, meninas. Por virem hoje e por serem as melhores pessoas que conheço. Eu amo passar meus aniversários com vocês. — Sophie sorri abertamente e se abaixa para cumprimentar a barriga, o que sempre me faz rir.
— Me liga quando Andrew vir essa nova versão da esposa dele. — Amanda diz voltando a se sentar. Andrew está em Los Angeles terminando a edição de mais um de seus filmes.
— Eu já mostrei! Nós fizemos uma chamada de vídeo enquanto eu estava no salão de cabeleireiro. — Sophie explica enquanto puxa uma cadeira para si. — Digamos que graças aos comentários entusiasmados do meu marido, eu não posso mais voltar a frequentar aquele salão. — Rimos enquanto Sophie pede um champagne para quem pode beber e suco de laranja para mim. É minha bebida favorita no momento.
Brindamos ao aniversário de Sophie e enquanto ergo minha taça, desejo em silêncio que Sophie tenha a vida cheia de boas risadas, amor e muito sucesso.

O almoço correu calmo e eu não admitiria em voz alta, mas, Amanda estava mais uma vez cheia de razão. O ar fresco e a companhia de minhas duas melhores amigas restauraram o equilíbrio que eu não tinha ideia ter perdido até recuperar.
Dividíamos a conta quando o celular de Sophie tocou e o som sai estridente de sua bolsa.
— É o ! — Sophie levanta os olhos da tela e me encara como quem pede por permissão. Desvio o olhar do dela engolindo em seco. É uma verdadeira droga colocar meus amigos numa posição em que uma ligação causa todo esse pânico.
— Atende de uma vez! — Amanda apressa, ela percebeu que fiquei desconfortável e Sophie parece perceber também. Então ela atende à ligação rápido, se atrapalha com a tela do próprio celular e trocando as câmeras, ela ativa a câmera traseira do celular. Apontando diretamente para mim.
— Ah... Oi, . – Ouço sua voz e sinto o desespero me tomar. Puxo a bolsa grande de Amanda e me escondo atrás dela. Torço para que ele não tenha visto o suficiente.
— Oi... — Respondo entre dentes. Meu olhar está fixo em Sophie, que sibila um "me desculpe" antes de inverter as câmeras novamente. Quando ela finalmente ajeita a tela para um melhor ângulo para a câmera frontal, suspiro aliviada e troco um olhar cúmplice com Amanda.
— Feliz aniversário, baixinha! — Espero que esteja se divertindo hoje. — diz espirituoso, sua voz soa cansada e eu ouço as leves ondulações no tom doce. Parte meu coração a menor possibilidade de ele estar triste por qualquer razão que seja.
— A diversão não está completa sem o Andy e sem você. — Sophie comenta com um sorriso triste. — Nada como ter a cidade só para nós quatro nesse meio tempo, não é?! — Brinca levantando os olhos para mim e Amanda e eu sinto meu estômago dar uma volta completa.
— Quatro? — pergunta confuso e eu escondo o rosto nas mãos, me abstendo de interferir no que fosse acontecer dali em diante.
— Exatamente. Você sabe que eu valho por duas. — A voz de Amanda soa maliciosa enquanto ela me salva mais uma vez. Olho por uma brecha entre os dedos e vejo que ela tomou o celular de Sophie da mão dela.
— Eu... Sei? — diz ainda muito confuso e Amanda rola os olhos, ofendida.
— Quando vem nos visitar? — Sophie fica na ponta dos dedos dos pés para entrar no alcance da câmera. A pergunta é interessante e eu removo meu escudo impenetrável, esperando pela resposta.
— Era para ser uma surpresa, mas vocês me conhecem... Segredos me deixam ansioso. — diz rindo e minhas amigas olham sincronizadamente em minha direção. Rolo os olhos, ignorando o julgamento silencioso. Mas eu sabia bem do que ele estava falando. A ansiedade havia se tornado uma segunda pele, entranhando meus órgãos e me impedindo de respirar fundo. — Eu terei duas semanas de folga em breve e preciso que alguém vá me buscar no aeroporto... — Amanda e Sophie comemoram entre si e eu afundo na cadeira. É isso. Eu preciso contar antes que ele descubra. Meus amigos são bons em esconder segredos, mas, não posso correr o risco de eles contarem por acidente. Como Sophie fez duas vezes em menos de cinco minutos. Com ele aqui, não tem jeito.
— Andrew é o melhor homem para a missão. Ele está sempre no aeroporto mesmo. — Amanda dá de ombros e concorda rindo.
— Estou com saudades de vocês. Quero saber de todas as novidades. — conclui e minhas amigas dividem os olhares nervosos entre mim e a tela do celular.
— Novidades é o que não faltam! — Sophie comenta rindo de nervoso e eu lanço um olhar ameaçador em sua direção. Se ela disser mais alguma coisa, não respondo por mim. Sophie encolhe os ombros e desvia o olhar.
— Certo... — diz um tanto incerto, talvez tenha visto o comportamento de Sophie pela câmera e percebeu o clima estranho e silencioso que se instaurou na chamada de vídeo. — Se eu quiser tirar aquelas férias, preciso correr. Feliz aniversário, Sophie. Seu cabelo novo te deixou parecendo um menino de doze anos. — Ele comenta carinhoso me fazendo rir e a mulher lhe mostra o dedo do meio, sustentando um sorriso falso nos lábios. — E... ? Sei que está me ouvindo. Nós nos falamos mais tarde? — Minhas amigas se viram para me encarar em sincronia de novo e eu limpo a garganta antes de forçar uma voz casual e despreocupada.
— Claro, . Até mais tarde. — Digo mais alto e suspiro assim que Sophie encerra a chamada.
O silêncio ainda paira entre nós e eu tiro o cartão de dentro da bolsa e o coloco na mesa com um pouco de força demais.
— Algum problema, ? — Sophie pergunta e eu levanto os olhos com uma raiva descabida.
— Sim. Você querendo me destruir em cada oportunidade que encontra. — Digo sem pensar e Sophie arregala os olhos.
— Não fiz por maldade. É estranho para mim. é meu amigo, não saber mentir para ele não deveria ser uma falha. — Ela se defende e no fundo sei que ela tem razão, mas, isso não significa nada neste momento.
— É simples: não seja estúpida e pense no que está dizendo antes de dizer! — Sophie ri sem emoção e morde o interior da boca. Conheço Sophie, sei que ela está contando em regressiva para não me ofender ou pior. E eu até que mereço.
— Você tem que contar para ele, . — Sophie segura o celular com força. A calmaria que tentava me cercar com timidez havia se assustado e agora eu encarava diante de mim o mal que a minha decisão havia causado. As consequências são muitas.
— Ela vai contar. — Amanda diz antes que eu diga algo que não deva.
— Do que você tem medo? De ele ser um pai ruim? — Sophie ignora Amanda e eu percebo que essa pergunta não acabou de passar pela cabeça dela.
— Não. Eu... Não tenho medo de nada! Só tomei uma decisão e achei que você me apoiava. — Digo sabendo que pedir para alguém guardar um segredo dessa magnitude, exige um nível de satisfação que você precisa prestar para essa pessoa. E eu diria. Se eu soubesse exatamente o que me fez decidir esconder de e dos meus pais que eu estou grávida. Contaria a todos e defenderia minha tese, pois, há algum tempo, não contar parecia o plano perfeito. Agora, só parece uma bomba prestes a explodir.
— Eu respeito a sua decisão, você sabe, mas, acho que talvez você esteja com tanto medo do que tem que dizer que está esquecendo com quem você vai falar. — Sophie diz e eu rolo os olhos.
— Já disse que não tenho medo de nada. Ele tem tudo o que sempre sonhou, Sophie. Se eu dissesse a ele... Eu não sei o que ele faria. Não é certo. Ele tem tudo o que sempre sonhou! — Sophie tomba a cabeça para o lado e me lança um olhar cheio de pena. E sei que ela sabe que estou mentindo. Pelo contrário, eu sei muito bem o que ele faria.
— Vocês se amam desde que descobriram o que isso significa, . Não percebe que está fazendo de novo? Está sabotando o que pode ser um dos melhores momentos da sua vida e pelo quê? O que você quer provar? — Sophie é honesta, objetiva. Sua vida tem seus momentos de altos e baixos como a de todos nós, meros mortais. Mas a mulher vê adversidades como oportunidades, pequenos desafios diários. Sua coragem e resistência me inspiraram em diversos momentos da vida, mas, nesse momento, Sophie não tem ideia do que diz.
— É mais complicado que isso. Eu sei que tenho a tendência a diminuir a importância da minha existência na vida dele, mas isso é totalmente o oposto. Agora eu vejo o peso da minha existência e é insuportável. Não importa o que aconteça, através dessa criança nós teremos um laço eterno. — Tento me acalmar, explicar aquilo que faz sentido em minha cabeça. Conforme digo em voz alta o que acho que é razão suficiente para me preocupar, começo a me sentir ridícula. Com ou sem bebê, e eu estávamos fadados a nos encontrar. Romanticamente ou não. Duvidar disso me faz duvidar de todo o resto e a tristeza que isso me causa é insuportável. Numa escala de 1 a 10, é um 1000.
— Por que rejeitou quando ele propôs um relacionamento à distância? — Amanda pergunta rápido, me fazendo olhá-la com cara de poucos amigos. Ótimo, ela também.
— Você fez o quê?! — A voz de Sophie falha e ela me olha indignada.
— Obrigada, Amanda! — Sorrio sem emoção. — Você só esqueceu de mencionar que a mulher com quem ele dormiu enquanto estávamos separados também está na equipe de instalação. — Acrescento em meu melhor tom defensivo.
— Você teve receio de que ele se envolvesse com ela de novo por causa da distância? — Sophie parece compreender e eu assinto veemente. Sophie quase sorri e acerta a mão espalmada sobre a mesa, me tomando de assalto. — Sua melhor ideia foi deixar o caminho livre?! — Sophie exala a linguagem corporal de quem está se controlando para não agredir uma mulher grávida. Desvio de seu olhar antes que ela me transforme em pedra e me remexo desconfortável na cadeira.
— Mas faz sentido. O é mesmo o tipo de cara que trairia a namorada grávida usando a desculpa de que as responsabilidades são invalidadas por ele estar em outro país. — O sarcasmo paira sobre a mesa.
— Podemos deixar esse momento doce do apedrejamento para outra hora? Afeta a minha digestão. — Cruzo os braços e me sinto encurralada e desarmada de razão.
— Desculpe, . Odeio assistir você bagunçar tudo desse jeito. — Sophie dá de ombros e eu a encaro incrédula.
— Você acha mesmo que estou fazendo isso de propósito, não é? — Rio sem emoção. — Acha que eu não queria que ele estivesse aqui? Ou que eu não preferia que a minha mãe estivesse por perto quando estou morrendo de medo de dar à luz a alguém sendo que, claramente, eu não tenho condições de cuidar nem de mim mesma?! — Me levanto irritada. Alguns clientes curiosos das mesas ao lado me olham não tão discretamente. — Parabéns, Sophie. Você descobriu tudo! Eu sou só uma megera burra e sem coração, que adora destruir a própria vida e a dos outros em volta! — Solto os braços ao lado do corpo. A respiração entrecortada e uma irritação sem precedentes ou embasamento me consomem aos poucos. Saio marchando do restaurante, mas estou desabando por dentro.
Sinto o sangue correr em minhas veias. A raiva descabida toma espaço dentro de mim e cresce conforme nenhum motorista de táxi para ao meu chamado.
Sei que Sophie está sendo razoável, para dizer o mínimo. Ela está coberta de razão, inclusive, em se chatear. Nada disso é justo, para nenhum de nós. A situação já é delicada sozinha e agora, com o passar dos meses, parece que é impossível resolver sem que ninguém se machuque.
Esse pensamento me acompanha de volta para o apartamento e eu detesto ter brigado com Sophie no aniversário dela. Me sinto horrível e após um generoso pedaço de chocolate e uma reflexiva soneca, me pego diante de uma folha de caderno em branco.
Possíveis discursos surgem em minha mente e tento visualizar a reação de com cada um deles. Escrevi pensamentos que tive nos últimos meses que me marcaram, formas leves de dar a notícia, mas nada parece bom o suficiente.
Quero que saiba que sua participação está completamente em seu controle. Mas tudo soa como se dizer a ele que está prestes a ser pai é uma mera cordialidade. Não parece apropriado dizer isso de forma bem-humorada devido às circunstâncias em que nosso relacionamento está. Nunca tive talento para drama e não podia ser como uma notícia em um boletim qualquer.
Completamente insatisfeita com dezenas de tentativas amassadas sobre a mesa do computador, ouço o som de ligação de meu celular. Vou até ele e encaro a tela. O nome de brilha na tela e por trás disso, uma foto antiga nossa. sorri de boca fechada enquanto mordo sua bochecha na saída de um cinema, cujo filme nós definitivamente não assistimos.
Tenho medo de que ele perceba assim que eu atender a chamada de vídeo. As mudanças físicas da gravidez já são bastante aparentes, os seios maiores, o rosto mais cheio. De certo ângulo, é possível esconder a barriga, mas não há muito o que se fazer com o resto. Com o celular em mãos, me sento sobre a cama e respiro fundo ao deslizar o dedo na tela, atendendo finalmente.
— Oi. — diz ainda distraído com algo na tela do computador. Me pego perdida nos detalhes da decoração colorida do quarto atual dele. As paredes pintadas em um tom alegre de verde e as fotos da equipe enfeitavam a parede sobre sua cama. — Está tudo bem? — Ouço sua voz e volto a olhá—lo, pegando o fim do sorriso bobo que ele sustentava me vendo distraída.
— Ei... Ahm... Claro, tudo bem. E você? Como estão as coisas por aí? — amarra o rosto numa careta insatisfeita e eu sorrio.
— Estou sempre cansado e com saudades de você... E do pessoal. — diz triste e se espreguiça sentado na cadeira, como se sustentasse o fato de estar cansado. A movimentação faz com que sua camiseta suba um pouco, deixando um filete de pele à mostra. O suficiente para os hormônios do quinto mês da gestação me deixarem em alerta. Observo as pernas entreabertas cobertas pela calça jeans com rasgos nos joelhos, o cós da cueca boxer azul escura aparecendo tímida. As lembranças de estar sentada naquele colo me atingem em cheio. E uma vontade imensa me afoga na vontade de estar perto dele. — ? — me chama e não parece ser a primeira vez. Pisco os olhos algumas vezes e me forço a abandonar um cenário imaginativo onde me dá uma variedade animadora de carícias em seu colo.
— Eu também sinto... Saudades, digo. — Falo rápido, me referindo a mais de uma saudade. ri parecendo entender exatamente o significado de meu devaneio. — Você perguntou alguma coisa? — Ri sem jeito, massageando as têmporas com uma mão só. Aproveito para esconder o rubor em minhas bochechas que parecia maximizado pelas configurações da câmera.
— Sobre o trabalho... Deixa para lá. Não é nada importante. — Ele sorri triste de novo e tudo o que eu quero é abraça-lo.
... Preciso te contar uma coisa. — Engulo em seco, buscando pelas palavras e por um impulso de coragem.
— Posso dizer uma coisa antes? — Ele me interrompe com pesar e eu assinto, acho que vou explodir de antecipação. — É que eu tive um sonho muito estranho. Eu estava com uma raiva colossal de você por alguma razão e eu fiquei pensando que, talvez, seja a ideia de que eu tenha que te deixar seguir em frente e quem sabe, se apaixonar de novo. Não quero que exista ressentimentos entre nós, porque, eu aprecio a nossa amizade e quero que saiba que torço pela sua felicidade mesmo que eu não seja responsável por ela. — limpa a garganta e se mexe desconfortável na cadeira. O assunto o incomoda e eu sinto meu coração diminuir de tamanho. Talvez numa manobra desesperada de diminuir também a dor de ser alguém capaz de mentir para ele.
... Eu... — Solto o ar pela boca com força, as palavras não aparecem e eu não sei como prosseguir.
— Está tudo bem, . Não foi justo te pedir para se comprometer comigo estando tão longe. — tenta me consolar pelos motivos errados e eu inspiro derrotada.
— Eu só queria que você estivesse aqui. Tudo seria tão mais fácil. — Admito num resmungo magoado, é desesperador. me olha compreensivo e isso é o pior de tudo.
— Eu prometi que voltaria, . Logo estarei aí com você. — Ele sorri tentando me passar alguma certeza que só aumenta minha agonia.
— Por duas semanas. — Comento amarga e morde o lábio inferior.
— Consigo pensar em uma ou duas coisas que podemos fazer nesse tempo. — sugere malicioso e eu não resisto àquele sorriso enviesado e cheio de más intenções.
— Não sei se vai querer fazer alguma coisa desse tipo comigo... — Encaro a barriga protuberante que venho acariciando incessantemente em busca de calma.
— Quantas vezes preciso dizer que o que me atrai em você é muito mais que um corpo escultural e um rosto pecaminosamente delicado. Você é o amor da minha vida, menina. Eu te acharia gostosa até se fosse cego. — garante categórico e eu me deleito discretamente de seu sincero elogio.
Sou levada para uma conversa cheia de frases com duplo sentido e me vejo distraída de um assunto bastante urgente. Suas palavras são cheias de malícia, de desejo, de saudade. A conversa esquenta e estamos no meio de promessas sexuais muito intensas quando ele é chamado para uma emergência.
— Droga! — Ele resmunga após ler uma mensagem de texto. — Queria poder ficar e terminar isso com você... — Ele diz irritado e fecha o zíper da calça. Ele tenta, ainda sem sucesso, acalmar o volume bastante visível.
— Eu quero tanto você aqui... — Desabafo e minhas palavras carregam mais significados, além da frustração por ter sido interrompida.
— Não diz isso, senão, pego o primeiro avião para te encontrar. — ameaça e eu rio. Algum membro de sua equipe bate tímido na porta e me olha dividido.
— Boa noite, . — Digo com um sorriso, mas sinto meus olhos encherem de lágrimas. Quando ele acena e desliga, um choro frustrado e cheio de saudade irrompe minha garganta.
Sinto que estou prestes a perder tudo o que me levaria para a minha vida dos sonhos. E tudo por... Medo.
Minha cabeça cheia e coração apertado agitam a menininha em meu ventre. Ela se mexe bastante agora e neste momento, ela parece revoltada comigo. E ela tem razão. Eu deixei escapar a oportunidade de contar da existência eminente dela para alguém importante. Faz sentido que ela queria chutar algumas costelas em protesto.
— Eu sei, filha... Estamos ficando sem tempo. — Acaricio a barriga tentando acalmar a mim também, o que custou a acontecer.

Uma quinzena de altos e baixos se passou. Amanda segura a câmera e sorri ao clicar. O som da foto sendo impressa me deixa curiosa e aproveitando o bom humor que me cerca, decido acompanhar mais de perto as marcações de Amanda no diário. As informações dos resultados excelentes dos últimos exames são escritas com caneta preta e as demais, como medições e informações sobre mim são escritos em vermelho. A fita desse mês é rosa e ela cola, além da foto da barriga, uma imagem da última ultrassom. A bebê estava numa posição engraçada e confortável, toda esparramada dentro de mim. Sorri satisfeita. Definitivamente uma vida saudável cresce em mim e isso não tem preço.
— Como estão as dores e o enjoo? — Amanda clica a caneta sem parar e nem isso me irrita.
— Três e cinco. — A verdade flui sem que eu sequer tivesse que pensar muito. Eu me sinto realmente bem.
— Isso é ótimo! Você parece bem mesmo e... Feliz. Aconteceu alguma coisa? — Amanda me olha desconfiada e eu sorrio sem jeito.
— Bem... Muitas coisas boas estão acontecendo. A bebê me deixou dormir por mais de cinco horas essa noite. Andrew está voltando de L.A. e vai me trazer deliciosas castanhas torradas de aeroporto. E... — Sinto minhas bochechas corarem, mas estou de ótimo humor e quero compartilhar com minha melhor amiga. — Sonhei com o .
Me sento na cama, embalada num suspiro satisfeito. Amanda abre a boca e arregala os olhos.
— Você teve sonhos eróticos! — O brilho no olhar de Amanda me faz gargalhar.
— É o único sexo ao qual eu terei acesso pelos próximos dezoito anos, não julgue! — Aponto com o indicador e Amanda derruba o diário de bordo no chão em meio a uma gargalhada escandalosa.
— Você é tão dramática! — Ela acusa enquanto pega o álbum do chão e o deixa sobre a cama.
Meus olhos pousam no objeto sobre a colcha lilás e sorrio com um pensamento.
— Você está fazendo isso por ele? — Ela acompanha meu olhar sobre o álbum e sorri. Ela estica o braço e toca a capa preta com a ponta dos dedos.
— É por vocês. Ainda acredito que vocês serão o tipo de família que se reúne diante de uma lareira em uma casa grande e celebram esse tipo de memória. Estou colocando toda a energia desse sonho que tenho para vocês nesse álbum, assim, mesmo na minha ausência, serei parte dessa loucura que é a história de vocês. Estarei fisicamente sempre torcendo por vocês. — Sorrio emocionada. Por vezes as sessões de médica de mentirinha com Amanda me irritavam, incomodavam. Me sentia invadida em meus piores dias, mas, nos melhores como hoje, me dá esperança. Amanda depositou todo carinho e dedicação naquele projeto e eu mal podia esperar para vê—lo finalizado. Talvez revisitar essas memórias com a minha família não seria tão má ideia assim. Com ou sem lareira. Com ou sem casa grande. Desde que ele estivesse lá.
— Obrigada. — Digo com a voz embargada.
— E claro, esse bebê vai ser o mais fofo da face da Terra. Não documentar esse desenvolvimento é um crime contra a ciência. — A madrinha coruja e babona já existe em Amanda, antes mesmo de uma afilhada existir, de fato.
— Obrigada por tudo. — Repito a abraçando. A emoção triplica de tamanho e eu choro de felicidade. A participação de Amanda passa como um filme em minha cabeça, desde o primeiro instante. Ela me protegeu, me alimentou com tudo o que é saudável, me levou a cada consulta sem pestanejar e é autoproclamada como uma feliz encarregada das vitaminas. Mesmo em dias difíceis, ela faz tudo com um sorriso e uma paciência infinita. O que me fez amá-la ainda mais. Quando descobrimos o sexo do bebê, Amanda superou a perda da aposta rapidamente, jurou que daquele dia em diante, independente do que nos acontecesse, essa criança é tão importante para Amanda como se fosse sua. Não havia dúvidas. Se algum dia algo acontecesse comigo, eu gostaria que Amanda pudesse ser a responsável por minha filha. Ela é sua madrinha.
— Não chora, vou chorar também! — Amanda se desvencilha do abraço e começa a abanar o rosto com as mãos. Os olhos bem maquiados estavam cheios de lágrimas.
— Nós te amamos, madrinha! — Afeto a voz para se parecer como a de um bebê e Amanda ri.
— Não faça isso. A ideia de bebês se comunicando através de úteros me assustam como o inferno!

Com tanto a fazer em tão pouco tempo, decido começar a comprar roupas de bebê. Após uma extensa e exaustiva pesquisa sobre tecidos hipoalergênicos, me rendi à fofura e entrei finalmente na loja de roupas de bebês no final da rua. Fujo do óbvio e compro todo tipo de cor de roupinhas tão pequenas que era impossível caber um ser humano. Carrego as sacolas com certa dificuldade, mas meu sorriso esconde qualquer desconforto.
Sei que estou atrasada para o reencontro com Andrew. O filme está pronto e ele quer comemorar em família o sucesso de mais uma conquista. Devido a minha falta de interesse em me expor para o mundo, Andrew decidiu que beber cervejas no apartamento durante à tarde seria melhor do que qualquer boate à noite.
Quando saio do elevador, ouço a bagunça que só um cômodo com Andrew dentro poderia produzir. A música animada em som ambiente ficou mais alta quando destranquei a porta.
Passo as sacolas primeiro e sorrio em antecipação. Parte por rever meu amigo e ter a oportunidade de me desculpar com Sophie, parte por ter castanhas torradas me aguardando.
! — Andrew diz alarmado ao me ver. Não feliz, como eu esperava. — Nós tentamos te ligar. Onde esteve? — O homem me abraça pelos ombros, faz um rápido carinho em minha barriga. Ele está apreensivo e eu olho em volta, tentando entender o que está acontecendo. Meu olhar encontra o de Sophie e ela desvia desconfortável.
— Desculpe... Minhas mãos estão ocupadas há algum tempo. — Levanto as sacolas na altura de seus olhos e sorrio sem jeito.
Amanda sai pela porta da cozinha e congela no lugar. Ela arregala os olhos e hesita entre continuar andando ou voltar para a cozinha.
— Ai, ... Sinto muito! — Sophie diz com pesar e eu me viro para ela. Estou determinada a fazer as pazes com minha melhor amiga. É estranho ficar tanto tempo sem falar com ela.
— Não, não, Sophie! Você estava certa. Eu vou contar a ele hoje à noite. Chega de segredos! — Digo confiante e meus amigos se entreolham de um jeito bastante desanimador. Meus ombros murcham e eu espero que alguém me diga o que está acontecendo.
Robert sai da cozinha e ele está dizendo alguma coisa para alguém na cozinha. Mas estamos todos ali. Todos, menos...
— O que está acontecendo? — Pergunto irritada com a sensação de ter entrado em um velório.
Solto as sacolas no chão ao ver pálido na porta da cozinha. Ele encara minha barriga despontando no vestido solto que visto com os olhos arregalados.
O silêncio ensurdecedor que se instala no ambiente me faz lembrar de voltar a respirar. Todos ali me encaram em expectativa. Eles esperam que eu seja a primeira a falar, inclusive . Mas nada escapava pelos meus lábios trêmulos.
— Aqui, ... — Andrew aparece em meu campo de visão embaçado. Ele me oferece o pequeno pacote marrom que mantinha a temperatura morna das castanhas. Abro e fecho a boca algumas vezes, mas não consigo pronunciar nada. Andrew sustenta um olhar cauteloso sobre mim e eu procuro nele algo que eu possa dizer.
— Certo, vamos dar um pouco de espaço para ela agora... Ela não parece muito bem. — Amanda diz vindo até mim. Sinto as lágrimas escorrerem por minhas bochechas e antes que Amanda me guie para o sofá, vejo ainda parado no mesmo lugar. A mão cobre a boca em uma expressão absolutamente chocada e eu não consigo encontrar nem um cenário em minha cabeça onde isso possa acabar bem.
— Eu vou buscar uma água. As mãos dela estão tremendo muito. — Rob diz preocupado e eu olho minhas mãos tremendo bastante. Amanda as segura e sorri tentando me acalmar. Sophie abre uma das janelas e se senta na minha frente, na mesa de centro. Ela estuda meu rosto aflita.
não diz uma palavra. Ele dá espaço para Rob passar com o copo com água e assiste à movimentação de uma verdadeira força-tarefa em minha volta. Sua expressão migra de uma confusa e magoada para uma muito irritada e mais confusa ainda. Eu tento piscar os olhos e descobrir que sua presença é só mais um delírio da vontade enorme que tenho de vê-lo novamente. A realidade de ter partido seu coração é dura demais para encarar.
Rob me oferece o copo com água e eu o aceito.
— Vai ficar tudo bem, . — Ele sussurra e eu o olho como se ele tivesse acabado de me xingar.
Minhas mãos tremem, meu corpo inteiro está arrepiado. Eu mal posso respirar. Tento organizar a realidade em minha mente e nem em todos os piores cenários eu me encontrava tão impotente quanto agora.
Levanto os olhos para constatar de que sim, ele está bem ali na porta da cozinha. Com cara de quem não está entendendo nada.
? Ahm... — A voz falha e rouca de é ouvida no silêncio sepulcral sem precedentes neste grupo. — Podemos nos falar... — Ele passa os olhos pelo grupo e o clima é tenso. — Sozinhos?
Antes mesmo que eu concorde, todos saem da sala e em seguida do apartamento. Amanda é a última a se afastar de mim. Ela aperta minha mão como se estivesse deixando um pouco de sua força para mim.
— Mantenha a calma. — Ouço ela aconselhar antes de sair e fechar a porta. Eu discordo. Se existe uma hora para perder a calma, é agora.
... Eu posso explicar. — Começo escolhendo um conjunto de palavras que o faz rir.
— Eu vou adorar! — O sarcasmo ocupando a defensiva. — Por favor, me explique como foi que eu me tornei um absoluto estranho na minha própria vida. — se aproxima hesitante, os olhos vacilam e ele encara a barriga com medo do que possa sair dali.
Demoro para encontrar uma forma de superar o olhar frio que ele sustenta. Nada do que eu diga pode realmente melhorar alguma coisa, mas não dizer nada pode ser ainda pior.
— Eu quis te contar. Eu juro. Mas não sabia como... Nós... — me olha como se eu tivesse três cabeças e dez olhos em cada uma delas. — Não parece o tipo de coisa que se diga por telefone.
— Não acredito em você! — grita e eu estremeço no lugar. Ele nunca gritou comigo. O susto é tamanho que prendo a respiração. — É... meu? — Ele pergunta hesitante e eu sinto as lágrimas rolando em minhas bochechas. Elas são pesadas, grossas. Assinto e ele repete o meu gesto. Esconde o rosto entre as mãos e suspira pesado.
, juro que não fiz por mal. Eu só não quis estragar tudo logo agora. Você finalmente tem tudo o que sempre quis e... — Paro de falar quando noto que minhas palavras o magoam cada vez mais.
— Como seus supostos atos altruístas acabam sendo tão egoístas no fim das contas? — diz mais baixo, mais calmo. Mas o tom frio e desinteressado me machuca mais do que se ele tivesse gritado de novo. Sinto meu estômago revirar. Estar diante das consequências do que fiz me faz sentir como se estivesse desconectada de mim mesma. Como se metade de mim estivesse fora do lugar.
O abismo me encarou de volta e a visão não é nada bonita. É um reflexo distorcido de tudo o que eu poderia ter feito de diferente.
— Me perdoa. Eu nunca quis que você descobrisse assim. — Digo com a voz embargada e balança a cabeça de um lado para o outro. Irredutível.
— Essa é a vida que eu sempre quis, . Você, uma família..., mas você tirou isso de mim. — tem lágrimas nos olhos, o rosto avermelhado. Mas sua expressão fria não muda.
, por favor... — Imploro e nem sei direito pelo quê. Quero consertar tudo, velar o sofrimento dele é demais para mim. Não sei se consigo suportar ser a pessoa que o faz se sentir tão desesperançoso.
— Sabe... Eu lutei muito para ficar com você. Esperei por anos pela oportunidade de te mostrar o quanto sou louco por você e desde então, te provei todos os dias o quanto você é importante para mim e, eu não me arrependo de nenhum desses dias. Eu te perdoei quando suas dúvidas me afastaram e esperei que você pudesse ver que eu não vou a lugar nenhum, mesmo quando precisei juntar cada pedaço do meu coração por ser rejeitado de novo e de novo. Eu achei que não tinha nada que você pudesse fazer que eu não fosse capaz de te perdoar. Menos por isso. — Ele chora e meu coração se despedaça em mil pedaços.
— Eu só queria te proteger. — Digo entre um soluço e outro. me olha com a testa franzida, não faz sentido para ele.
— Me proteger de quê? De me sentir completo? Feliz? — Suas acusações me desestabilizam totalmente e sinto meu entorno se tornar um reino de desespero. Tudo está ruindo aos poucos e eu não posso fazer nada.
— Não! Exatamente o contrário. — Digo rápido. — Você foi embora, . Você devolveu o apartamento e está feliz com sua nova vida, você mesmo disse. — Me encontro em um lugar onde é possível me apoiar em minha mágoa, ela toma forma e se torna lógica. — Como eu saberia que isso não acabaria com o seu sonho? — O encaro e vejo ali um resquício de culpa.
— Esse é a porra do meu sonho, ! — Ele grunhe em frustração por gritar de novo. — Eu sonho com isso por toda a minha vida adulta. Mas você transformou isso em um pesadelo do qual eu não consigo acordar! — se levanta irado e bagunça os cabelos. O assisto em silêncio, até que ele para diante de mim, completamente descabelado e estuda minha figura completa com bastante atenção pela primeira vez. — Você está tão... Incrivelmente linda carregando meu filho. Tudo o que eu mais quero é te abraçar agora, mas não posso. Não posso porque te odeio neste momento por ter mentido para mim. Tanto que mal consigo respirar. — Ele apoia as mãos nos joelhos. Está pensativo e eu o ouço dizer que me odeia repetidas vezes em minha cabeça. Meus olhos estão perdidos em algum ponto do carpete quando ele sai do apartamento. Deixa a porta aberta e eu ainda o ouço dizer que me odeia repetidas vezes em minha cabeça.
me odeia. Eu bem que mereço.
Aos poucos, meus amigos preenchem o ambiente e eu até tento dizer a eles que está tudo bem. Mas não consigo dizer nada. Só aceno com a cabeça negando qualquer tentativa de conversa e vejo que eles aos poucos recomeçam a festa de comemoração em homenagem ao sucesso de Andrew. Sinto que minha presença além de afastar , deixa a festa suspensa e então, decido me recolher com meus pensamentos em meu quarto.
Andrew está encostado na entrada do corredor e eu tento sorrir, mas sei que não sai como planejado. Ele me abraça apertado e sacode um pouco o meu corpo. Andrew é o único que não age como se eu fosse de cristal.
— Você vai superar essa. Vocês dois vão. — Ele diz me segurando pelos ombros. Eu sorrio finalmente e ele me beija na testa.
— Parabéns pelo filme. Prometo assistir esse. — Digo baixinho e a voz arranha minha garganta. Andrew ri e beija a mão, a pousando sobre a minha barriga. — Boa noite, anjinho. Não ligue para os seus pais, eles são idiotas. — Andrew afaga meu cabelo e eu me desvencilho do carinho paternal exagerado, entrando em meu quarto.
No aconchego da solidão, sinto falta de poder beber e esquecer temporariamente dos problemas com ajuda de uma boa tequila. Mas não posso fugir agora. Devo ser madura e passar por isso sóbria e consciente. Sem nada para amortecer os golpes certeiros da culpa e da vergonha.

Não passou muito tempo, Sophie e Amanda vieram até o quarto. Não perguntaram nada sobre o reencontro desastroso com , mas rondaram o assunto pelas beiradas.
— Acho que quero um bichinho de pelúcia desses. É tão terapêutico. — Sophie amassa um elefante de pelúcia entre os dedos. Sua expressão satisfeita quase me faz rir.
— Vocês podem voltar lá para a sala, se quiserem. Eu vou ficar bem. — Digo passando os olhos pela pilha de roupinhas de bebê dobradas por Amanda. Ela revisa minhas compras com empolgação.
— Eu estou perfeitamente bem aqui. — Sophie responde distraída com outra pelúcia.
— Eu também. — Amanda dá de ombros enquanto faz combinações com as roupas esticadas na cama. — Olha o tamanho dessa calça jeans! — Amanda grita empolgada e eu sorrio. Sei que vai demorar até ela poder vestir aquilo, mas simplesmente não resisti à minicalça jeans com rasgos nos joelhos.
— Eu nem cheguei a dizer a ele... — Ouço minha voz me trair dizendo distraída.
— Ele não sabe que é uma menina? — Amanda pergunta e abraça a calça jeans com pesar quando nego com a cabeça.
Suspiro derrotada e todo o estresse começa a se manifestar fisicamente. Mais precisamente em minha lombar.
— Eu queria ser uma daquelas bonecas que tem partes removíveis. E então, quando ela engravida, é possível destacar sua barriga quando ela reclamar de dor nas costas. — Resmungo amarga e recebo olhares confusos em minha direção.
— Que boneca é essa? — Sophie pergunta, seus olhos desviam de mim e se encontram com os de Amanda por um instante.
— Ela não existe. — Amanda cochicha, cobrindo a boca com a mão.
— Como não?! — Digo incrédula. — Tem que ter algum brinquedo que ensine a meninas e meninos no mundo todo que engravidar é uma brincadeira gostosa no começo, mas depois fica estúpido. Estúpido. Estúpido! — Reclamo e recebo um chute na bexiga como retaliação ao meu comentário. — Claro! Essa criança não sabe abrir os olhos, mas já tem um gênio forte e sabe exatamente machucar onde dói: na minha bexiga! — Amanda segura um riso e eu percebo que meu mau humor quer matar qualquer sinal de vida de um clima mais leve. Respiro fundo e escorrego na cama, indo ao banheiro.
Estou tão emocionalmente exausta que mesmo após terminar de fazer xixi, me pego sentada na privada respirando fundo repetidas vezes. Encaro o rejunte acinzentado entre os azulejos brancos. Na busca de distração para uma mente perturbada, debato comigo mesma se a cor escolhida amplia ou não a impressão de limpeza no chão. Meus devaneios são interrompidos pelos sussurros nem tão discretos vindos do quarto.
— Ele vai mudar de ideia. — Amanda diz, talvez ela esteja se referindo à .
— Andy disse que está trocando mensagens com ele e as coisas não estão nada bem. O está arrasado. — Sophie diz com pesar. — Ele não diria que... Ele não diria aquilo se não estivesse realmente sentindo. — O fato de Sophie não dizer a palavra me faz sentir pequena. Digna de pena. É ridículo.
é um homem honesto. Com os outros e consigo mesmo. Ele não diria que me odeia se realmente não me odiasse. E ele tem razão em me odiar. Eu vi em seus olhos o quanto eu o havia magoado. Sua decepção é um reflexo da minha. Eu também não vou me perdoar por isso.
— Se eu me lembro bem, ele disse que a odeia pelo que ela fez. Então, tecnicamente, se a puder de alguma forma se redimir, talvez, ele possa perdoá—la. — Amanda é do tipo que se agarra a tecnicalidades quando é conveniente, o que me faz sorrir. Ela não está disposta a desistir de nós e eu me vejo quase na obrigação de não desistir também.
— Não sei, não. Você tem alguma ideia? — Sophie diz e o silêncio é desesperador.
Preciso descobrir como desfazer tanta bagunça.
Lavo as mãos e saio do banheiro com cara de quem desconhece as esperanças e desilusões de minhas amigas em relação a minha vida amorosa.


Capítulo II

É muito cedo quando desperto ouvindo os acordes de "I Want To Hold Your Hand" dos Beatles. A harmonia entre John, Paul e Rob me faz rir antes mesmo de abrir os olhos. O advogado escolhe as partes mais agudas da canção e sei por experiência que a cantoria acompanha uma performance também.
Há algo sobre Robert. Ele é otimista, prestativo, tem suas piadas duvidosas, mas me faz rir na maior parte do tempo. Com ele ou dele. Acontece que ele desperta um lado maldoso em mim. Meio sem paciência. Não sei se é a gravidez e ele foi o alvo de objeto do meu ódio ou se o problema é Rob.
Amanda abre a porta com as bochechas coradas e imagino que ela tenha calado o namorado com um beijo no corredor. Mas já que ali está ela, com minhas vitaminas em mãos, Rob voltara a cantar.
— Acho que eu sou muito fã do quinto integrante da banda... É um perigo saber onde ele mora. Você não acha? — Digo enquanto me sento. Amanda me repreende com um olhar, mas ri de minha péssima e infame piada.
— Rob não mora aqui. E está muito cedo para ser tão maldosa. — Tomo as vitaminas e me concentro no teto para não rir e cuspir toda a água e os comprimidos. — Como você está? — O olhar preocupado de Amanda me traz de volta para a realidade e eu fecho os olhos com força. Droga.
— Se ele não mora aqui, por que Rob toca seus discos tão alto e tão cedo? — Desvio da pergunta com maestria e Amanda sorri pequeno.
— Preciso ir trabalhar. Seja boa com o Rob. — Ela me aponta um dedo em riste e eu assinto devagar.
Quando Amanda sai do quarto eu tomo um banho, coloco roupas de academia e decido fazer uma caminhada. Suar a culpa para fora de meu sistema, ou pelo menos tentar.
Sinto as molas do tênis me fazerem balançar um pouco e não gosto da sensação. Como estes podem ser os tênis certos para fazer exercícios se me sinto tão insegura sobre seu solado ondulado? De qualquer forma, a espécie de salto do calçado me faz ficar com a postura impecável e eu posso, ao menos, me sentir bem com a parte exterior do meu ser.
Vou até a sala e procuro pelos meus fones de ouvido. Assim que os encontro, me sinto confiante e até orgulhosa por conseguir manter tal hábito. As coisas que não fazemos por quem amamos, não é mesmo?
Uma caminhada leve, ouvindo um pouco de música. Saudável para a mamãe, para o bebê. E então, eu abro a porta para sair de casa e dou de cara com o papai. O fio enrolado em minha mão se desfaz e escorrega. Derrubo os fones de ouvido e trata de se abaixar para pegá-los antes que eu sequer me dê conta.
— Corrida? — Ele pergunta e me estende a mão aberta, com os fones enrolados novamente.
— Sinceramente, não sei nem se consigo dar mais um passo. — Confesso sem pensar muito, minhas pernas estão tremendo e estou surpresa com sua presença. ri de leve e eu tiro um instante para sentir a alegria de finalmente vê-lo. Eu senti tanta saudade de tudo nele. E então, me vejo ansiosa e na defensiva de novo. — Como sabe disso?
— Fiquei sabendo por aí... — Ele volta a ficar sério, mas algo nele me chama a atenção e me deixa envergonhada ao mesmo tempo. Parece que ele se lembra que me odeia e seu olhar se intensifica antes que ele desvie para o corredor, indicando o caminho com a mão estendida.
Tento discretamente expulsar a sensação que sinto em meu corpo com um suspiro longo, um pouco de minha dignidade escapa também. Tento eliminar a vontade de continuar olhando para ele, porque, sempre foi bonito, mas não sei dizer ao certo, acho que toda essa raiva que ele está sentindo o deixa infinitamente mais sexy. E eu não posso me deixar distrair pela vontade de agarrá-lo.
Pegamos o elevador em silêncio, não quero ser a primeira a falar e não me atrevo a olhar diretamente para ele de novo. Sei que ele está encarando a minha barriga. As roupas de academia marcam bastante. Limpo a garganta ao ver pelo reflexo do material que reveste o elevador que desvia descaradamente seu olhar para meus seios, que estão notoriamente maiores. Ele guarda as mãos nos bolsos da calça, encarando o painel a sua frente de repente. Ele não viu quando sorri maliciosa e um pouco lisonjeada por não ser a única a se perder momentaneamente pela luxúria.
Caminhamos lado a lado. Devagar e em silêncio. tem milhares de perguntas e eu consigo ver pelo canto de olho que ele pega um pouco de ar e ameaça começar a dizer algo, mas não diz. Sendo eu a detentora das respostas, estou mais do que pronta para as perguntas.
— Então... — Digo sem jeito, mas o silêncio incomoda e eu quero logo arrancar esse curativo de uma vez por todas.
respira fundo. Puxa o ar com força para o peito e solta devagar.
— Desde quando você sabe? — Assinto devagar, é justo começar pelo começo.
— Eu estava grávida de um mês quando descobri. Na mesma noite em que você ligou pela primeira vez. — parece fazer as contas mentalmente e então, ele me encara com a testa franzida.
— E você não achou que seria pertinente comentar? — Ele soa magoado, é claro, e eu o encaro de volta com uma coragem desconhecida.
— Eu sei agora o quanto foi errado e egoísta. Mas aquele dia foi intenso e maluco. Eu percebi o atraso, Sophie me deu um teste de gravidez e Amanda me entregou a sua carta. E então... Eu... Ah... — Tento colocar os sentimentos de lado e torço para as lágrimas voltarem de onde vieram. — Foi uma experiência surreal e tudo aconteceu rápido demais. — me ouve com atenção e eu me sinto acolhida, pois, mesmo magoado, não há um pingo sequer de julgamento em seus olhos. — Ouvir sua voz no meio de tanta euforia foi como apertar um botão de emergência. Eu quis me apegar a essa sensação de segurança ao máximo possível. — Olhando em retrospecto, esse é o único dia com o qual eu não me sinto culpada por não ter contado. Defendo aquela versão de mim que ainda não tinha decidido nada por estar apavorada e perdida. E de alguma forma, sinto que faz o mesmo.
Um skatista apressado vem em minha direção e mesmo que ele esteja há uma certa distância de mim, me puxa gentilmente para mais perto dele.
— Você não pensou que talvez essa sensação pudesse se expandir se tivesse me contado? — Ele pergunta e nós estamos próximos agora. Posso ver todas as cores refletidas em seus olhos e fico ali encarando as variações de castanho tão apagadas pela tristeza.
— É claro. — Digo rápido e tombo a cabeça para trás, num suspiro cansado de revisitar esse pensamento. — Eu sempre quis te contar. Mas, a cada ligação com minutos contados e uma péssima conexão, sem ofensas, ficou difícil. — ri sem alegria. — Quando as ligações ficaram mais estáveis, eu já estava decidida de que era o melhor a se fazer.
— Eu tenho alguma culpa nessa história também. — confessa e me pega de surpresa. — Eu quis tanto cumprir minha promessa, quando finalmente pude te ligar, tudo parecia um empecilho para não fazer isso. O fuso horário, o cansaço ou simplesmente não ter nada bom para compartilhar pareciam razões boas o suficiente para, sei lá, te deixar seguir em frente. Principalmente depois que... Bem, você sabe. — Ele diz envergonhado e eu desvio o olhar, também constrangida. Mas eu não poderia aceita-lo de volta como meu namorado se eu estava mentindo descaradamente para ele.
— Eu me senti tão estúpida por isso. Ainda me sinto. — Lamento de olhos fechados e então, voltamos a andar.
— Eu senti como se existisse um bloqueio entre nós. Algo me impedia de ser honesto com você. Eu senti sua falta como um louco, ... Aquilo foi... Ah, foi um inferno! — desabafa e eu me pego olhando para a situação através da ótica dele. E só então, eu percebo que algo não está certo. — Eu tive toda e cada expectativa despedaçada. Eles estavam certos, eu não estou pronto para liderar esse projeto. Eu fui massacrado por frustrações, obstáculos e decepção. Eu não via a hora de voltar para casa. Voltar para você. — Quando finalmente me olhou, me senti péssima. Eu o conheço bem, sei que isso de ele me odiar está acabando com ele.
Ele é bom demais, até para odiar alguém estando com razão.
— Eu sinto muito, . — Ele dá de ombros e ri de leve, mas sem nenhuma emoção.
— Você tem noção do quanto essa notícia poderia ter me ajudado a passar por isso? , eu duvidei de mim mesmo tantas vezes que agora acho que isso seria até uma boa razão para desistir de tudo e ficar com a minha família. Olha para você... Eu teria dado qualquer coisa para ter visto como tudo isso aconteceu. Eu queria ter estado aqui, . Se eu soubesse, eu teria estado aqui. — diz e parece irritado de novo. Talvez tenha se dado conta de como tudo o que ele planejou saiu do controle. Eu sou só um lembrete do quanto tudo deu errado. É horrível que eu tenha me tornado essa imagem para ele.
— Eu sinto tanto, ... Eu não tinha ideia. — Apoio minha mão em seu ombro hesitante, mas ele acolhe o carinho colocando sua mão sobre a minha.
— Como você poderia saber? Eu amenizei os problemas toda vez que conversamos. Dizia que estava tudo bem quando na verdade eu nunca estive tão miserável. Mentindo para nós dois. — suspira pesado, mas sinto que seu desabafo o faz ficar mais leve.
— Eu me convenci de que você estava bem, a alternativa me machucava muito. Eu perdi o controle da situação também. Achei que chegaria um momento em que ficaria mais fácil, mas só foi ficando cada vez mais difícil abordar o assunto. Eu pensei em só dizer algo como: "Ei, amor, nós vamos ter um bebê. É uma menina! Ah, abriu um restaurante coreano no fim da rua, você vai amar!" — Perco o fôlego e percebo que nem está ao meu lado. Ele parou de andar um pouco antes do fim de minha imitação de mim mesma. respira entrecortado e seus olhos estão marejados. Um sorriso ameaça despontar o canto de seus lábios.
— É uma menina? — Sua voz falha e eu vou até ele. Percebo que solto uma informação importante de qualquer jeito.
— Ninguém te contou? — Pergunto confusa. Pensei que há essa altura, nossos amigos já o tivessem contado os detalhes. rola os olhos e nega com a cabeça, como se fosse óbvio. — Desculpe por isso. É uma menina, sim. Nés descobrimos na última ultrassom. — Sorrio acariciando a barriga. — E aparentemente, ela já me odeia. — ri e seca o rosto com as costas da mão.
— Não diga isso. Ela provavelmente está brava com você, mas vai passar. — Ele diz calmo e eu assinto esperançosa. Algo em suas palavras soa como uma experiência pessoal de mais.
— Quer tocar? — Pergunto notando que ele me olha confuso. — Na barriga, . Quer tocar a barriga? — Ofereço e ele ri nasalado.
— Eu estava mesmo pensando nisso... — limpa a garganta e passa os olhos por sobre o decote da blusa de alça novamente. Tombo um pouco a cabeça, o encarando incrédula. — Quero sim. — Rio de sua aparente confusão momentânea e me preparo para seu toque. Venho sonhando com esse momento por tempo demais.
espalma a mão sobre meu estômago e eu o guio com a mão para onde ele poderia senti-la melhor.
— Ela está bem... Aqui. — Posiciono sua mão em meu baixo ventre e a outra um pouco ao lado. De repente, sinto uma movimentação estranha, completamente diferente do comum. afasta as mãos alarmado e me encara como se eu soubesse do que se trata.
— O que foi isso?! — Pergunto assustada e sorri, colocando as mãos de volta em minha barriga. O movimento abrupto e errático empurra a mão dele e eu pulo de surpresa, me dando conta do que está acontecendo. — Ela está chutando! Ah, meu Deus! Ela está chutando! — Afirmo sentindo meu coração se encher de amor, dobrar de tamanho e transbordar.
— Ela nunca fez isso antes? — pergunta e eu nego com a cabeça veementemente. Isso é completamente novo e eu estou ainda mais feliz por ele estar aqui comigo agora.
— Ai, filha! — Reclamo entre um riso surpreso, ela chutou algo que não deveria ser chutado. — Isso ela já fez. — Resmungo e ouço sua risada abafada. morde o lábio inferior em empolgação e a cena é simplesmente adorável.
— Como é... Isso? — vacila o olhar entre minha barriga e meus olhos.
— Estranho. Meu corpo não parece mais meu. Mas é incrível. — ri ainda mais. — Quando descobrimos o sexo, os movimentos começaram também. Eu me senti em um filme de ficção científica escrito por um Andrew completamente chapado. Como se um alienígena estivesse ali dentro, se alimentando de mim e esperando a hora certa para abrir minha barriga e atacar a Terra. — Divido um dos mais loucos e recorrentes pensamentos que me ocorreram durante a gravidez. ainda está rindo e só então, percebo que suas mãos ainda estão em minha barriga. O carinho quase imperceptível com o polegar, a firmeza gentil da ponta dos dedos. A palma quente em contato com minha pele me acalmando e me fazendo sentir segura.
— E vocês estão bem? Digo, a saúde de vocês duas está boa? — Pergunta sem conseguir evitar sorrir com mais um chute contra uma das mãos dele.
— Nós estamos bem. Todos me tratam como se eu fosse quebrar a qualquer momento. — Sorrio garantindo. Uma coisa é certa: este bebê tem tios e tias devotos. Tanto amor que chega a sufocar às vezes, mas é assim com a família.
— Eu quero me envolver, . Eu quero muito ser pai dessa... Chutadorazinha. — Ele diz mais baixo. — Ouviu, pequena? Eu sou o seu pai. — Gargalhei ouvindo sua imitação péssima da voz de Darth Vader.
— Você é. — Sorrio vendo que ele se distrai com os chutes que ela dá em resposta.
— Acho que ela gosta de mim! — Ele olha para mim e eu assinto.
— Eu também acho. — Digo baixo e ele se levanta. Voltamos a caminhar e decidimos parar no parque. Tantas emoções me deixam cansada e eu me sento na grama.
me olha fascinado enquanto me banho na luz do sol. É verão e o clima está perfeito, a brisa fresca ainda sendo resquício da primavera. Eu me sinto um monumento sob aquele olhar, mas me contenho. Não há espaço para vaidade.
— O fato de eu ainda estar respirando significa que você também não contou aos seus pais. Estou certo? — pergunta sério e eu sorrio de boca fechada. É constrangedor como eu não pensei nisso direito, só evitei até não poder mais.
— Eu pensei em deixar que ela cresça e escolha quem quer conhecer... — Sugiro brincalhona e me repreende com somente um olhar. Mas também vejo que ele se esforça para não rir.
— Me sinto um pouco melhor por não ser o último a saber. — Diz enquanto se senta ao meu lado.
— Sério? — Pergunto e me olha hesitante. Decido não deixar que ele responda e continuo. — Imaginei que depois de te contar ficaria mais fácil. Descobri que não sou forte o suficiente para magoar quem eu amo. — Confesso sentindo o amargo da culpa em minha língua.
— Eu vou estar ao seu lado quando contar a eles. Quem sabe eu não amorteço a fúria da sua mãe?! — brinca e me olha de forma acolhedora. Mesmo que dure somente alguns segundos, tenho o vislumbre do que poderia ter sido.
— Não se preocupe com isso. Ela gosta de você agora. — ergue as sobrancelhas surpreso.
— Sua mãe? Gostando de mim? — pergunta desconfiado.
— Ela mesma disse isso. Confessou que aprendeu a gostar do seu jeito sagaz. — Tiro sarro dele e percebo que ele está corado.
— Isso sim é uma surpresa... — Ele comenta baixo e eu encaro a barriga de seis meses de gestação da qual ele não tinha ideia de que existia há menos de vinte e quatro horas.
— Pois é... Ela também sorriu no natal. Foi assustadoramente adorável. — Adiciono e ele comprime os lábios impressionado.
— Eu deveria estar preocupado com o seu pai também? — deita o corpo na grama. Apoia a cabeça no antebraço e encara o céu claro. Ele respira fundo e o sol ilumina seu rosto. Ele parece mais confortável com a ideia, ela parece caber melhor entre as outras.
— Está brincando?! Meu pai nasceu para ser avô! Ele vai adorar ter uma netinha. — O tranquilizo e ele sorri. — E os seus pais? — volta a me olhar e dá de ombros.
— Acho que eles vão ficar felizes. Não é como se eles não tivessem pedido por netos várias vezes. — Ele diz pensativo e eu me sinto ainda mais segura com sua calma. — Claro que eles vão trazer a história de casamento à tona, mas não vamos nos preocupar com isso agora. — O jeito banal como ele citou o casamento me incomoda. Eu sei que a ideia de casamento não é nem remotamente uma preocupação agora, mas, a indiferença dele me magoou. — Vamos lidar com um casal de pais por vez.
— Um casal de pais por vez. — Repito tentando me ater ao assunto principal.
A volta para o apartamento também é silenciosa. troca de lado comigo na calçada e o toque singelo dele em minha cintura me acende. E tão rápido quanto acende, o fogo se apaga em uma tristeza profunda por saber que esse é o máximo de contato físico que trocarei com ele.
— Eu ainda tenho alguns dias na cidade. O que acha de ir visitar nossos pais? Ou eles podem vir até a cidade, você escolhe. — disse assim que terminou de comer o almoço que ajudei a preparar.
— Prefiro que eles venham. Só de pensar em ficar horas sentada numa poltrona desconfortável, minha lombar dói. — Estico um pouco o corpo para aliviar a tensão.
— Está bem. — Ele diz me lançando um olhar cúmplice. — Você está preparada para isso? — pergunta e eu não sei o que responder. Entendo o que ele quer dizer e suspiro. Ninguém me perguntou isso nesse tempo todo.
— Não. — Digo rindo de desespero. — Essa é a coisa mais absurda que já fiz na vida. Todo dia eu descubro a gravidez de novo, como se a ficha não tivesse caído ainda. E isso é só uma parte do processo, depois disso, eu tenho a tarefa de criar alguém para o resto da vida. Quer dizer, olha o que eu fiz com a minha própria vida. Eu não sei se vou ser uma boa mãe. — É a primeira vez que externo essa preocupação. O futuro é nebuloso e abrir mão desse controle na promessa de dar o meu melhor não parece o suficiente.
— Você vai ser uma mãe maravilhosa, . Basicamente por ser uma boa pessoa. — Ele diz sereno.
— Como você tem tanta certeza? — Pergunto genuinamente curiosa e ele está prestes a me dizer. Somos interrompidos por Robert, é sexta-feira e ele chega mais cedo do trabalho nas sextas-feiras.
— Olá, casal apaixonado! — Rob se desfaz da bolsa transversal e das chaves, se vira sorridente para nós. Ele puxa uma cadeira e nos encara empolgado. — Do que estamos falando? — Ele junta as mãos sobre a mesa e percebo que o encara com estranhamento. Ele nem disfarça.
— É... Robert, certo? — Ele diz um pouco impaciente.
— Rob, para os amigos. Eu estava aqui ontem. Que dia intenso. — Meus olhos viajam rápido entre e Rob. Toda essa tensão do desconhecido seria cômica se não fosse tão trágica. Robert esteve presente por quase todos os dias nos últimos meses. Ele havia encontrado um jeito de se tornar parte da família. não estava aqui, eu entendo por que ele não corresponde ao comportamento tão confortável de Rob. O problema é que Rob não parece ter percebido isso.
— Claro, claro. Desculpe por isso. — troca um olhar rápido comigo e tamborila os dedos sobre a mesa. — Como você deve saber, esse é um momento muito intenso e complicado para nós. — Rob sorri compreensivo.
— Sim. Às vezes, quando a acorda de madrugada para vomitar, eu acordo também em solidariedade. — Ele explica orgulhoso e eu o encaro com os olhos cerrados, bastante constrangida com a revelação. ri nervoso.
— Robert, esse é o tipo de conversa que eu classifico como delicada e eu prefiro ter essa conversa com a minha namorada em particular. — está irritado e eu tento ignorar as borboletas no estômago ao ouvi-lo se referir a mim como sua namorada. — Não me entenda mal, é que eu não te conheço muito bem. — Ele conclui sem jeito e sei como é difícil para ele ter que ser tão óbvio. Mas acho que ele entendeu a dinâmica para lidar com Rob.
— Ah, meu Deus! É claro! Me desculpe por isso. — Rob diz caindo em entendimento. Ele se levanta da cadeira e a põe de volta no lugar. — Eu lido com situações constrangedoras o tempo todo, eu acabei perdendo o filtro em algum momento. — Ele explica rindo de si mesmo.
— Sem problemas, cara. — força um sorriso e encara a mesa, aguardando que Rob saia da sala. E ele sai por um tempo, até voltar para pegar a bolsa.
— Sabe o que é engraçado? — Ele para no meio do caminho entre a sala e o corredor. — Se eu tivesse aparecido naquele encontro, esse bebê poderia ter sido meu. Não é uma loucura?! — Robert ri sozinho e o som preenche todo o ambiente. É tarde demais quando ele olha para mim em busca de risos e encontra uma expressão absolutamente chocada. Estou perturbada por ele sequer pensar em tal possibilidade, ter ouvido em voz alta me deixa mortificada.
Abro e fecho a boca várias vezes, petrificada demais para falar.
— Ah, Robert... — fecha a mão em punho e ri sem humor. — É exatamente esse tipo de comentário que estamos tentando evitar. Você pode, por favor, sair daqui? — Ele diz calmo, até amigável. Mas é assustador. Rob assente e sibila um "me desculpe" e volta para o quarto. Eu até consigo ouvir o som da chave quando ele tranca a porta.
É loucura, eu sei. Mas toda essa irritação explosiva é um polo novo no sempre calmo Planeta . É interessante, misteriosa, imprevisível e absolutamente sexy. Ele levanta seus olhos na direção dos meus e eu engulo em seco, desejando que essa mesa entre nós não exista. Ou talvez exista e sustente nossos corpos sobre ela.
Suspiro audivelmente. Estou frustrada e toda essa brincadeira de esquenta e esfria não me faz bem na cabeça.
— O que a Amanda vê nesse cara? — pergunta baixo. Eu rio da indignação aparente do homem.
— Ele é uma boa pessoa. Não se deixe enganar pelos comentários inoportunos... — Digo tentando parar de encará-lo, mas não consigo. Ainda parece surreal que ele esteja aqui.
sustenta meu olhar por algum tempo e quase sorri. Em vez disso, ele desvia o olhar e fita o relógio em seu pulso. se levanta e xinga baixo.
— Eu tenho que ir. — Ele se levanta e eu quase pergunto para onde. Mas só assinto, odiando ter que ficar sozinha de novo.
? — O chamo hesitante, ele me olha e eu rio de nervoso. — Quando nós vamos falar sobre... Nós? — Me mexo inquieta na cadeira. Sei que é cedo para decidirmos qualquer coisa, mas eu preciso saber.
— Agora não, . — Ele diz sério. Assinto novamente e me submeto ao tempo dele para conversarmos. Isso é difícil, mas eu não tenho escolha. Sinto o nariz doer, a respiração ficar mais fraca e meus olhos se enchem de lágrimas.
dá a volta na mesa e se aproxima de mim. Se abaixa e volta a falar baixinho.
— Até mais tarde, chutadorazinha. — A menção do novo apelido dela me faz sorrir. espalma a mão sobre a barriga e estranha a ausência do chute. Ele me olha preocupado e eu me recomponho de alguma forma para tentar tranquilizá-lo.
— Ela só deve estar dormindo. Não é como se ela tivesse um horário bem definido para isso, mas eu li que é comum eles dormirem depois de a mãe comer. — Dou de ombros, ainda é bizarro que tenha alguém cheio de particularidades crescendo dentro de mim.
— Isso é muito fofo! — Ele se levanta rindo e eu sinto que vou derreter a qualquer minuto. — Será que ela tem sonhos? — Ele pergunta para si e eu mordo o interior da boca me permitindo imaginar com o quê sonham os bebês. O interesse inegável de pelo bebê me tranquiliza e encanta. Imagino que esse seria o momento perfeito para mostrar a ele o Diário de Bordo, mas me contenho.
— Tenho algo para te mostrar quando voltar. Acho que vai gostar. — Digo tímida e ele ri nasalado.
— Uma criança já nascida? — brinca e eu o encaro confusa. — Muito cedo? É, é sim... Foi mal. — coça a cabeça e se aproxima ainda com um sorriso brincando em seus lábios. Por um instante, achei que ele fosse me beijar e, ele o faz, mas, na testa. De forma casta e muito comedida. — Até mais, .

Quando Amanda chega da editora anunciando que traz consigo pizza de pepperoni, Rob destranca a porta do quarto e sai de lá com o olhar desconfiado. Ele se certifica de que somos só nós e se senta à mesa.
O clima em volta da mesa é pesado e silencioso. Rob não olha para mim por muito tempo, o que faz Amanda nos olhar intrigada. Eu estou desconfortável com a ideia de ter de repetir o que houve para Amanda, também quero poupá-la da possível longa briga que ela certamente teria com Rob se soubesse. Sorrio de boca fechada e minha amiga ergue uma das sobrancelhas. Ela está prestes a dizer algo quando somos todos salvos por batidas tímidas na porta.
Rob se levanta rápido e vai até ela para abri-la.
— Ah... . — A voz de Robert falha e ele dá espaço para que entre no apartamento. — O está aqui! — Ele anuncia nervoso e Amanda ri confusa. se limita a o cumprimentar com um aceno de cabeça.
Amanda olha diretamente para mim, em busca de respostas.
— Nem queira saber... — Digo baixo e Amanda franze a testa. A expressão se suaviza quando vai até ela e lhe dá um beijo na testa. O gesto me deixa em alerta, talvez pelo fato de ele ter repetido horas antes comigo. Agora recebo cumprimentos amigáveis de .
Amanda se levanta e guia a conversa entre eles para o sofá. Rob começa a lidar com a bagunça do jantar e eu faço menção de me levantar para ajudá-lo. Rob toma o prato de minha mão e eu rio, pois, ele ainda não está olhando para mim.
— Por onde andou, papai? — Amanda imita a voz de um bebê que sai rouca demais. Ela soa como um bebê fumante e isso faz rir.
— Estava falando com o senhorio do apartamento. — se ajeita melhor no sofá e a encara divertido. A conversa me interessa muito e apesar de achar que ele deveria estar discutindo isso comigo, me levanto e vou até a poltrona. Ouvindo descaradamente. — Ele disse que tem tido problemas para encontrar novos inquilinos. — a olha convencido de que Amanda está por trás disso. Ela estreita os olhos, fingindo interesse. Mas não suporta o peso das próprias maluquices e começa a rir.
— Você não soube do fantasma no elevador? Ou a vizinha de cima que gosta de sexo barulhento?! — O tom ofendido dela não convence, pelo contrário, Amanda soa completamente culpada.
— Eu sabia! — ri e se inclina na direção dela. Sorrio com a cena e então, percebo que sou só espectadora do que está acontecendo. não mudou com o pessoal, só comigo. Eles mentiram, mas foi por mim. Esse abismo entre nós é culpa minha.
— Não importa os meios que usei, desde que tenha dado certo. E aí, vai voltar a ser o vizinho mais gato que já tive? — Amanda pergunta e eu tento mascarar minha expectativa.
— Eu não acredito em fantasmas e a vizinha barulhenta no sexo é você então, não vejo problema. — dá de ombros e Amanda grita em empolgação. Ela o abraça pela cintura e deita a cabeça em seu peito.
Observo os dois partilhando daquele momento e não consigo evitar procurar Rob com os olhos, somente para me certificar de que não estou sozinha sentindo ciúmes. O homem encara da ponta da mesa, a expressão preocupada e até um pouco triste me faz me identificar um pouco com Rob. Atualmente, somos as duas únicas pessoas no mundo das quais não gosta muito.
disse que quer te mostrar o diário de bordo, vem! — Amanda se levanta de repente e pega pela mão. Ela o guia pelo corredor e os dois entram em meu quarto. Me levanto também e com bem menos velocidade, vou até Rob e percebo que ele ainda encara a porta entreaberta de meu quarto.
— Ei, está tudo bem? — Fico na ponta dos dedos, tomando seu campo de visão. — Rob! — O chamo e ele pisca algumas vezes.
— Sim, tudo bem. — Ele diz rápido enquanto chacoalha um pouco a cabeça. — , me desculpe por hoje cedo. Eu sei como tem sido difícil para você e só quis aliviar um pouco a tensão. Não pensei muito bem em como fazer... Enfim, me desculpe. — Rob tem os ombros murchos e seu rosto se contorce em culpa.
— Não se preocupe com isso. — Apoio minha mão em seu ombro. Rob é mesmo uma boa pessoa e sua piada de mal gosto foi só isso, uma piada. Ele assente e sorri fraco. — E sobre eles... — Indico o quarto com a cabeça. — Não se preocupe com isso também. — Digo com propriedade, sei que em outros tempos eu gostaria de ter alguém para me dizer isso. e Amanda sempre tiveram essa ligação forte, uma intimidade inquestionável. Mas Rob merece saber que se Amanda o escolheu, é ele.
Respiro fundo antes de abrir mais a porta. Observo os dois conversando por um tempo e vejo com os olhos perdidos nas folhas. Amanda descreve cada uma das colagens, aponta para os dados que acha mais importantes e vira a página com certa empolgação. É legal que ela esteja fazendo isso, mas esperei o dia todo para poder ter essa oportunidade e lá estava ela fazendo isso por mim.
— Na época dessa foto a não tinha barriga nenhuma e do nada, começou a crescer muito rápido! Nesse ultrassom, nós descobrimos o sexo e, que ela gosta de ficar deitada para o lado esquerdo. Igual a você! — Amanda diz entusiasmada. tenta acompanhar, mas é visível sua confusão com tantas informações e datas sendo passadas tão rapidamente. Percebo que ele encara a pequena imagem com dificuldade em encontrar sua filha ali e Amanda não vê, pois, tem aquele diário decorado na memória.
Amanda deixa o diário no colo dele e se levanta para tirar o celular do bolso da calça.
— Ouvir o coração dela foi incrível! Eu tenho a gravação aqui... — Amanda vasculha os arquivos no próprio celular e sorri quando encontra a tal gravação.
Ela começa com uma rápida conversa entre mim e o Dr. Portman, em seguida tudo fica em silêncio e então, as batidas tomam o cômodo como fizeram no outro dia, no consultório.
A lembrança me acerta precisamente e eu me lembro de estar me sentindo péssima quando chegamos para a consulta. De início, me senti péssima por não encontrar o bebê que mais parecia uma semente no meio dos borrões da ultrassonografia e então, aquelas batidas fortes e rápidas me tomaram de assalto, o mundo inteiro parecia ter feito silêncio para ouvir aquele som rítmico, calmo e agitado ao mesmo tempo. Aquele som que disse em uma espécie de código que eu seria mãe de alguém em breve.
Minha presença é finalmente notada e Amanda e sorriem para mim. Ele mais emocionado do que nunca, o rosto vermelho e molhado pelas lágrimas grossas.
— Muito obrigada por dizer que a bebê chutou hoje! — Amanda diz irônica e toma o diário das mãos de . Ela caminha até a mesa do computador e faz a pequena anotação no rodapé da página. A gravação acaba e o silêncio ocupa os espaços entre nós.
— Como você pôde me deixar de fora disso? — diz com a voz falha. A mágoa que parecia adormecida volta a escalar seu caminho de volta para a superfície. Engulo em seco, ele chora com o rosto escondido entre as mãos e é um choro tão desamparado.
— Eu sinto muito, ... — Digo envergonhada. Quero correr e abraçá-lo. Mais que qualquer coisa, quero impedir que ele sinta essa dor imensa. Amanda levanta os olhos da página e analisa rapidamente a cena. Eu a encaro e ela sorri triste, se levanta e antes de sair do quarto, ela deixa o diário sobre a cama, ao lado de . — Eu não queria que nada disso acontecesse, não queria machucar ninguém. — levanta os olhos e me encara. A faísca de ódio se consumiu por completo, deixando somente as cinzas da decepção.
— O que a gente faz agora? — Seu olhar pesa sobre mim. Sinto tudo me atingir de uma vez só. Culpa, medo, vergonha. Todas as incertezas se maximizando e me deixando no completo escuro. Então, entro em um estágio que sei que não tem volta. Eu me odeio também.
— Eu não sei. — Admito sentindo o desespero me tomar. — O que eu fiz foi mesquinho. Mesmo sem ter a intenção, agi como a pior pessoa do mundo. Eu menti para você em toda oportunidade que tive de te contar. Eu queria ter um bom motivo para ter agido assim, mas eu não tenho. Eu estive paralisada nos últimos meses e nem sei por quê. Eu não mereço que você me perdoe. — Tento não deixar que minha honestidade me desestabilize. Eu sei que se eu chorar ele desaba. é simplesmente bom demais para me odiar e eu quero que ele me odeie. Eu mereço que ele me odeie.
— Eu sei que não tenho que te perdoar, . O problema é que eu quero muito, mas não consigo. Você me quebrou. — Engulo em seco. É difícil me manter forte. — Eu estou tentando lidar com tudo isso e rearranjar minha vida para que a minha filha possa caber nela. Mas tudo o que eu vejo quando olho para você é tudo o que eu perdi e não posso recuperar. — Sua voz soa embriagada de uma tristeza que eu não conhecia. — Eu odeio essa situação, odeio. E o pior de tudo, amor, é que a culpa é sua. Sempre foi inconcebível para mim que você fosse a pessoa que iria me machucar desse jeito. Você mentiu para mim e fez todos os meus amigos mentirem também. Como eu vou ter uma filha com o amor da minha vida se essa pessoa se tornou alguém em quem eu não posso confiar? — mal consegue me olhar agora. Eu ficaria invisível se pudesse esconder minha vergonha e a face de alguém que estragou tudo.
Minha cabeça lateja, o ar parece fogo em meus pulmões e meu corpo se comprime em uma agonia profunda. Começo a chorar sem conseguir impedir, também não consigo respirar e começo a soluçar. Tudo ao mesmo tempo. Parece que meu corpo perdeu o controle de como funcionar e meu cérebro se recusa a colocar todo mundo em ordem. Sinto meus ombros tremendo com a intensidade do choro, me sinto uma criança desamparada. Os sons machucados e arrependidos aumentam de intensidade e eu não consigo parar.
Começo a me preocupar.
Eu não consigo pensar direito, me acalmar parece um paraíso distante e eu entro em pânico quando reconheço que não estou mesmo respirando bem. O emocional se tornar físico significa que se eu não estou fisicamente bem, meu bebê também não está. E isso eu não posso arriscar.
— Eu... — Tentar falar enquanto choro é uma tortura e eu começo a gesticular e me abanar, sem sucesso. se levanta também e começa a perceber que algo está errado. — Chame a Amanda. — Digo aos prantos, tentando ao máximo enunciar as palavras.
— Vamos, ... Tenta se acalmar, estou ficando assustado. — Ele se aproxima e tenta encostar em mim, mas eu me afasto instintivamente.
— Chame a Amanda! — Grito em plenos pulmões e ele entra em pânico também.
Não é preciso que ele a chame, Amanda irrompe o quarto em segundos e vem em minha direção bastante preocupada.
? — Ela me chama e se vira para . — O que você fez? — Vocifera fazendo o homem se encolher e andar para trás, caindo sentado sobre a cama. Seus olhos perdidos e a expressão culpada me fazem chorar ainda mais. Não é culpa dele.
— Eu não sei... Estávamos conversando e... Eu não sei. — balbucia confuso, as mãos na cabeça em puro desespero.
— Ei... Calma, meu amor! — Amanda se vira novamente em minha direção. Ela me pega pelos braços e me senta na cama. A voz é calma e incrivelmente estável. — Está tudo bem agora. Tudo o que precisa fazer é respirar fundo. Junto comigo. — Amanda tira os fios de cabelo grudados em meu rosto pelo suor. Ela os afasta com carinho e sorri confiante. Um jeito quase materno de lidar com a situação e eu sinto o estalo quando a ideia me ocorre.
— Eu quero a minha mãe! — Consigo formular e então repito várias vezes. — Por favor, Amanda! Eu quero a minha mãe! — Volto a chorar copiosamente e ela me abraça.
— Nós vamos busca-la, não se preocupe. Agora, você precisa se acalmar. A sua menininha também precisa da mãe dela. Está bem? — Assinto e Amanda repete o gesto. E então, ela começa a respirar fundo, me incentivando a fazer o mesmo.
Inspiro sentindo o ar queimar meus pulmões e expiro sentindo pouco ou nenhum alívio de imediato. Minha visão está embaçada pelas lágrimas e tudo a minha volta é só um borrão. As vozes soam distantes e eu só quero que tudo pare. Só por um minuto, talvez. Só o suficiente para que eu possa colocar minhas ideias no lugar e consiga expressar o quanto estou arrependida por ter guardado em segredo o meu pequeno milagre.
É madrugada quando finalmente sinto que estou calma o suficiente para ficar sozinha. Decido tomar um banho e choro sem ter que deixar ninguém preocupado de novo. A conversa com soa repetidas vezes em minha cabeça e o medo que senti, volta a me atormentar.
Já deitada em minha cama, uso uma das mangas da camisa do pijama para secar as lágrimas, só para que novas deixem meu rosto úmido de novo. A porta abre devagar e Amanda entra com um copo com água em uma das mãos.
— Como você está? — Pergunta e apoia o copo sobre a mesinha de cabeceira. Ela me olha e decide que já tem sua resposta. Amanda suspira e se senta próximo a meus pés. — Marquei uma consulta com o seu médico amanhã de manhã, sei que está preocupada. — Ela sorri e apoia a mão sobre minha perna. — Eu liguei para o seu pai, . Eles estão a caminho. — Assinto compreendendo que ela havia feito exatamente o que eu havia pedido. Me apoio no pensamento de que depois de hoje nada me assusta, nem mesmo o olhar decepcionado de minha mãe.
— Me desculpe por ter te assustado. — Minha voz arranha minha garganta, soando rouca.
— Tenho tudo sob controle, não se preocupe. — Amanda aperta de leve minha perna em solidariedade. — Se quiser conversar sobre o que houve... — Amanda diz e eu percebo sua curiosidade despontar.
— Eu arruinei tudo. Não tem muito mais o que dizer sobre isso. — Digo amarga e Amanda suspira.
— Estou do seu lado, não importa o que aconteça. — Ela se levanta e me dá um beijo casto na testa antes de sair do quarto.

No escuro, encaro o balançar gracioso da cortina com a brisa fresca da noite. Ainda sinto o meu rosto úmido mesmo que não esteja mais chorando. Reflito em como meus atos colocaram minha filha em uma posição desconhecida por mim. O privilégio de ter crescido em uma casa com pais que se amam me cegou para a realidade de muitas pessoas. Ter de se desenvolver enquanto indivíduo tendo duas casas, duas famílias ou as vezes nem isso. A ideia remota de utilizar de crianças inocentes como munição em uma guerra rancorosa onde antes havia amor me entristece profundamente.
É madrugada e a porta range com a movimentação lenta. Estou exausta e nem me viro para ver quem é. A porta se fecha e ouço passos vagarosos e hesitantes rondando o lado vago na cama. Me encolho quando sinto o peso ao meu lado, a mão trêmula e tímida me abraçando pela cintura. Sinto o perfume dele me acolher e percebo que tinha sentido tanta falta desse contato. Dormir sem ele não é a mesma coisa.
aconchega a cabeça no travesseiro e me puxa mais para perto com muito cuidado. Ele beija o topo de minha cabeça e eu amoleço sob seu toque, me ajeitando melhor para a barriga não incomodar.
Ficamos desse jeito por um tempo e então, ele adormece.
Apesar de bastante confortável e cansada o suficiente para dormir por dias, não consigo fechar os olhos. A confusão mental que seu gesto me causa me deixa acordada por boa parte da madrugada, e, de manhã, quando Amanda bate na porta para me levar para a consulta e eu acordo sozinha, tenho dúvidas se ele esteve mesmo ali ou se de repente, eu tenho os sonhos mais vívidos da história.
Me levanto e começo a me aprontar, devo ter pelo menos uns quarenta minutos até a consulta e não é como se eu precisasse de muito tempo para me arrumar.
Quando saio do quarto, está parado ao lado da porta do quarto de Amanda e eu quase sorrio. Ele está distraído com o celular e quando levanta seus olhos em minha direção, eu desvio e continuo andando até a sala.
Amanda checa sua lista mental de tudo o que precisa levar em sua bolsa, após a consulta, ela ainda vai trabalhar.
— Estamos prontas? — Ela me pergunta e eu assinto. Estou ansiosa e quero saber notícias científicas do estado de saúde de minha filha.
— Eu quero ir também. — diz e para ao meu lado. Me olha rápido e encara Amanda, que ri nasalado.
— Só se você achar que é capaz de deixar a sua birrinha de lado e se lembrar de que esta é a mulher da sua vida, carregando a sua filha. — Ela o encara séria e antes que responda o que eu imagino que ele vá responder, eu intervenho.
— Ele não precisa fazer nada, Amanda. Está tudo bem, você pode ir. — Garanto e ele assente agradecido.
— Você tem certeza disso? — Ela pergunta me desafiando com uma sobrancelha erguida. — Certo. — Ela estuda bem minha expressão decidida e ergue as mãos no ar em sinal de desistência. Ela esbarra em propositalmente e vai até Rob, lhe dando um beijo de despedida.
— Não é uma "birrinha". — resmunga e Amanda o encara impaciente, rola os olhos e esbarra nele de novo antes de sair do apartamento. Saio em seu encalço, evitando olhar diretamente para o homem que dormiu agarrado a mim.
A curta viagem ao hospital é carregada de uma tensão entre os ocupantes dos bancos da frente, enquanto o absoluto silêncio me faz companhia no banco de trás.
Uma emergência faz o Dr. Portman se atrasar para a consulta, e seu atraso dá espaço para que o silêncio nos deixe incomodados. Amanda bate o salto da bota repetidas vezes no chão, produzindo um tilintar agudo, o que claramente irrita profundamente.
— Esse é um bom médico? — Ele pergunta. A voz mansa e o olhar cheio de cautela me irritam um pouco.
— É. Mas talvez você queira checar as credenciais dele. Você sabe, eu não sou confiável. — Dou de ombros quando ele me fita com os olhos cerrados. Um último suspiro de autopreservação me levando a agir pelo instinto primitivo — atrasado — da defensiva.
Amanda solta uma risada debochada e está prestes a dizer alguma coisa, mas é interrompido pelo Dr. Portman.
Bianchini! É sempre um alívio te ver. — Ele diz amigável. Eu o cumprimento com um apertar de mãos e ele me guia para o consultório. Amanda toma meu lugar na cadeira e cutuca , que levanta e me acompanha hesitante.
— Você deve ser o famoso . — O médico estende a mão, a qual pega imediatamente.
. — Diz com firmeza.
— Dr. Charlie Portman, é um prazer finalmente conhecê-lo. Confesso que te imaginei mais sorridente. — O médico comenta dando a volta em sua mesa. sorri sem jeito e eu empurro um pouco a cadeira, indicando que ele sente ali. — Você faz um trabalho excepcional, estive pesquisando os avanços do seu projeto. É uma empreitada e tanto... — O Dr. Portman é um daqueles médicos que te veem como um todo. Ele tem um estranho interesse pela minha vida e é tão amigável que foi impossível não se abrir e dividir um pouco da história maluca da minha vida com ele. Só as partes menos complicadas, pelo menos.
— Nada perto do seu ou do que a está fazendo agora. — diz após um pigarro. Como sempre, ele não sabe receber elogios.
O Dr. Portman então se dá conta do motivo por estarmos lá tão cedo.
— Você teve um susto ontem à noite. O que houve? — Ele abre minha ficha no computador e dá uma boa olhada nos resultados dos exames mais recentes.
— Não sei bem. Talvez uma crise de pânico. — Digo preocupada e ele indica a mesa de exames. Não tinha pensado bem nessa parte quando decidi que a presença de era importante nessa consulta. O encaro constrangida e ele se levanta.
— Eu posso sair, se quiser. — Ele aponta a porta por cima do ombro e eu nego rápido.
— Eu só preciso me trocar. — Digo indo até o pequeno biombo dentro da sala de consulta. — Ajudaria se enquanto eu estiver lá você... Sabe, ficar do lado da minha cabeça. — Peço rindo de nervoso e ri também, concordando.
Coloco o avental e saio da proteção do biombo. Subo na mesa de exames e espero até que se posicione ao lado de minha cabeça para que eu possa encaixar minhas pernas na estrutura gelada de alumínio.
— Teve algum sangramento durante ou depois desse episódio? — O Dr. Portman pergunta enquanto posiciona os instrumentos ao redor dele.
— Não. Eu comecei a sentir os chutes e ainda é estranho não sentir os chutes. O sentimento de que tem algo errado por não ter chutes... É uma loucura, eu sei. — Admito rindo e ele assente.
— Bem, é normal que ela se canse. Imagina ficar dando chutes o dia inteiro? Deve ser cansativo até para um bebê saudável como ela. — Ele ri e me tranquiliza sobre isso. — Você é mãe, . Basicamente se preocupar com tudo que fugir do padrão que você conhece faz parte disso. — Assinto tentando gravar bem as palavras dele, talvez ajudem como consolo em um possível momento de desespero. — Você já teve alguma crise de pânico parecida antes? — Voltou a perguntar e eu tomei um tempo para retomar memórias de muito estresse.
— Nada parecido. — A memória ainda recente me deixa desconfortável.
— Já tomou algum tipo de ansiolítico? — Tombo a cabeça o encarando incomodada por estar respondendo esse tipo de pergunta sem calcinha e com as pernas abertas.
— Só na época de faculdade. — Admito surpreendendo a , que não soube dessa época sombria da minha vida por estudar em uma universidade diferente. — Mas acabou sendo só a pressão da faculdade e os médicos suspenderam o uso. O que aconteceu ontem... Eu não sei, foi como se tudo tivesse ficado nublado com a possibilidade de arriscar a vida dela. — O Dr. Portman sorri um sorriso condescendente.
— Como eu disse, você é uma mãe. Não é exatamente um medo irracional. É impossível dizer a uma mãe para temer o fogo somente quando vir fumaça. — Ele diz rindo. — Bom, quer ver como esta menininha está? — Ele pergunta num tom quase paternal. Assinto e suspiro para me preparar. Olho para e ele está apreensivo também.
O médico avisou antes de passar o gel gelado e viscoso em meu baixo ventre. Anunciou que aproximaria o instrumento de ultrassom e logo estava procurando por ela no monitor. — Aqui está... Deitada de lado, toda preguiçosa. — Ele diz e mostra a o desenho do bebê na tela. — E agora, vamos ouvir esse coração. — O médico diz baixo. Aperta um botão em uma de suas máquinas e eu fecho os olhos esperando me deleitar com o som delicioso. Uma gravação não transmite a mesma energia. Ouvir o coração dela batendo em tempo real é indescritível. sorri e se aproxima um pouco mais. Acaricia minha testa e me olha com tanto carinho pela primeira vez desde que chegou.
O médico decide que somente os exames de toque e imagem são suficientes para ver que estava tudo bem. Então me visto de novo enquanto faz perguntas ao médico. Perguntas sobre níveis específicos de líquidos e compara os meus exames com os que ele estudou, me deixando abismada com o quanto havia aprendido em pouco tempo coisas que levei semanas para conceber como ideias em minha cabeça. Ele está nervoso, mas não se compara com como ele estava antes, o que me tranquiliza bastante.
— E aí, está tudo bem com a minha bebê? — Amanda se levanta assim que saímos do consultório.
— Sim, ela é incrível e está ótima! — diz antes que eu me pronuncie e Amanda se derrete.
— Como ela pode já ser tão fofa? É isso o que eu digo para o Dr. Portman toda vez! — ri e Amanda o encara tentando segurar o que realmente sentia.
— Você vai ser uma madrinha fantástica. — diz e Amanda grunhe antes de abraçá-lo com força. A cena é engraçada e eu não consigo não rir.
Me aproximo dos dois e apoio a mão sobre o ombro de Amanda.
— Obrigada, amiga. Não sei o que faria sem você. — Digo sem jeito, levando em consideração toda a sua parceria.
— Não me agradeça ainda. Os seus pais acabaram de chegar, Andy acabou de me mandar uma mensagem. — Amanda franze o nariz e eu respiro fundo, afinal, eu havia chamado por eles.
A ansiedade começa a me corroer com a chegada eminente de meus pais. Sei que tenho pelo menos uma hora até eles chegarem e decido caminhar por alguns minutos assim que chegamos em casa. Preciso espairecer nem que seja por dez minutos antes desse encontro.
, podemos conversar? — me chama quando passo pela sala e eu o encaro hesitante. — Prometo que não vou gritar nem dizer nada ruim. — Assinto e ele sorri triste.
Ele volta a se sentar no sofá e eu me sento na poltrona.
— Eu estive pensando e... Eu não sou exatamente tão essencial nessa etapa da instalação. Eu posso passar a supervisão para outra pessoa.
— Não! — O interrompo. parece bastante cansado, como se as boas notícias no consultório do Dr. Portman o tivessem dado permissão para desligar o modo alerta e sucumbir ao cansaço. Ainda assim, ele volta a falar com calma.
— Estamos no que eu acredito ser a reta final de instalação na cidade. Depois disso, eles terão um modelo de como replicar isso em qualquer lugar. — Ele explica e eu me recuso a acreditar que isso esteja acontecendo.
— Isso é exatamente o que eu queria evitar. É o seu projeto, você não pode abandonar ele assim! — Digo irritada e suspira derrotado.
— As minhas prioridades mudaram, . Eu não posso abandonar a minha filha. — Ele explica como se fosse óbvio.
— Eu sei disso. Tem que haver um jeito. — Digo transtornada. — Você não pode desistir. — passa as mãos no rosto.
— E por que não? — Toda sua calma me deixa irritada. É como se ele já tivesse desistido e só tivesse me avisando.
— Porque conheço você e sei o quanto isso é importante. Eu te vi se apaixonar por essa carreira, sonhar com esse projeto dia e noite. Te vi fazer o impossível para tirar esse projeto do papel. Você não desistiu quando eles acharam que você era novo demais para o cargo. — Me indigno com o que ele diz a respeito da imagem do menino que viu portas demais sendo fechadas. — Que droga, ! Você é o tipo de cara que, pelo exemplo, inspira toda uma equipe a renunciar parte de seu salário para que esse projeto pudesse acontecer. É esse cara que eu quero que seja o pai da minha filha. Eu sou confusa demais e a Celina merece alguém que saiba o que está fazendo. Precisa ser você! — Recupero o fôlego ainda indignada e percebo que está sorrindo. Um sorriso lindo, que me desarma instantaneamente.
— Celina? — Ele pergunta baixinho.
— Você pode mudar, se quiser... É que eu senti que era menina e desde a carta, esse nome era novo... — Dou de ombros e percebo que ele está emocionado de novo.
— Eu gosto. — Ele seca os cantos dos olhos com as costas da mão e eu sorrio involuntariamente. Sinto uma falta irracional dele. está há menos de um metro de distância e eu estou morrendo de saudades dele.
me conhece bem. Ele entende o que meus olhos dizem e logo ele desvia o olhar. Limpa a garganta e se levanta.
— Podemos falar sobre isso depois? Por favor? — Peço me levantando também. Nossos pulsos se encostam e ele volta a me olhar.
— Você vai sair? — Pergunta se afastando um pouco.
— Preciso caminhar minhas frustrações para fora. — Digo rindo nervosa e ele me acompanha.
— Posso ir também? — Assinto e ele suspira aliviado. — Eu não quero perder nada, . Eu sei que você não quer falar sobre isso agora, mas, eu quero estar aqui. — Ele diz sincero. — Podemos desfazer meu escritório, pintar as paredes. Sempre achei que aquele seria um bom quarto de bebê. — Ele diz esperançoso e eu não consigo evitar sentir esperanças também. é um bom planejador e é bom saber que ainda estou em seus planos.
— Desde quando? — franze a testa e ergue as sobrancelhas, entendendo minha pergunta.
— Qual é, ?! Você deve saber que eu sempre quis ser pai. — Nego veemente com a cabeça e ele ri.
— Nós nunca falamos dessas coisas. A ideia toda de casarmos é um tabu, quanto mais filhos. — Digo um tanto incomodada.
— É um tabu para você, . Eu só acho chato quando o meu pai fala sobre o assunto e você entra em pânico, então, eu sinto que devo agir como se não fosse importante para que você saiba que está tudo bem também se não pudermos nos casar. — Mordo a língua em um protesto silencioso contra o meu histórico com esse homem. Ele me conhece bem demais, para meu próprio bem e para o mal também.
Finalmente estamos no parque e eu gosto daqui. É o único lugar onde respirar é realmente possível. Ainda é cedo e poucas pessoas passam por ali. aperta o casaco contra o corpo e me olha com a testa franzida, provavelmente estranhando eu estar com o casaco aberto e aproveitando a brisa fresca da manhã.
— Você não está cansada? — Pergunta e eu rio.
— Um pouco. Acho que o fantasma do elevador dormiu comigo essa noite. — Digo brincalhona e cora.
respira pesado e encara o chão como se estivesse se dando conta.
— Que bagunça do caralho! — Ele diz incrédulo e eu mordo o interior da boca. Não sei se devo dizer algo ou deixar que ele continue. — Que grandíssima bagunça, !
Uma senhora passa com o seu cachorro pequenino e nos dá bom dia. finge um sorriso enquanto ela passa e depois me dá um olhar mortal.
— Eu sei... — Suspiro derrotada. É nítido como eu não sou a única que queria que esse momento fosse diferente.
— Eu quero... Gritar. Sabe quando você se sente tão cheio que você precisa explodir de alguma forma? — A calma na voz dele encobre uma angústia que eu conheço bem.
— Sei bem como é isso. — Murmuro comigo mesma e paro de andar. O puxo pelo cotovelo e para também, se virando para mim. Seu olhar é perdido e o brilho que vivia ali está apagado. Viro a cabeça de um lado para o outro, me certificando de que estamos parcialmente distantes o suficiente das pessoas presentes no parque. Puxo o ar gelado para meus pulmões e grito numa altura mediana. A mania de pensar muito no que os outros podem pensar se entranhando em meu pequeno ato de desespero por liberdade. entende o que quero fazer e se afasta puxando ar para os próprios pulmões. Ele grita mais alto e então, tomo coragem para soltar o grito agudo do fundo da alma. E então, gritamos juntos e ao final, estamos rindo. É estranhamente terapêutico esses pequenos encontros com seu eu primitivo.
Um guarda montado se aproxima com a expressão preocupada e sua presença nos faz rir ainda mais. Ah, Nova Iorque. Até parece que você não está acostumada com os seus malucos desesperados.
— Está tudo bem aqui? — Ele pergunta com a voz imponente.
— Sim. Eu estou grávida de seis meses e ele acabou de descobrir que vai ser pai. — Digo ainda rindo e tenta não rir, pois, é um momento crítico. Mas entrar em contato com suas emoções profundas, às vezes, pode sair do controle. O policial faz uma careta desgostosa e me olha de novo se certificando de que estou bem.
— Só... Tentem... Não fazer muito barulho. — O policial diz atrapalhado e eu assinto ainda rindo um pouco. Ele se afasta e eu respiro fundo. Encaro e ele está olhando para a minha barriga.
— Você se sente melhor? — Pergunto e então, ele me olha. Dá de ombros e sorri de lado. Suspiro quando sinto seu braço passando por trás de minhas costas. — Você disse "grandíssima bagunça"? — Levanto o rosto para encará-lo e ri de leve.
— Cala a boca. — Diz rápido e continua rindo. Aproveito aquele contato para me aconchegar sobre seu abraço. Pelo menos, só um pouquinho até voltarmos para o apartamento.
Tomo um banho rápido e coloco roupas mais confortáveis. está me esperando no quarto quando retorno e imediatamente começa a massagear meus pés quando me deito na cama com a cabeça do lado oposto a dele.
Meu gemido satisfeito parece diverti-lo. Após massagear um de cada vez, ele os pousou sobre o travesseiro que usava e se sentou ao meu lado, me puxando para um abraço. Não posso negar, o que quer que tenha amolecido o coração dele e o feito querer ficar tão perto assim de mim, merece um agradecimento.
— Obrigado por ter me deixado ir hoje. Foi a melhor coisa que já vi na vida! — diz baixo. Seus olhos passeiam por meu corpo com curiosidade, fascinação.
O arrependimento por ter perdido meses daquele sentimento de ser tão especial bateu mais brando dessa vez. Me sinto péssima por tê-lo feito perder isso também e meu sorriso é triste.
— Foi importante para mim que você estivesse lá. — Digo sincera e suspira apoiando a cabeça na cabeceira da cama.
— Você não precisava já que foi culpa minha você ter ficado daquele jeito. — entrelaça os dedos nos meus. Eu não sei se é proposital, mas, ao sentir aquela conexão, tenho um vislumbre de tudo o que perdi nos últimos meses. De todas as vezes em que sonhei acordada com esse momento, salvo todo o drama, a realidade se sai melhor do que qualquer sonho lúcido.
— Não foi culpa sua. — Acho importante dizer. — Acho que a culpa me mastigou um pouco antes de engolir. — Dou de ombros e ri.
— Não importa. — Ele encosta a cabeça na minha e me ajeita melhor em seu colo. — Nada disso importa, desde que vocês estejam bem. — Assinto e permito que quebre o ciclo vicioso de culpa. — Descansa um pouco, eles devem estar chegando. Vê as nuvens carregadas no céu? É a sua mãe se aproximando. — Ele diz me fazendo rir. Me aconchego em seu abraço e fecho os olhos pelo que julgo serem somente alguns minutos. Sinto seu carinho tímido em meus cabelos e sinto meu coração bater mais calmo, caindo num sono rápido.


Capítulo III

Acordo sozinha pela segunda vez no dia e isso me deixa confusa, carente. Eu me delicio com cada momento ao lado de , mas quando ele não está por perto, parece insuportável.
Ouço as vozes vindo da sala e me levanto apressada. Estou enjoada e pela primeira vez em muito tempo, a culpa não é do bebê.
— Onde está minha filha, ? — A voz de minha mãe claramente preocupada me desperta de uma vez.
— Desculpe pelo telefonema desesperado no meio da noite, senhora B. Mas tudo está bem agora. — Amanda tenta explicar e sua voz cautelosa e cheia de formalidade me faz sentir culpada.
É hora de libertar meus amigos do fardo de ter que mentir e esconder a minha gravidez das outras pessoas.
— Hm... Oi, mãe. — Saio do quarto apressada, paro de andar no fim do corredor. Há uma distância segura entre mim e minha mãe. Ela me encara com os olhos arregalados. — Oi, pai... Andy. — Meu pai sorri de orelha a orelha e Andy responde meu cumprimento com um aceno de cabeça respeitoso.
..., mas que... — Minha mãe me encara atordoada, não consegue terminar nenhuma das frases que começa e eu quase rio. A mulher sempre tão certa de si e de tudo a sua volta está sem palavras. Eu ainda não sei se isso é uma coisa boa. — O que.... O que isso significa? O que... — Ela troca um olhar rápido com meu pai, em busca de apoio.
— Ah, filha. Você está grávida! — Meu pai anuncia e abre os braços enquanto anda em minha direção. As lentes grossas dos óculos de grau fazem suas lágrimas parecerem enormes e sua emoção me toma por inteiro.
— Estou sim... — Digo rindo sem jeito e o abraço de volta, mas meus olhos estão presos na expressão horrorizada de minha mãe.
— Eu estou tão feliz! — Ele me afasta pelos ombros só para voltar a me abraçar de novo. — Confesso que só estava esperando um neto daqui há alguns anos, mas isso significa que teremos mais tempo com ele. Ou com ela! — Ele sorri e chora ao mesmo tempo e então, ele me solta e vai direto abraçar , que olhava a cena de longe até então. Meu pai lhe dá um abraço de urso desajeitado, levanta no ar e eu ouço sua risada nervosa e surpresa.
— O que você fez, filha? — Minha mãe caminha devagar em minha direção e eu encolho os ombros em antecipação.
Ela hesita em sorrir, estica o braço e com a mão trêmula, ela toca minha barriga com a ponta dos dedos. E é como se só isso fosse o suficiente para seu rosto se iluminar.
— Nós sabemos bem o que eles fizeram, querida. — Meu pai responde à sua pergunta com um ar malicioso e recebe uma reação unânime de desgosto.
— Você está linda! — Ela acaricia meu rosto e então, volta a ficar preocupada. — Por que não nos contou? — Abro e fecho a boca várias vezes. Eu não tenho uma boa resposta e eu sei que ela pode ler em meu rosto que há algo errado.
Ela não me dá uma bronca. Não me olha como se estivesse arrependida de minha existência. Pelo contrário, as lágrimas que se acumulam nos cantos de seus olhos são de felicidade. Quando ela me abraça, eu aspiro seu perfume de rosas que é bem pronunciado e nostálgico. Seus braços me apertam pelos ombros e eu deito minha cabeça em seu colo.
— Desculpe, mãe. Eu fiquei com medo. — Digo com a voz embargada e abafada. Torço para que só ela tenha me ouvido, porque sei que todos estão nos olhando agora. Ela me silencia com um som de acalento. Este é o abraço mais longo e acolhedor que ela já me deu. E eu o sinto como um grande curativo envolvendo todas as minhas feridas.
— Não precisa mais ter medo, estou aqui. — Ela garante falando baixinho também e eu assinto, acreditando em sua palavra.
— É uma menina. — Digo emocionada e minha mãe sorri abertamente, e então, ela gargalha. Todos os presentes se calam para apreciar o som raro e quase místico.
— Eu me sinto sortudo! — Meu pai comenta em sua empolgação ímpar. — É verdade! Este é o terceiro dia mais feliz da minha vida. — Ele explica e eu percebo que ele ainda mantém sob sua asa. O rapaz me olha constrangido e eu penso numa forma de salvá-lo do homem enorme e agitado em volta dele.
— Terceiro, senhor B.? — Amanda se permite perguntar e eu a olho de soslaio, ela também esteve chorando.
— Ah, sim. O primeiro foi quando encontrei o amor da minha vida, depois, quando minha menininha nasceu e agora, temos mais uma a caminho. — Ele sorri satisfeito e orgulhoso.
— Amanda. — Minha mãe vai até ela e pega suas mãos. — Obrigada por ser tão boa amiga. Eu direi à sua mãe que você se tornou uma mulher maravilhosa e que ela deve ter orgulho. — Ela diz carinhosa e Amanda sorri com as bochechas coradas.
— É verdade, Amanda. Nós viemos esperando pelo pior, mas, essa é a melhor coisa que poderia ter acontecido. — Meu pai distribui abraços entre meus amigos e eu adoro ver como estamos todos crescidos, mas, com a mesma energia adolescente de ter extra cuidado com o comportamento na frente de nossos pais.
se afasta e eu percebo que os olhos atentos de minha mãe os acompanham. Ela estende os braços e o abraça apertado. O gesto o paralisa em pura surpresa, ele devolve o abraço e olha para mim por cima do ombro dela.
Ele sorri. Eu sorrio também.

Após mostrar o diário de bordo e contar melhor sobre a gestação, meus pais se dão por convencidos de que tudo estava mesmo bem e voltam para o hotel onde vão se hospedar pela semana. Fica há poucas quadras do apartamento e é um verdadeiro alívio tê-los tão perto.
A tarde se despede por ora e a lua ilumina o céu devagarinho, deixando tudo azul claro. se despede dos amigos também. Ele ainda não se mudou para o apartamento antigo apesar de já estar com as chaves. Por coincidência, ele está hospedado no mesmo hotel em que meus pais estão passando as chamadas "terceira lua de mel".
É um péssimo lugar para se passar qualquer lua de mel, mas eu não diria isso a eles.
Finalmente chega a minha vez de me despedir temporariamente de e sou embalada pela nova perspectiva das coisas. Quando ele se inclina para o que parecia ser mais um beijo sem graça na testa, fico na ponta dos dedos dos pés e o abraço pelos ombros. hesita, mas me abraça de volta e seu perfume me faz esquecer qualquer impedimento. Afasto meu rosto da curva de seu pescoço e tomo seus lábios com os meus. Acontece rápido demais e mal se parece com um beijo de verdade. fecha os olhos com força e me afasta gentilmente pela cintura.
— Não consigo ainda, ... Desculpa. — Ele diz baixo e acaricia minha cintura de leve antes de se afastar por completo e sair pela porta.
— OUTCH! — Andrew diz alto. Encaro a porta fechada diante de mim enquanto pisco milhares de vezes, como se isso fosse suficiente para me fazer entender por que diabos fiz aquilo.
— O que houve? — Amanda sai de seu quarto e parece curiosa. Ela ajeita os botões da blusa e quando Rob aparece logo atrás dela com os cabelos bagunçados, eu sei exatamente o que eles estavam fazendo.
— Não acredito que fiz isso... — Murmuro enquanto me distancio do local exato onde tudo aconteceu. Estou envergonhada em níveis sem precedentes. Amanda ergue uma das sobrancelhas em confusão e Andrew ri alto. Ele está gargalhando.
tentou beijar o ... Ele rejeitou! — Andrew explica e continua rindo. Me sento no sofá e escondo o rosto entre os dedos.
— Não tem graça, Andrew! — Amanda o repreende e se senta ao meu lado no sofá.
— Que merda! — Xingo baixo e ainda ouço a risada de Andrew, mais baixa agora. Eu também riria se conseguisse, mas só estando do lado de fora para achar graça nesta pequena tragédia.
— Você só precisa dar um pouco mais de tempo a ele, . Isso tudo, é muita coisa. Para qualquer um. — A encaro rapidamente, estou envergonhada demais para deixar que vejam meu rosto. Amanda tem razão, mas não consigo dizer a ela que eu não havia planejado isso.
— Se serve de consolo, ele disse "ainda não". Há esperança. — Andrew se senta na mesa de centro e me encara divertido. — Vamos lá, gente... Estamos falando de . Não há nada que você peça batendo esses cílios que ele não faça rapidinho. Tipo... Matar uma velhinha. — Encaro meu amigo com estranheza e ele reflete por alguns segundos. — É, não foi o melhor dos exemplos, mas você entendeu meu ponto. — Andrew pisca um dos olhos e eu rolo os meus, completamente impaciente para enxergar alguma esperança nas entrelinhas.
— Detesto dizer isso, mas Andrew tem razão. Ninguém diz "ainda" se não tem nenhuma expectativa. — Amanda dá de ombros e eu escondo meu rosto de novo, dessa vez, atrás de uma almofada. Grito contra ela e ele sai estridente, mas abafado.
— E tem mais, se um homem não quer te beijar, ele não demora tanto tempo para perceber isso. Eu contei os segundos, ele se aproveitou desse beijo espalhafatoso. — Rio de puro desespero e Andrew sorri. Ele estica o braço e apoia a mão em meu joelho. — Você vai ficar bem. — Andrew garante e eu sorrio pequeno. — Agora, eu vou para casa, desfrutar de meu relacionamento saudável e descomplicado. Amo vocês! — Ele se levanta, me dá um beijo na bochecha e ao passar por Amanda, ele empurra a cabeça dela para frente, arrancando um palavrão da loira.
Amanda pega um copo de suco na cozinha e volta para o quarto, acompanhada de Rob. Suspiro cansada e encaro o fato de estar à sós com minha mais nova vergonha.

É domingo e está quente lá fora. Me sinto descansada e é bom sentir os pés no chão após sair de uma montanha-russa horrorosa de sentimentos e apreensões.
Amanda e Rob tiraram o dia para fazer coisas que um casal com menos de um ano de namoro faz, só que fora de casa. Pego o celular e espero até que minha mãe atenda, o que demora. Bastante.
— Oi, filha. — Ela diz com a voz monótona de sempre, mas percebo uma pequena variação contente em seu tom de voz.
— Oi, mãe. Dormiram bem? — Pergunto e sei a resposta pela risada de meu pai ao fundo da ligação.
— Está tudo bem. Seu pai e eu estamos nos divertindo muito! — Sorrio e me sinto momentaneamente bem por toda essa confusão acabar causando esse tipo de consequência. Mas não posso me apoiar muito nisso, a confusão ainda continua no ar. Ela só está suspensa por enquanto.
— O que acha de almoçarmos todos juntos? — Minhas esperanças murcham ao ouvir o tempo que minha mãe demora para responder ao convite.
— Eu passo. — Ela diz sem hesitar quando finalmente diz alguma coisa. Franzo a testa ofendida demais para dizer algo. Mas ela continua. — Tenho planos com o seu pai para hoje e preciso do dia inteiro para executar esses meus planos. — Sei que eles estão se entreolhando apaixonados agora e sinto como se isso fosse um soco no estômago.
— Para quê tanta timidez? Era só dizer não. — Digo contrariada e minha mãe ri.
— Você pode aproveitar esse tempo sozinha. Acredite, você vai implorar por eles depois. — Ela avisa e o tom de ameaça já era esperado. Assim que as avós se envolvem, os conselhos não—pedidos começam a aparecer também.
— Certo. Tenham um bom passeio. — Encurto a conversa e desligo o telefone após ela se despedir.
Me sento na cama e a ausência do som de qualquer sinal de vida além da minha no apartamento me entristece. Tento ignorar a companhia do remorso e da vergonha, porque quero a companhia de alguém com quem eu possa falar. Olho para baixo e encaro minha barriga, mas, não é exatamente uma opção. Amanda está certa, afinal, tem algo de bizarro na ideia de bebês se comunicarem através do útero. Eu quero alguém que possa me dizer o que fazer, o que mudar. No fim, me contento com a ideia de que não há realmente alguém que possa me dizer o que fazer.
Uma petulância desenfreada me faz ter o pensamento ridículo de que todos estão juntos em algum lugar, rindo de mim e ministrando uma reunião secreta, cujo único ponto desse suposto culto cruel é me castigar com a solidão.
Pensamentos narcisistas à parte, decido organizar algumas coisas do trabalho. A indulgência é algo que pode te viciar e te manter presa em uma zona confortável. Quando meu chefe soube que eu estava grávida, ele iniciou uma agenda desgovernada para que todo o meu trabalho fosse dividido entre a equipe.
O fato de minhas responsabilidades terem sido tiradas de mim sem que eu sequer pudesse protestar sobre isso me enfureceu no início. Claro, interromper algumas reuniões criativas por ter que precisar vomitar e não conseguir amenizar a cara de enjoo quando alguém com hálito forte de café chegava perto de mim contribuiu para que sua ideia antiquada e machista se perpetuasse entre os colegas. Por mais estúpido que possa parecer. Só que, os meses foram passando e eu percebi que nada realmente mudou. Eu ainda sou a quem eles recorrem quando algo dá errado. E algo sempre dá errado.
O silêncio me dá uma sensação de estar sendo observada e eu espanto isso com uma lista de reprodução antiga, a qual eu só recorro em tempos em que os caminhos estão todos fechados. Nada como um bom Punk-Rock para me levar há tempos mais fáceis, onde minha maior preocupação era fugir de casa à noite sem ser vista.
— Isso, minha criança, é Blink-182. — Apresento à minha filha o meu refúgio enquanto crescia. Algo que costumava deixar uma adolescente entediada e emburrada, um pouco menos entediada.
— Alguém em casa? — Estranho a voz masculina vinda da sala e abaixo o volume da música. Me levanto hesitante e abaixo o pano do vestido justo que estou vestindo. Sei que essa é a última vez que vou usá-lo por algum tempo. Ele aperta meus seios, minha cintura, minhas coxas.
— Hm... Só eu. — Respondo incerta e coloco a cabeça para fora do quarto. Vejo Nick e sorrio aliviada e surpresa por vê-lo.
— Tenho uma entrega para a grávida mais linda de Nova Iorque, acho que ela é você. — Ele diz formal, mas não consegue manter a pose quando eu vou até ele e o abraço.
— Nick! O que está fazendo aqui? — Ele me abraça de volta e então, me afasta para me ver melhor.
— Uau! — Fico sem jeito com o olhar de Nick sobre mim e abano o ar como uma verdadeira idiota. — Eu estava passando pela vizinhança e lembrei que o seu porteiro não é dos melhores. — Ele dá de ombros e eu rio.
— Essa é uma verdade perigosa. — Me pego pensando que ele realmente não foi anunciado e faço uma nota mental de me lembrar de trancar a porta quando estiver sozinha no apartamento. — Mas que bom que é você e não um maníaco qualquer. — Nick ri mais alto e eu percebo que ele segura uma sacola com presentes dentro dela.
— Só um tipo específico de maníaco. — Ele brinca e eu limpo a garganta. Nick foi um colega de trabalho temporário, mas sua amizade ficou marcada em mim. Em tempos em que eu não sabia o que estava fazendo, ele foi alguém que me mostrou como eu poderia me provar para mim mesma.
— Senti falta do seu humor esquisito. Como você está? E o emprego novo e chique? — Indico o sofá e nós levamos a conversa para a sala.
— Boston é um saco. — Ele diz e eu franzo o cenho. — Mas não se preocupe, estou entre projetos agora e sinto que alguma coisa vai decolar em algum momento. — Nick dá de ombros de novo e eu assinto. Nick é esperto, sabe onde e como se posicionar. — Mas chega de falar de mim, como você está?
— Como você pode ver, eu estou bem grávida. — Aponto para a barriga e ele sorri. — Mas tudo está bem. — Minto e sei que Nick não tem ideia, pois, apesar de sermos amigos há um bom tempo, ele não me conhece tão bem assim.
— Eu trouxe presentes! — Nick finalmente me entrega a sacola e eu a pego estranhando ver uma garrafa de tequila ali dentro. — Um ursinho para o bebê e... Uma coisinha para você também. Quando puder, é claro. — Nick pisca um dos olhos e sorri malicioso.
— Eu gostaria de abrir esta garrafa agora mesmo. Um drinque cairia bem. — Encaro a garrafa perdida em pensamentos e percebo que Nick me olha interessado.
— Problemas no paraíso? — Ele pergunta malicioso e eu estou inclinada a contar parte do que está havendo quando o assunto principal irrompe a porta do apartamento.
? — O chamo confusa e me levanto, indo até ele. Uma caixa pesada é colocada no chão, diante de meus pés e ele respira fundo.
— Eu estava vindo para cá e encontrei essa loja incrível de móveis. E então, eu vi esse berço e quis que ela tivesse esse exato berço. A loja estava fechando e eles só poderiam entregar na terça-feira, eu esqueci completamente que não temos exatamente muita pressa, mas... Enfim... Comprei um berço! — Ele sustenta um sorriso quase infantil. Estou atordoada, mas, muito feliz que ele tenha feito isso.
— Você comprou um berço? — Não consigo esconder a emoção e ele assente sorridente.
— Eu sei que deveríamos conversar sobre isso. Eu só não resisti. É tão bonitinho e pequeno. — Ele faz uma expressão fofa enquanto olhamos para a caixa do berço entre nós. É um momento tão delicioso, que me esqueço da presença de Nick. Só que se dá conta dela, e eu, que e Nick não se conhecem pessoalmente. O olhar desconfiado de paira sobre o homem estranho de pé no meio da sala.
— Não tem problema. Eu estou mesmo começando a me preocupar com esse tipo de coisa. — Digo sem jeito e olha de mim para Nick, como quem pede uma apresentação.
— Você deve ser o famoso . — Nick caminha até nós e estende a mão para .
— Tenho escutado muito isso ultimamente. — Ele olha de soslaio para mim e finalmente aperta a mão de Nick. — Já você... Não é tão famoso. — diz ácido e Nick ri de leve. A tensão é mútua e eu não gosto nada de estar entre os dois.
— Nicholas Bratch. — assente e solta sua mão com pouco ou nenhum interesse. A troca de olhares é intensa e eu começo a sentir que minha presença no cômodo é ignorada.
— Nick é um antigo colega de trabalho, já te falei sobre ele. — assente de novo e acaba dando de ombros. Sua petulância é inacreditável.
— Acho que está na minha hora, . — Nick percebe o clima tenso e se vira para mim. — Você está magnífica! Parabéns pelo bebê e todo o resto. — Nick me abraça de novo e me dá um beijo demorado na bochecha. Ele se afasta minimamente e acaricia minha bochecha de um jeito íntimo demais. Me mexo desconfortável sob seu toque, mas sorrio polida. observa tudo de perto, com muita atenção.
— Obrigada pela visita e pelos presentes. — Digo tentando fazer a situação suavizar, mas meu tom de voz sai mais agudo e animado do que eu planejava. rola os olhos em pura impaciência. Eu só quero que esse momento tenha fim.
Ao passar por ele, Nick recebe somente um impessoal aceno de cabeça. Assim que Nick sai pela porta, o segue e a tranca.
Ele está agitado e vai direto na sacola de presentes sobre a mesa de centro.
— Que tipo de pessoa presenteia uma futura mãe com bebida alcóolica? — Ele levanta a garrafa na altura dos olhos. Completamente indignado.
— Na verdade, a tequila é para a Celina. — Brinco e recebo de imediato um olhar nada agradável de . Mordo o interior do lábio inferior, impedindo um riso que seria bastante desrespeitoso agora.
— O que ele estava fazendo aqui? Ele não é de Boston ou algo assim? — Ergo a sobrancelhas reconhecendo um sentimento novo em seus olhos irados.
— Então você sabia quem ele era? — Pergunto de volta e desvia o olhar, rolando os olhos pela quadragésima vez. Ele sabia, sim. Só fingiu não ter ideia por puro despeito.
Ele está com ciúmes.
— Aparentemente, ele não trabalha mais em Boston, só passou para me ver. — Volto a dizer e sei que estou forçando a barra, mas é impossível controlar. — Se eu te conhecesse melhor, diria que está com ciúmes, . — Digo casual e ele finge uma risada. Seus olhos ainda presos no rótulo da garrafa. — Ah, é! Eu te conheço bem. — Minha ironia o faz suspirar pesado, então, eu tomo a garrafa de suas mãos e me sento de volta no sofá.
— Só estou dizendo que ele não parece ser muito profissional. Cheio de dedos e lábios pra cima de você. — Observo suas próprias palavras o perturbarem.
— Ele é bastante carinhoso mesmo. — Não consigo não o provocar. Nick nunca foi carinhoso dessa forma comigo, com exceção de hoje. Mas sua expressão desconcertada é impagável.
— O que você está fazendo, ? — pergunta após um longo suspiro.
— Não tenho certeza. Eu quero descobrir? — Confesso sem pensar muito e o encaro com a coragem de dez mulheres. Tenho a esperança de que leia em cada célula de meu corpo o quanto quero que ele me tome em seus braços. Ele tem dificuldade em desviar o olhar e quando o faz, se levanta irritado.
— Você é impossível! — Ele diz frustrado. Quando volta a me encarar, não consegue evitar olhar para meus lábios. Eu os umedeço devagar, sabendo que isso o leva a loucura. engole em seco e passa uma das mãos pelo rosto em sinal claro de desespero. Mordo o lábio inferior tentando conter um sorriso travesso e ele cerra os olhos, mudando completamente a postura.
se inclina e se aproxima de mim. A mão apoiada atrás de minha cabeça no encosto do sofá, o rosto há milímetros do meu.
— Você... Já... Vai? — Engulo em seco. Detesto como essa brincadeira de sedução de provocação troca de lado de repente. Ele assente devagar, seu nariz esbarra no meu e eu sinto seu hálito doce bater em meu rosto. Os dedos da mão livre correm por meu braço de leve, ele toca meu pulso com a ponta dos dedos e num momento intenso de distração, ele toma a garrafa de volta de minha mão.
— Até mais, . — diz baixo e beija a mesma bochecha que Nick beijou há pouco, só que mais próximo de meus lábios. Ele não tem pressa e quando se afasta, esbarra os lábios nos meus e eu só posso acreditar que foi de propósito.
Pisco devagar e ainda em transe. se afasta sorrindo convencido e não vê que eu também sorrio satisfeita por ter lhe causado tantas emoções. Não os ciúmes, mas a necessidade de sair do apartamento por não ser capaz de controlar os efeitos que causo em seu corpo.

Nunca fui muito fã de segundas-feiras. É um dia carregado de expectativas e a pressão vem logo cedo. Mas é diferente acordar com a melodia cantada de "Enter Sandman" do Metallica na voz baixinha de meu pai. Ele entra no quarto e eu desperto sorridente. É uma boa variação. Me pego lembrando da letra da canção e acho cômico como alguém pode ser tão doce e ter um gosto musical tão agressivo. Talvez seja a forma saudável que ele encontrou de lidar com a frustração da vida. Um murmúrio silencioso no escuro, que de alguma forma, ele transforma em luz e me ilumina com ela. Figurativa e literalmente. Meu pai afasta as cortinas e abre a janela, deixando a luz do dia invadir meu quarto bagunçado.
— Bom dia, florzinha! — Ele diz animado ao me ver com os olhos já abertos.
— Bom dia. — Ainda estou sonolenta, mas feliz por vê-lo ali. Me sento na cama e o encaro com a pergunta estampada no rosto, mas não quero ser grossa.
— Desculpe ter te acordado tão cedo. Seu amigo Rob abriu a porta antes de sair para o trabalho. Gosto dele, que rapaz agradável. — Ele diz espirituoso como sempre. A leveza de sua presença me faz sorrir o tempo todo. É nostálgico acordar com ele por perto.
— Há controversas... — Rio sozinha da piada interna e vejo os olhos confusos de meu pai sobre mim. — Ah, é uma história longa e constrangedora demais para dividir com meu pai logo cedo. — Garanto e assisto seus olhos ficarem miúdos enquanto ele decide o quanto quer saber da história. Ele desiste e solta uma risada. Ele é do tipo que sorri antes com os olhos, te deixando sem escapatória a não ser sorrir de volta.
— Se você diz... — Ele levanta as mãos em rendição. Não quero que meu pai pense que eu sou alguém que faz besteira na vida, apesar de ser exatamente esta pessoa. — Você está com sorte hoje. — Ele volta a falar animado de novo e eu ergo as sobrancelhas interessada. — Vou cozinhar uma receita da Nona e eu sei que você não quer perder isso por nada. Então, trate de se levantar e pentear esses cabelos bagunçados. Ele apalpa o alto de minha cabeça e depois bate palmas, me acelerando.
Ajeito a camiseta no corpo e me levanto sem muita vontade, mas obedeço ao homem que observa com orgulho cada passo que eu dou.
Estou vestida e quase pronta para o que o dia me reserva. Detesto o vestido que uso, mas, com o crescer da barriga é uma das últimas peças que me deixam confortável de verdade. Saio do quarto e encontro meu pai falando ao telefone. Espero que ele termine a ligação e estranho a ausência de minha mãe.
— Claro, é perfeito. Nós esperaremos no seu apartamento, então. Até logo. — Meu pai guarda o celular no bolso de trás da calça e se vira para mim empolgado.
— Quem era? Cadê a mamãe? — Pergunto curiosa.
— Era o . Ele está no mercado com a sua mãe. — O encaro com a testa franzida e ele volta a explicar. — Eles foram buscar os ingredientes. — Meu pai continua falando sobre a refeição que me esperava e eu me distraí imaginando como esse encontro está se saindo. Minha mãe e juntos. Duas almas completamente distintas se encontrando na fila do açougue. A junção é inesperada e eu fico intrigada e um tanto quanto amedrontada pelo resultado.
— Quando isso aconteceu? — Me sento no sofá confusa e meu pai estuda minha reação e parece se divertir com ela.
— Foi ideia da sua mãe. — Ele diz rápido, como se defendesse. — Eles se falaram por telefone ontem à noite. Eles tiveram uma longa conversa e ela decidiu que devemos nos sentar e conversar com calma. A ideia da receita da Nona é minha. — Ela sorri abertamente. Tento não ser negativa, mas não tenho ideia de como me preparar para esse almoço. Sorrio polida e espero não estar transparecendo minhas ressalvas com esse encontro. Meu pai esfrega as mãos nas laterais da calça e aspira o ar desconfortável.
Nada como uma excelente refeição para acompanhar meu escrutínio.
— Vamos? — Meu pai sai pela porta e eu o acompanho ainda incerta. — Nós vamos almoçar aqui no apartamento do . — Assinto e estranho a naturalidade de meu pai buscando por entre as chaves no molho, a da porta do apartamento.
Assim que ele abre a porta, sinto um misto de saudade e espanto. Os móveis estão cobertos com lençóis brancos e tudo parece um pouco empoeirado. Desde que arranjou o encontro entre mim e o dono do apartamento para devolver as chaves, eu não havia mais estado ali.
Meu pai caminha de um lado para outro, abrindo as cortinas e janelas. É estranho vê-lo ali tão confortável mesmo sem nunca ter pisado no lugar. Ele descobre o sofá e eu o encaro me lembrando da última noite que passei naquele lugar. Entro no apartamento e evito o olhar curioso de meu pai, não quero que ele veja em sua única filha o olhar desejoso de quem sente falta de sexo. A forma física da lembrança se remexe dentro de mim, me lembrando as consequências da última vez em que me senti assim.
Me sinto enjoada com toda a situação e ouço o som do elevador indicar que chegou no andar. Celina parece sentir a presença do pai se aproximando e se chacoalha e me chuta por dentro. Ouço a risada dele vinda do corredor e suspiro, me preparando.
entra primeiro, ele para por um instante e me cumprimenta com um sorriso meigo. Minha mãe entra e sorri também, me fazendo estranhar a ausência de gritos e xingamentos. É óbvio que a essa altura já contou que só descobriu sobre a gravidez há alguns dias e é muito estranho que minha mãe esteja tão tranquila com isso. Desvio o olhar e instintivamente me aproximo de meu pai, que é o único que passa toda a certeza de ainda gostar de mim.
Após meu desjejum ter ocorrido sob a observação de águias de rapina, mostra onde estão os utensílios e panelas na cozinha para meu pai, que começa a separar os ingredientes. Meu pai está muito à vontade na cozinha e eu assisto tudo de longe. Minha mãe esquenta água para um chá e a conversa entre eles flui com casualidade.
Observar como uma pessoa de fora me dá a impressão de que eles são amigos há anos. Antes, eu tinha a impressão de que me dividia e vivia em dois mundos diferentes. Um com e outro completamente diferente com meus pais. E toda vez que esses mundos colidiram, como uma explosão silenciosa no espaço, não foi exatamente bonito. Como uma vítima de todas aquelas colisões, me sinto deixada de fora quando eles não parecem se importar com meu estranhamento com essa nova realidade. Talvez eu possa tomar esse tempo para me acostumar.
Na desculpa de deixar os homens trabalhando na cozinha, minha mãe serve chá para si e para mim. Me entrega a xícara e pega a dela, e então, ela me empurra para fora da cozinha e em direção a varanda. Chegou a hora.
— Essa casa precisa de uma boa faxina! — Reclama abanando a mão na frente do rosto. Minha mãe apoia a xícara na pequena mesa no canto da varanda e se vira com cara de poucos amigos para mim. — Cacete, ! — Bate a mão na própria testa, me fazendo prender um riso. — Filha, por que diabos você tinha que ser tão parecida comigo? Você podia muito bem ter herdado a impulsividade corajosa do seu pai ou o bom humor inabalável. Mas não. Você tinha de ser teimosa, desconfiada e cega por um altruísmo que só te leva para o caminho da destruição. — Minha mãe anda de um lado para o outro no pequeno espaço. Ela gesticula bastante e é nítido que essa conversa a tira de sua zona de conforto. — Esconder a sua gravidez daquele menino foi muito grave, filha. A pior coisa que poderia ter feito. Eu entenderia se ele fosse alguém perigoso ou que não despertasse muita confiança, mas eu não acredito que você tenha sido capaz de machucar tanto este rapaz. — Estou envergonhada. Minha mãe suspira pesado e volta a falar. — Imaginei que quando fosse fazer algo tão ruim com alguém, essa pessoa seria eu. Eu sei que não fui a melhor mãe do mundo. — A encaro surpresa. Ela ri sem jeito e volta a pegar a xícara. Sorve um bom gole. — Demorei anos para conseguir encontrar uma forma de me comunicar com você, mas sinto que pelo menos até recentemente, eu nunca pude te enxergar como você realmente é. Um indivíduo brilhante, cheio de falhas e qualidades peculiares. Acho que me senti confortável numa zona de conforto onde o seu pai sempre esteve lá para você quando você precisou, afinal, ele é um pai maravilhoso. Por que você precisaria de mim? — Minha mãe abraça o próprio corpo e eu a vejo vulnerável. Respiro fundo tentando manter as emoções controladas, mas parece que o jeito de minha mãe de me castigar é com um momento afetuoso.
— Eu precisei de você, mãe. Ainda preciso. Eu fiz tudo errado e não sei mais como consertar. — Admito e ela ri. Dá outro bom gole no chá.
— Eu também achei que não conseguiria consertar as coisas com você. E estamos aqui conversando, não estamos? — Ela ergue as sobrancelhas no jeito convencido de mãe.
— Isso é diferente, mãe. Eu sei que você fez o melhor que pôde. E de qualquer forma, você está aqui quando eu mais preciso. — Ela se levanta e vem até mim. Ela acaricia meu cabelo e o joga para trás, me pegando pelos ombros.
— Se te der alguma esperança, eu acho que nós temos mais uma coisa em comum. — Ela diz divertida.
— O que? — Pergunto curiosa e estudo suas feições maduras. Ela tem uma beleza forte e acentuada, os olhos são sábios e cheios de mistérios que somente um bom e corajoso navegador estaria disposto a desbravar.
— O gosto por homens que simplesmente são pessoas melhores que nós. — Ela prende uma risada e se afasta.
— Como assim, mãe?! — Pergunto rindo também. — Quer dizer, é claro que é uma pessoa infinitamente melhor do que eu. Bom o suficiente para saber quando se afastar. — Suspiro por velhas frustrações e ela volta a rir, me olhando por sobre a xícara.
— Eu estou lentamente me apaixonando por ele. é calmo, inteligente. É engraçado sem ser maldoso e eu entendo o que você vê nele agora. — Ela cutuca minhas costelas e eu a olho com a testa franzida.
— O que tem nesse chá? — Cheiro minha própria xícara e minha mãe cora.
— Só estou dizendo que ele vale a pena, filha. Você também. Se dê uma chance para encontrar equilíbrio. Ele é um bom rapaz, mas está machucado. Não vai ser fácil consertar as coisas com ele, mas eu sei que você consegue. Só dê tempo ao tempo. — Ela me abraça de lado e sorve mais do chá. Os olhos perdidos no horizonte.
— Eu acho que coloquei tudo a perder dessa vez. — Deixo a xícara sobre a mesa e a abraço aproveitando que agora eu posso. Minha mãe sustenta um olhar de quem quer dizer algo, mas ela não diz. Só me abraça de volta, afagando meu cabelo.
— Eu sinto um impulso enorme de resolver tudo para você. Sentar vocês dois naquele sofá e fazer vocês se entenderem de uma vez. — Ela diz divertida e eu me aconchego mais em seu abraço. — Você vai entender quando a sua filha estiver em apuros e você tiver de deixá-la resolver sozinha, porque só assim ela realmente vai tirar alguma lição de uma situação ruim. — Ela sorri e esfrega um pouco o meu braço. Suas palavras me deixam pensativa. Eu bem queria que tudo pudesse ser resolvido com uma grande bronca dela.
— Seu pai é um mestre na cozinha! Ele parece um polvo, fazendo várias coisas ao mesmo tempo. — diz animado e minha mãe se afasta de mim, se virando na direção dele. — Estou ansioso por essa macarronada. Ele disse que é receita da sua avó? — vacila o olhar entre mim e minha mãe e eu disfarço para secar os cantos dos olhos com os nós dos dedos.
— Nona. — Minha mãe corrige. — A mulher pode estar deitada na eternidade, mas é capaz de levantar-se só para vir puxar a sua orelha. — Minha mãe rola os olhos com desdém e ri sem jeito.
— Como está minha chutadorazinha hoje? — me olha como se pedisse permissão e eu assinto. Ele se inclina e se ajoelha diante de mim. — Oi, filha. — Ele diz baixinho e eu suspiro sentindo os olhos encherem de lágrimas de novo. Desvio o olhar para minha mãe e ela sorri com a cena. Ela parece satisfeita, mas porque estou tão triste?
— Vou ver se o seu pai precisa de alguma ajuda. — Ela diz baixo e eu assinto. está distraído com sua conversa particular e nem percebe que estamos sozinhos. Minha mãe encosta a porta da varanda e eu tento, mas é impossível não prestar atenção na conversa acontecendo literalmente embaixo de meu nariz.
sorri o tempo todo e fala baixinho como se estivesse contando a ela um segredo. Observar passar de aterrorizado para completamente apaixonado pela nossa garotinha é lindo. Enche meu peito de um amor indescritível. Cada segundo dessas pequenas interações é mágico. Respiro cada um desses momentos, tentando capturar cada partícula dessas novas memórias.
— Então, eu saí com sua a avó hoje. Nós tivemos uma conversa séria de adultos, mas ela é bem divertida. Você vai gostar dela. — Sorrio involuntária, essa nova perspectiva de em relação à minha mãe é estranhamente tranquilizante para mim. ri do chute em resposta e me encara orgulhoso.
— Oi.
A luz do sol ilumina seu rosto, iluminando todos os tons de castanho em seus olhos brilhantes. É hipnotizante. O vento acaricia seus cabelos para lados opostos e reprimo a vontade de emaranhar meus dedos ali como costumava fazer antes de beijá-lo.
é simplesmente lindo demais para a minha sanidade.
— Oi. — Digo sem jeito, sinto minhas bochechas esquentarem e sei que estão coradas. Pelo menos eu não sou a única. — Então, o que é que está acontecendo? Desde quando você é amigo dos meus pais? — Pergunto curiosa e ele ri.
— Eu também estou surpreso, acredite! Sua mãe deixa impossível negar qualquer coisa para ela. Vocês são meio parecidas nisso. — Comentou se encostando no balaústre, escondendo os olhos do sol.
— Nossas similaridades estão sendo bastante discutidas hoje. — Digo enigmática e assente, mesmo sem entender exatamente do que estou falando.
— Você está bem? — Ele guarda as mãos nos bolsos do short e percebo que me olha diferente. Quase como se me enxergasse diferente agora. Talvez a montanha—russa de sentimentos dos últimos dias tenha lhe mostrado um lado diferente do que ele conhecia. Não sei dizer se isso é bom. Mas definitivamente, algo mudou.
— Sim. E você? — Desvio de seu olhar intenso e encaro meus tênis. Os cadarços amontoados e enfiados de qualquer jeito para dentro.
— Bem. Ainda estou me acostumando com todas as mudanças, mas, estou empolgado com isso. É muito melhor não me sentir mais tão estranho na minha própria vida. — Ele sorri satisfeito e eu checo sua resposta em seus olhos, vendo ali nada além de uma esperançosa verdade.
— Você merece ficar bem, . — Digo sincera.
— Você também, . — Ele sorri mais comedido e eu balanço a cabeça, discordando discretamente. — Você ainda é a melhor pessoa que conheço. — Suas palavras não me confortam. No fundo, é a bondade infinita de seu coração falando.
— Eu sei que não deveria te pedir nada agora, mas, será que posso te abraçar? Só um pouquinho você nem precisa... — me interrompe com as mãos em volta de minha cintura. Ele se aproxima devagar e com cuidado, mas me abraça forte.
— É ridículo que você tenha que pedir... — Ele diz me fazendo rir e o apertá-lo mais em meus braços.
Enquanto inspiro seu cheiro, sinto seu toque me arrepiar. Repito mentalmente o quanto o amo, quase como um mantra. Quero que ele possa ser capaz de sentir tamanho amor através deste abraço.
Percebo que estou chorando ao sentir o tecido de sua camiseta umedecer sob meu rosto. Fecho os olhos com força e sinto o carinho de em meus cabelos.
— Vai tudo ficar bem, . — Diz baixinho.
— Eu não quero ficar sem você, . Me deixa consertar? — Digo surpreendendo a nós dois. Me afasto dele, buscando seus olhos. Espero pela resposta imediata que não vem.
... Eu não... — Respiro fundo e me afasto completamente dele.
— Tudo bem. Eu entendo. — Digo com a voz embargada e não acredito nem um pouco em minhas palavras. Eu não entendo. Mas de qualquer forma, tenho de lidar com o fardo de ter perdido meu amor. É culpa minha.
Sinto minha garganta se transformar em concreto e não quero ficar diante dele nem por mais um segundo. Saio apressada do apartamento dele e entro no meu. Tranco a porta do quarto e tento colocar as ideias no lugar.
É isso.
Não há mais chance, não há uma saída.
Eu estraguei tudo e agora não existe mais e .
Choro em silêncio, juntando toda a força que existe em mim para me convencer de que esse é o melhor caminho. já havia deixado claro como ele se sente, eu que escolhi não ouvir. A prepotência às vezes age como uma maldita corda presa a nada sólido, quanto mais você a usa para subir, mas patética é a sua queda. E eu me sinto assim, como se o chão ainda estivesse longe de chegar, mas ser esmagada pelo peso de minhas próprias ações é uma certeza.
Me sento na cama e me sinto ridícula. Sinto pena de mim mesma e penso que vai ser um papelão voltar para o apartamento dele e almoçar com meus pais como se nada tivesse acontecido. Não quero preocupá-los.
Lavo o rosto e respiro fundo uma, duas, três vezes.
Ao abrir a porta do apartamento vizinho, ensaio um sorriso casual antes de entrar. Torço para que nenhum dos ocupantes perceba a vermelhidão em meu rosto e os olhos ligeiramente inchados. É quase como desejar não ter passado praticamente a vida inteira ao lado daquelas pessoas.
— O que houve, querida? — Meu pai pergunta assim que me vê. O sorriso falso que eu sustento dói mais do que contar a verdade, mas eles não merecem ter de ver a filha em um momento tão deplorável.
— Crise alérgica. — Digo de assalto, soltando a primeira mentira que passa pela minha cabeça. — Esse tempo maluco... — Rio sem jeito e busco um lugar para me sentar no sofá. Meu pai me acompanha com o olhar e demora para engolir a mentira. Ele troca um olhar cúmplice com minha mãe e parece que eles estão tendo toda uma conversa no absoluto silêncio.
Meu corpo está presente, mas minha alma trabalha duro para construir uma barreira. Algo que possa bloquear qualquer distração que me faça desviar de meu único objetivo: ser a melhor mãe possível. No momento, é a única coisa que me resta. Selo as rachaduras em meu coração com concreto, na esperança de que isso o fortaleça e o cure o quanto antes. Assim, eu não sentiria tanta falta de alguém que sempre estaria logo ali.
— O que acharam da macarronada caseira da Nona? — Meu pai passa os olhos pelos resquícios da mesa posta com orgulho.
— A melhor que já comi, senhor. — diz educado, ainda terminando a refeição.
— Mesmo?! Obrigado. — A falsa modéstia de meu pai me faz rir rapidamente e ele encara meu prato com os ombros murchos. — Você não comeu quase nada, filha... Tem algo errado? Esse não é mais o seu prato preferido? — Ele me encara preocupado. Sorrio sem jeito, de jeito nenhum eu diria a ele que meu prato favorito hoje em dia é pizza dormida.
— Está tudo maravilhoso, pai. Desculpe por isso, mas não estou com muita fome agora. — se mexe desconfortável na cadeira e eu não consigo ignorá-lo. Ele parece culpado, mas estou ocupada lidando com minha própria culpa para convencê-lo de que ele, na verdade, não tem culpa de nada.
Me esforço um pouco mais para comer e assim que termino, ajuda minha mãe com a louça. Ela volta da cozinha rindo e se senta ao lado de meu pai no sofá. Eles cochicham um no ouvido do outro e partilham de um momento muito agradável de assistir.
volta também e ele segura o próprio celular entre os dedos hesitante. Ele fita meus pais por alguns segundos e depois volta a me olhar. A timidez o impede de dizer o que quer que precise ser dito.
— Eu meio que prometi a minha mãe que ligaria hoje com uma surpresa. — Ele diz baixo e eu o encaro, incentivando que ele continue. — Você acha que o momento é muito inapropriado? — está tão desconfortável. Sua voz soa formal e distante. Assinto sem pensar muito e ele inclina a cabeça. — Tem certeza? Eu posso ligar mais tarde, quando estiver sozinho... — Ele sugere e eu suspiro, um pouco impaciente.
— É o que quer fazer? Contar sozinho? — Pergunto soando mais magoada do que gostaria e ele nega veemente.
— Não. Quero que esteja do meu lado, . — O encaro dividida com a resposta dúbia e opto por não analisar demais a sentença. Na verdade, eu não deveria analisar nada do que ele disser daqui em diante para minha própria segurança.
vasculha pelo contato da mãe na agenda do celular e levanta os olhos para mim, como se confirmasse mais uma vez. Eu o encaro impassiva, mas estou destruída por dentro.
— Oi, filho! — A voz carinhosa da mãe de o faz sorrir e vejo por cima do ombro dele que minha mãe está ouvindo a conversa. Nada discreta.
— Oi, mãe. Como estão as coisas? — está nervoso, mas engata em uma conversa breve e agradável com a mãe. Ela reconhece o apartamento e ele explica que está na cidade por pouco tempo e que não teve tempo de organizar uma viagem para visitá-los. Ela diz que o pai dele está trabalhando hoje, afinal, é uma segunda-feira e ele é professor do ensino médio em uma das escolas da cidade. Ele se desculpa por ter que contar algo tão importante assim, por uma chamada de vídeo e eu ouço o som de garganta de quem espera por uma notícia ruim.
— Acho que... Mostrar faz mais sentido. — Ele ri nervoso e me olha procurando por apoio e eu não consigo ignorar isso. Assinto e ele volta a encarar a tela, troca as câmeras e é o único a ver a reação da mãe quando ela me vê pela primeira vez em muito tempo.
— Oi, senhora . — Aceno sem jeito e espero alguns segundos até que ela faça a digestão da imagem que está vendo. Quando ela grita em comemoração, ri e puxa uma cadeira para se sentar ao meu lado. Ele troca as câmeras no celular novamente, e agora todos podemos nos ver.
— Minha querida, isso é maravilhoso! Você está radiante! — A senhora está emocionada, ela cobre a boca com uma das mãos e esquece de deixar o celular em uma posição em que nós possamos vê-la. Ela está exultante. se vira para mim e sorri empolgado.
A senhora quis saber tudo o que podia da neta para que quando fosse passar a informação adiante, ela não esquecesse de nenhum detalhe. não conta que não sabia da gravidez até pouco tempo, mas o assunto não surge. É esperado que o pai saiba logo quando é descoberto e graças à suposição da senhora de que eu sou uma boa pessoa, eu estava livre de ter mais alguém me odiando por minhas escolhas.
— Vocês fizeram muito bem em esperar para contar para nós. Esperar até ter certeza de que tudo vai correr bem, foi bem corajoso. Deve ter sido difícil para vocês terem que passar por tudo isso longe um do outro. — respira fundo e assente devagar, se abstendo de responder qualquer coisa. Bem quando eu achava que estava fora de perigo. — Não consigo parar de imaginar como ela vai ser fofa! — Ela diz com a voz afetada e nós rimos, sei que nós dois agradecemos a mudança automática de assunto.
— Tomara que ela se pareça com você. — diz baixo e eu me perco um pouco em seus olhos.
— É verdade! Você sempre foi linda, , mas essa gestação te transformou numa verdadeira deusa. — Os elogios da maternidade simplesmente não fazem sentido. Como alguém passando por privação de sono, níveis absurdos de hormônios, inchaços e todas as alterações de humor pode, de alguma forma, ser bonita?
— Obrigada, senhora . — Digo sem jeito e reparo na tela. A imagem de e eu tão próximos me impede de ter um pequeno momento narcisista.
— Vocês dois são lindos! Quero captar essa imagem de vocês juntos e eu. Seu pai vai morrer de inveja! — Ela diz sorrindo travessa e eu tento discretamente ignorar que está me abraçando pela cintura e posando feliz ao meu lado para que sua mãe faça a bendita captura de tela. Sorrio também, um pouco mais comedida e vejo que a senhora está feliz, está feliz. Até meus pais, que ouvem a conversa educadamente mais afastados, parecem felizes. Menos eu.
Talvez esse castigo seja suficiente.
Mas então, a Celina me deu um bom chute e eu percebi um pequeno detalhe que muda tudo. Todos sabiam. Claro, ainda faltam a irmã e o pai de ficarem sabendo, mas, eles saberiam em breve, tenho certeza. Mas todos sabem e todos já a amam tanto. Só isso já é o suficiente para que eu consiga entender que não é sobre mim ou minha felicidade. Mas através dela, de como ela cresce saudável e envolta de tanta boa gente que a ama, é possível que eu encontre alguma alegria afinal.
A senhora é elegante e não demonstrou que ficou chateada por meus pais estarem aqui. Em um certo ponto da ligação, minha mãe tomou o celular de e conversou com ela por longos minutos. As duas dividiram suas expectativas quanto à fofura da Celina, as aprovações acerca do nome escolhido e discutiram sobre cuidados que eu deveria tomar. Decidindo tratamentos sem me consultar e, guiadas por uma fé cega de que eu seguirei as superstições de uma mãe italiana e outra coreana, a conversa flui com facilidade. Só de pensar no cheiro da mistura dos chás que elas estão propondo que eu tome ou me banhe, meu estômago começa a incomodar.
Recorro a todo amor que compartilhamos e encaro até que ele tenha coragem o suficiente de tirar o próprio celular das mãos de minha mãe. Ele resiste, mas acaba suspirando algumas vezes antes de se levantar e ir meio sem jeito até ela.
— Senhora B.? — diz, muito respeitoso.
— Já te disse que pode me chamar pelo primeiro nome. Do que precisa? — Minha mãe o encara e ri nervoso antes de voltar a falar.
— Eu... Sei. Mas a senhora está falando com a minha mãe, se ela me ouvisse te chamando pelo primeiro nome... Eu nem quero pensar. — Ele se defende e eu prendo uma risada.
— É verdade! — A senhora confirma e me lança um rápido olhar divertido.
— Lembrei que ainda não transferi as imagens das ultrassonografias, essa é outra coisa imperdoável. Certo, mãe? — Minha mãe compreende de imediato, afinal, se fosse ao contrário, ela estaria incendiando o caminho dela até aqui.
Com as imagens na tela, a senhora simplesmente esquece de nós na ligação. As imagens digitalizadas da última ultrassonografia estão perfeitas e a Celina aparece nitidamente. Ela desliga sem querer e solta uma risada aliviada. Eu guardo aquele som em um lugar muito secreto em mim. É o segundo melhor som do mundo. Nada se compara em ouvir outro coração batendo dentro de você além do seu. Mas este foi especial também.
Minha mãe faz questão de nos manter sentados ao redor da televisão. Ela assiste a um desses programas diurnos em que mulheres de meia-idade discutem problemas de mulheres de meia-idade. Se não fosse constrangedor o suficiente que estejamos todos em silêncio ouvindo experiências profundas sobre clubes de livros que mudaram vidas. Meu pai insiste que experimentemos o que ele chamou de "o melhor tiramissú de toda a nossa vida". Eu não gosto muito de doces, mas eu gostava há dez anos. Como um pedaço e sinto meu estômago embrulhar. A repulsa instantânea me faz afastar o prato e quase soltá-lo longe de meu corpo, mas estende a mão e toca meu pulso rapidamente, apoiando o prato na palma de sua mão e discretamente tirando ele de perto de mim.

A tarde se estende até depois do programa, e então, meus pais decidem ir embora. Eles não vão voltar para o hotel de imediato, minha mãe revela que quer ver o pôr do sol nas docas e eu sinto a necessidade de protestar, mas, acho que ela sabe o que está fazendo.
— Não fiquem por lá até escurecer demais. — Aviso ao meu pai e ele assente veemente. Ele me beija na testa e acaricia minha barriga de um jeito tímido e adorável.
— Olha só quem está toda maternal... — Minha mãe zomba divertida e eu rio percebendo que meu tom foi mesmo bastante maternal.
Acompanho os dois até o elevador e estou pronta para entrar em meu apartamento quando me chama.
— Podemos conversar um pouco? — volta para a sala e se senta no sofá. Entendo como um convite para voltar ao apartamento, logo agora, que achei que o açúcar pudesse ter equilibrado meus sentimentos. — O que você disse mais cedo... Eu acho que...
— Esquece isso! — Digo rápido e sei que interromper o que quer que ele fosse dizer é mais humano do que ouvi-lo confirmar que não me quer mais. — Quer saber? Nossa filha está quase chegando. É uma perda de tempo ficar tentando me perdoar. Nós podemos só fazer isso... Cuidar dela. — Sou resoluta e insisto em me manter nesta posição. Algum senso de autopreservação me faz sentir mal por falar assim de mim mesma, mas sigo em frente.
— Não acho que seja exatamente perda de tempo, . Não importa o que aconteça, eu quero que possamos ser civilizados. — Ele diz sério e percebe por minha inquietação que eu não quero estar ali, naquela conversa.
— Eu não poderia concordar mais! — Acaricio minha barriga em busca de algum apoio e acompanha com os olhos meus movimentos.
— Certo. — Ele se levanta e suspira derrotado. — Se é que vamos ficar nesse clima esquisito e desconfortável, eu vou só dizer. — Ele solta os braços ao lado do corpo. — Talvez haja uma forma de concluir a minha parte na instalação das antenas. O que eu preciso fazer é simples. Qualquer idiota consegue pensar e prevenir qualquer problema que possa ocorrer com a conexão. — Ele ri de seu próprio marasmo e eu o repreendo com o olhar, ele faz isso de diminuir suas tarefas. Até quando é algo grandioso. — Só estou dizendo que a parte difícil passou e eu posso concluir tudo em algumas semanas e estar de volta para quando a Celina nascer. — Ele sorri empolgado e eu resisto ao sorriso. — Se é tão importante para você que eu faça isso, eu faço. Por vocês. — está um pouco sem jeito. Até está corado. Parece que ele tem tudo sob controle.
Sinto uma raiva descabida dele.
— Que bom. — Digo sarcástica e ele inclina a cabeça para o lado, me olhando com pesar.
— Não faz isso comigo, . — Sua voz soa cansada e eu rio com escárnio.
— Estou só seguindo de acordo com a sua decisão. Quer que eu seja mais verbal sobre o assunto? Obrigada pela notificação. — Digo impaciente e cerra os olhos em minha direção. Sei que estou sendo imatura, só não posso fazer nada sobre isso.
— Eu não decidi nada. Esse é exatamente meu problema! — explica e eu sei também que ele está chateado. Mas estou envergonhada demais e me sentindo culpada demais para ouvir.
— Você decidiu me odiar. E tudo bem, , eu me odeio também. Nós podemos seguir me odiando sem que isso afete a Celina? — é quem ri agora e eu o olho irritada.
— Isso não faz o menor sentido! Sabe como você soa estúpida dizendo isso? — Ele continua rindo e eu rolo os olhos.
— Idiota!
— Teimosa!
Nos encaramos por algum tempo e eu quero queimar o prédio de tanta raiva. faz menção de dizer algo, mas eu não quero ouvir mais nada. Saio do apartamento marchando em direção ao meu quarto.
Idiota.

’s POV


Finalmente ouço a batida rítmica de Andrew na porta e não hesito em ir abri-la.
— Senti saudades disso. — Andrew abre um sorriso assim que me vê. Dou espaço para que ele entre e sinto seus olhos me estudando enquanto tranco a porta. — Você parece tenso. Por acaso tem alguma coisa errada? — Ele prende uma risada e eu o encaro um pouco impaciente.
— Não tenho mesmo energia para lidar com a sua ironia arrogante. — Digo sério e Andrew estala a língua dentro da boca.
— É pior do que imaginei... Deixe-me ver... Será que a fez alguma coisa? — Ele aponta o indicador para mim e eu reitero com um olhar o que disse há pouco. — Certo, certo. Foi a última vez, eu acho. — Ele diz incerto e deposita os dois fardos de cerveja sobre a mesa de centro empoeirada. Antes de se sentar, Andrew tira a cartela de metal do bolso, um isqueiro do outro e deixa a cartela aberta sobre a mesa, ao lado das cervejas, exibindo baseados bem enrolados. — Escolha seu veneno.
Declino à sugestão de meu amigo e vou até a cozinha. Abro o armário sob a pia e tiro de lá a famigerada garrafa de tequila que Nicholas Branch deu de presente a .
— Este vai ser meu veneno. — Volto a sala e me sento novamente no sofá. Andrew dá de ombros e abre uma cerveja para si.
— O que ela aprontou agora? — Pergunta ele, sorvendo um pouco da cerveja.
— Nada. É só... Ela quer saber se vamos voltar a ficar juntos. — Andrew meneia com a cabeça, pensando no assunto.
— E então? — Ele me incentiva e eu dou um bom gole na tequila. Sinto ela queimar o caminho até meu estômago.
— É tudo o que eu mais quero. — Admito, mas não me sinto seguro dizendo isso em voz alta. — Eu também não entendo. Só não consigo. sempre foi incrível para mim e de repente... — Andrew assente e suspira audivelmente. É bom saber que nenhum de nossos amigos escolheu lados. Parece a única coisa que permanece igual. — Ela costumava ser minha melhor amiga, cara, eu não acredito que ela tenha feito isso comigo. Eu dei sinais de que poderia surtar com a notícia em algum ponto? — Desabafo perdido em meus pensamentos. Andrew se inclina e estende o braço, ele encosta a garrafa de cerveja na de tequila e um sorriso divertido surge nos cantos de sua boca.
— Um brinde às maravilhosas mulheres em nossas vidas! — Ele anuncia e eu rio. — Foi mesmo um golpe baixo, amigo. Mas a continua sendo a mesma pessoa. Ela cometeu um erro, mas isso não muda quem ela é. — Ele diz sério e faz parecer óbvio. — Não é como se ela não tivesse sofrido as consequências da própria decisão, fora todo o processo da gravidez. É um fato que todo o estresse dessa confusão tenha interferido na distribuição saudável de cortisol, o que vai fazer da sua filha uma adolescente rebelde. Isso é culpa dela, mas é um problema para as versões futuras de vocês. — Dou mais um gole, imagino que talvez eu consiga entender a linha de raciocínio de meu amigo se estiver sob os efeitos dormentes do álcool. — O que quero dizer é que você não perdeu muita coisa. Foram meses de preocupação, exames invasivos, choro e vômito. Você não poderia fazer muito estando tão longe e não poderia fazer muito se estivesse aqui. — Ele conclui e eu ignoro a minimização do problema, mas alguns pontos fazem sentido.
— Não é bem assim, eu teria voltado assim que ela me dissesse. — Ele inclina a cabeça para o lado e eu estranho tanta dúvida em seu olhar.
— Será que seria a melhor decisão? Pense comigo: você se viu diante de um gigante e o enfrentou sem pensar nas consequências. Foi uma batalha dura, você sofreu e ficou miserável. Mas de alguma forma, você foi capaz de destruir o gigante e fazer dele uma cadelinha indefesa. — Andrew descreve o que sua mente perturbada reproduz para ele. É como se ele visse todas as horas em que passei sentado encarando a tela do computador completamente empacado, como uma cena de guerra. — Te ver fazendo tudo isso e saber de algo que pode arriscar toda essa empreitada é uma posição delicada. Me desculpe por isso, amigo, mas foi o que me fez guardar esse segredo com a minha vida. Eu me certifiquei de que elas estariam bem, porque acreditei que você fosse voltar para dar continuidade ao trabalho. — Andrew confessa e eu o agradeço erguendo a garrafa em sua direção.
— Obrigado por isso. Eu faria o mesmo. — Ele assente e sorri envergonhado.
— Acho que todos nós nos sentimos da mesma forma, mas posso dizer só por mim que entendo a . Talvez ela tenha a mesma fé em você que eu tenho, só não soube como por isso em prática.
— Ela não achou que eu fosse aguentar a barra? Eu não consigo entender... Talvez nós pudéssemos ter nos organizado. Eu queria ter feito alguma coisa, Andrew! — Saber como sofreu nesse meio tempo me dilacera por dentro. É uma situação horrível culpar alguém por suas dores quando essa pessoa já está sendo tão massacrada pela própria consciência.
— Eu não sei, cara... Talvez o que você deva fazer agora é estar presente para o que vier. — Andrew dá de ombros e eu reflito sobre todas as novas informações sobre um lado que eu não conhecia da situação.
— Eu ainda não entendo... — Sorvo mais um pouco da bebida e Andrew faz o mesmo, mas ele termina sua cerveja e abre outra em seguida.
— A Sophie acha que ela teve medo. Não de você, mas, de como se tornaria real assim que ela te contasse. Vocês não estavam mais juntos e talvez ela soubesse que você jogaria tudo para o alto para vir assistir choro, vômito e gemidos nada sexy porque ela sempre está com dor nas costas. — Ele diz irônico e ri.
— Eu não sou inconsequente. Não faria nada que pudesse arriscar a segurança financeira da minha filha. — Me defendo e ele solta os ombros enquanto rola os olhos.
— Vamos lá, cara... Admita. Você sabe que viria de bicicleta se não tivesse voo disponível. Não me entenda mal, isso também seria incrível. Mas agora você pode ser incrível duas vezes. Ser o super-herói preferido daquela garota, destruir o gigante e ainda voltar para ser um bom pai. Eu quase te odeio por esse arco perfeito. — Andrew não consegue separar a vida de sua arte e é estranho que ele observe a minha vida em busca de roteiros. Mas é bom olhar essa situação por uma lupa tão simplista. Se ao menos eu conseguisse ignorar a sensação de ser traído e excluído de minha própria vida.
A imagem de grávida é surreal e praticamente divina. É demais para suportar. Ela parece mais séria, centrada e certa do que faz agora. A menina ansiosa e indecisa que terminou comigo não se parece com a mulher teimosa que está gerando minha filha. Teimosia vem de um lugar de certeza, e se conheço bem , ter certeza de qualquer coisa a deixa apavorada. Ela se recusa a se enxergar como ela é, e vê-la sendo tão deliberadamente me excita em níveis inimagináveis.
Ainda espero que possa se conhecer como eu a conheço. Uma mulher forte, inteligente, curiosa. Linda de todas as formas e com uma mente brilhante. Espero que ela encontre para si o amor que ela dá a todos, que saiba que seu toque é curativo e que sua presença ilumina todo o ambiente.
— Merda! Sinto tanto a falta dela! — De tudo, do beijo, do olhar, do sorriso. Sinto falta da minha . É indescritível a sensação de ter seu corpo em constante mudança em meus braços. nunca esteve tão acolhedora e então, me lembro das vezes em que segurei seu corpo sonolento. A respiração tranquila e o coração batendo forte, trabalhando dobrado.
É difícil ficar longe dela. Pior ainda, é ficar longe da minha filha.
Minha filha.
Ainda não tive tempo apropriado para me deleitar com esse fato. Muita coisa precisa ser esclarecida e resolvida, mas a crescente vontade de conhecê-la é o que me mantém seguindo em frente.
Eu a adoro.
Simplesmente sei que vou amar a Celina por toda a minha vida.
O contorno de suas feições angelicais me visita nos meus melhores sonhos e é impossível sentir qualquer coisa negativa quando penso nela.
Dou um gole grande demais na tequila e demoro para, de fato, engolir o líquido. Minha cabeça começa a ficar pesada e minhas bochechas estão queimando.
— Eu sei que você "odeia" a e tudo o mais..., mas, podemos, por favor, tirar um momento para comentar o quanto a ficou gata? Eu simplesmente não vejo a hora de a Sophie engravidar também. Estamos falando de quadris largos e seios fartos, meu amigo. É um paraíso. — Encaro meu amigo incrédulo e ele limpa a garganta. — Respeitosamente falando, claro. — Finjo um sorriso e odeio sentir ciúmes de . Mas é verdade, além de acolhedora e confiante, nunca esteve tão gostosa.
— E o momento acabou. — Digo sério, caso ainda não tenha ficado óbvio.
— O sexto mês é um mês de desabrochar... Sexualmente. Eu andei pesquisando e elas sentem muito tesão nessa época da gravidez. Eu andei... Pesquisando. — Andrew diz sem jeito e eu rolo os olhos
— Cara... Pare... De falar. — Digo rindo de nervoso. A ideia de transar com a estando grávida é bizarra e instigante demais. Não quero pensar nisso, mas sei que é uma ideia que não vai sair de minha mente tão cedo.
— Só estou tentando ajudar meus amigos, aqui! — Andrew se defende e eu rio sem jeito, constrangido com minha própria mente profana.
— Podemos mudar de assunto? Não gosto de saber que você está pensando em mim fazendo sexo com minha... Com a . — Peço constrangido demais para voltar a olhá-lo.
Andrew acende um dos charutos e me oferece um também. Recuso firmemente. Toda essa nova perspectiva me fez querer retomar a conversa anterior com . E se ainda quero vê-la hoje, não faz sentido estar com cheiro de fumaça nas roupas. Talvez por essa mesma razão, eu deva parar de beber a tequila também, mas ao invés de largar a garrafa, dou mais um gole e reparo que ela já está na metade. É uma excelente tequila. Obrigado Nick seja-lá-qual-for-seu-sobrenome.

A mudança é drástica no assunto. Andrew aproveita que todo o momento de revelações havia passado para finalmente falar mais detalhadamente sobre seu filme. A parceria entre roteiristas resultou em algo previsível e apelativo. É sexista, oportunista e descarado. Conta a história de um arquiteto que mente sobre suas credenciais e deve voltar para a faculdade, a fim de se provar digno de um emprego em uma empreiteira de sucesso. Possivelmente derivativa, a história começa em lugar algum e termina em nenhum lugar. Andrew é como o irmão que eu não tive. E por amá-lo e respeitá-lo nesta longa e estável relação, preciso dizer a verdade.
— É uma merda! Mas consigo ver o seu humor no alívio cômico na cena em que a loira peituda joga uma colher em vez de uma arma para o personagem principal travar a última batalha. — Explico ainda com os olhos presos na tela. Tento calcular quanto dinheiro foi usado na técnica de computação gráfica para criar todas as explosões. Talvez seja a tela pequena do celular, mas o filme parece mesmo muito bonito. Só é ruim.
— Tem razão. — Ele franze o nariz e eu apoio minha mão em seu ombro. — Não vejo a hora de estar em um bom projeto ou então, ter grana o suficiente para lançar algo independente. — Andrew confessa e percebo que isso o incomoda, mas não chega a abalar suas estruturas.
— E você devia. Se encaixar nos moldes do que vende realmente dá um bom dinheiro. Mas será que alimenta a sua alma? — Andrew se perde na fumaça densa de seu charuto e eu sinto que estou bêbado demais para aconselhar sobre carreira, vida, ou qualquer assunto que seja.
— Me pergunte daqui há um ano. Melhor, me pergunte em um ano e meio. O filme terá sido lançado e eu vou receber uma boa quantia. Talvez eu me sinta melhor sobre matar minha alma de fome até lá. — Ele brinca e eu me preocupo seriamente com as decisões de meu amigo. Mas ele explica que está criando conexões com pessoas que poderiam embarcar na loucura de gravar um filme dele. Andrew é sempre tão seguro de si, defensor de opiniões controversas e é muito estranho vê-lo tão hesitante em relação ao trabalho.
— Eu realmente acredito que um filme escrito por você seria incrível. Talvez você deva dirigir, já que ninguém consegue compreender exatamente o que se passa na sua cabeça. Mas acho que devia tentar. — Ele assente e suspira frustrado. Dura pouco tempo, mas vejo meu amigo com medo.
O medo é mesmo um paralisante. Tudo o que não é feito, dito e vivido por causa do medo fica suspenso no tempo. Como se essa interferência bloqueasse toda e qualquer possibilidade nova. Pensar nisso me deixa irritado com de novo. Não importa a opinião de todos. Eu queria ter estado aqui.
Eu estaria aqui.
Andrew apaga o charuto, bebe um último gole de cerveja e encara o teto por um longo tempo. Quando ele volta a olhar para mim, seu rosto está configurado na exata mistura de um espírito zombeteiro e uma entidade maliciosa.
— E a sua colega de trabalho? A... Kathelyn? — Eu estava prestes a deixar a tequila de lado quando ele mencionou — o nome errado — do item número um de meus fracassos recentes.
— Karin. — Corrijo em respeito à mulher que que teve a superioridade de se manter discreta. — Continua muito brava comigo. Mas o que podemos fazer?! — Dou de ombros e acho melhor soltar a garrafa longe de mim.
— Ainda não acredito que você...
— Nunca repita em voz alta! Eu exijo sigilo absoluto. — Digo sério e Andrew ri.
— Está bem, está bem... — Ele levanta as mãos em rendição. — Até porque já pisei nessa terra infértil, não estou aqui para julgar. — Me acalma saber que Andrew nunca contaria isso a outra alma sequer. A não ser, sua alma gêmea. Mas neste sentido, eu sei por intermédio de , que Sophie fingiu seus orgasmos por quase um ano e eu nunca usei isso contra ele.
— E se nós nunca mais voltarmos? — A pergunta escapa por meus lábios e os olhos de Andrew se estreitam um pouco enquanto ele reflete sobre ela.
— Vocês vão se resolver. Namorando ou não, vocês têm uma responsabilidade em comum e sendo pessoas bem-educadas e civilizadas, vocês vão encontrar uma saída. — Escolho acreditar no otimismo incansável de meu amigo. — Se vocês não voltarem, sei de alguém que eu posso te apresentar. — Ele pisca um dos olhos e eu acho inapropriado, mas não descarto a ideia de imediato.
O problema é que ele está certo em tantos pontos que é insuportável. O maior fato de todos é que realmente é minha amiga, a melhor delas. Não posso deixar que um erro, por mais horrível que tenha sido, me impeça de dar uma segunda chance à minha melhor amiga.
Até porque eu sinto a falta dela como um louco.


Capítulo IV

Encaro a tela do computador relendo o texto do e-mail pela terceira vez e conferindo palavra por palavra, tentando encaixar a ideia em minha cabeça.
Meu chefe acaba de me informar que minha demanda de trabalho foi reduzida e que a empresa está preparando uma licença familiar de 12 semanas com remuneração para mim.
Eu consigo ouvir o tom condescendente dele através das palavras escritas. Ele age como se fosse um grande favor que ele está me fazendo, quando na verdade, as toneladas de dinheiro que ele recebe através do meu trabalho e da minha equipe, deveriam ser suficientes para que essa empresa seja uma das poucas que levam a licença familiar remunerada como lei, para mulheres e homens. É ridículo que menos de 30% dos americanos tenham acesso à essa prática nos dias de hoje.
Rolo os olhos pela milésima vez e engulo a vontade de responder o e-mail com uma carta de repúdio a homens como ele. Homens brancos, ricos e influentes que votam um sonoro "não" para este tipo de iniciativa no país.
Mesmo sendo minoria, seus votos pesam. Odeio que este seja o mundo ao qual a minha filha está prestes a chegar.
Encaro o logo da agência no rodapé do e-mail e penso que toda a motivação dessa gente é dinheiro. Meu chefe está propondo que eu tire 12 semanas remuneradas de licença, garantiu que meu trabalho estará me esperando quando eu voltar. A visão afunilada e preconceituosa do homem obsoleto está o levando a fazer exatamente o que seu status quo prega contra. Ele está perdendo dinheiro.
O feitiço se torna contra... Qualquer que seja o fim deste ditado popular.
Fecho a tela do computador e decido deixar para responder o e-mail pela manhã, quando provavelmente minha raiva de todos os homens da Terra se dissipar e eu só odiar alguns deles.
Fecho a tela do computador e passo os olhos pelo quarto. Estou entediada e ainda é cedo para dormir.
Vejo a caixa do berço encostada na parede ao lado da porta e não consigo não sorrir. Me levanto e olho bem para o quarto, imaginando que se eu reorganizar a disposição dos poucos móveis, o berço ficaria perfeito logo abaixo da janela. Onde ela poderia pegar sol e se acostumar com os variados sons de Nova Iorque.
— Você vai ser uma boa colega de quarto? Nada de chorar de madrugada, está me ouvindo? — Suspiro pesado. Falta pouco.
Eu montaria o berço se soubesse por onde começar, mas minha destreza com ferramentas se iguala a minha destreza com ginástica olímpica. Eu não sou uma ginasta.
Volto a abrir a tela do computador e o e-mail me deixa emburrada de novo. Fecho a janela com força e passo os próximos quarenta minutos absorvendo nada nas redes sociais. Mesmo assim, não consigo parar.
Vejo as fotos de alguns colegas da escola ou da faculdade, pessoas com quem não tenho contato algum a não ser esse tão superficial. Eu não reajo às postagens, gosto de me manter oculta como um fantasma cibernético. Não que importe eu ache que minhas reações mudem algo de verdade.
Alguns se casaram, alguns já estão tendo segundo filho. Outros viajaram ao redor do mundo e há uma pequena, mas considerável, parcela de uns que estão presos. Alguns de nós esperam para serem pais pela primeira vez e outros ainda estão buscando seus propósitos.
É engraçado como ninguém sabia como esse futuro seria. A vida se ramifica e cria novas possibilidades cheias de possibilidades novas.
A barriga pontuda e pintada de rosa de Ashley, uma garota que conheci no último ano da faculdade e que era bastante irritante, mas sabia com quem comprar uma boa maconha; me chama a atenção para o detalhe de que eu não postei nada sobre a minha própria gravidez. Agora que não é mais segredo, fico tentada a fazê-lo. Mas pensar em me encaixar numa pose para postar para pessoas com quem eu nem tenho contato me dá muita preguiça. Todos que eu amo sabem e eles já me viram, alguns até já sentiram a fúria do chute da Celina nas palmas de suas mãos. É tão delicado, quero deixar isso somente entre a família. Por mais maluca que ela seja.
Continuo rolando a tela até que vejo uma foto de Nick ao lado de um chef famoso de Seattle. Eu sei que ele é famoso, pois, Sophie diz que a comida dele é "abismal" e acreditei que isso era uma boa coisa por muito tempo até ela esclarecer que tudo não passa de uma fachada bem bolada de marketing. O tal chef não assina o menu, não cozinha. Ele basicamente sai bem nas fotos com clientes no salão e suas redes sociais são gigantes por isso. Os preços exorbitantes em pratos sem alma.
Minto para mim mesma, me dizendo que estou analisando criticamente o ambiente do restaurante quando na verdade, estou aumentando a foto para ver melhor os músculos de Nick marcados pela camisa de linho.
Eu li sobre os surtos aleatórios de tesão após o quinto mês, mas não levei em consideração que eles poderiam ser tão poderosos. Eu nunca quis tanto transar em toda a minha vida. Guiada por este instinto selvagem, meu próximo movimento é reagir à postagem de forma enigmática o suficiente para atraí-lo até uma conversa privada.
O som de mensagem chegando não me surpreende. Mordo o lábio inferior e me demoro a pegar o celular e responder por ali.
Nick é um bom rapaz. Sempre respeitou o fato de eu ter um namorado e na verdade, nunca me deu sinais de que sentia algo por mim, mas agora tudo está diferente.
É humilhante perceber que todo o meu jogo de sedução é antiquado e ineficaz. Apesar de minhas frases estarem cheias de ambiguidade, Nick está vazio de interpretação de texto. Resolvo ser mais direta, mas não tanto. "Você anda malhando? Não tive tempo de sentir seus músculos da última vez que nos vimos".
E foi o necessário para girar uma chave em Nicholas.
Ele digita tão rápido. Toda a marra formal e descolada desaparece e algumas palavras até saem escritas de mal jeito. Ele usa cantadas que derrapam entre a linha tênue do que é sedutor e o que é simplesmente obsceno e grosseiro.
Ler as expectativas sexuais de Nick na tela de meu celular me faz perceber que eu sou péssima nessa coisa de namoro pela internet. Chega a ser hipócrita da minha parte fazer a vida compreendendo os mecanismos da mente com relação às redes sociais e toda essa engenharia social necessária para vender a alguém um produto ou uma ideia, se minha realidade acontece inteiramente fora das redes e eu simplesmente não sei como reagir a esse imediatismo vazio.
Percebo também que não devo confiar em meus hormônios, pois agora estou presa em uma conversa constrangedora com um antigo colega de trabalho. Nick nem estranha a minha ausência de respostas, ele só continua me dizendo profanidades enquanto eu busco uma brecha para lhe dizer que estou ocupada e escapar da conversa.
— Eu não preciso transar. Eu não preciso transar. Eu não preciso transar. Eu não preciso... — Solto o ar com força, irritada por não conseguir acreditar no mantra. Ouço uma risada e encaro a porta com os olhos arregalados. Bloqueio a tela do celular rapidamente, como se escondesse algo que estou fazendo e que é errado.
— Você disse que precisa transar? — pergunta corado e eu me odeio por ter deixado a porta aberta. Maldito calor.
— Eu disse que não preciso, na verdade. — O encaro sem jeito e ele entra no quarto. encosta a porta, mas não a fecha completamente. Ele cruza os braços na frente do corpo e volta a me olhar, ergue uma das sobrancelhas e eu vejo quando a pergunta nasce em sua mente. — Com quem estava falando? — Ele franze a testa e eu estalo a língua dentro da boca, buscando por uma verdade alternativa.
— Sozinha. — parece não acreditar e eu decido continuar contando essa verdade alternativa. — Estou me convencendo de que o caminho da abstinência é a melhor opção para mim. A última vez que tive contato com o sexo oposto, o resultado foi este aqui. — Acaricio a barriga carinhosamente e ri.
— Na minha humilde opinião, acho que foi o resultado de um excelente trabalho em dupla. — diz malicioso e eu o encaro divertida.
— Isso eu não posso negar. Faz tanto tempo... Você ainda se lembra? — Sustento o olhar malicioso. É impossível, eu sei, mas faço meu melhor para entrar nesse jogo de sedução com alguma segurança. umedece os lábios com a ponta da língua, eu engulo em seco — audivelmente.
— Está brincando?! É claro que me lembro. Acredite, eu me lembro o tempo todo, até nas horas mais inoportunas. — Ele confessa me fazendo rir.
— Que pervertido... — Repreendo ainda rindo, afinal, quem pode culpá-lo? Somos dois artistas apaixonados pela tal arte.
— Foi você quem perguntou! — Acusa rindo. — Meio que foi a última vez em que eu transei também, manter essas lembranças vivas me ajudaram bastante em noites solitárias. — Ele diz cauteloso e espera, pois sabia que eu riria. E eu ri.
— Obrigada, eu acho. — Ele assente divertido.
— Bem, já que estamos fazendo elogios, você merece muitos pontos por flexibilidade. E aquilo que faz com o quadril... — parece perdido em memórias divertidas. — Não! Aquilo que você faz com a língua enquanto olha dentro da minha alma... Ah, não consigo decidir. — resmunga e parece se derreter encostado na parede.
Não consigo mais jogar.
— O que você está fazendo? — Pergunto estranhando minha própria calma, observo andar de um lado para o outro na minha frente e então, ele para e ri nasalado.
— Eu só queria te ver. — Dá de ombros e eu sorrio, é inevitável. — Andrew acabou de ir embora e acho que bebi demais para ter falado tanto assim sobre sexo. Me desculpe por isso. Por que me deixou falar tanto sobre sexo? — Tudo se descomplica rapidamente. está bêbado. Não há nada mais interessante do que um bêbado.
— Fecha a porta. Sente-se aqui! — Digo animada demais, estou empolgada e nem consigo esconder.
— Ok. — Ele responde rápido e faz exatamente o que eu disse.
— Então... Seis meses sem transar? — Chego a apoiar o rosto na mão, ansiosa por ouvir o que ele tem a dizer.
— Não por falta de oportunidade, se é que você me entende... — prende uma risada e eu rolo os olhos.
— De repente, essa conversa ficou tão desinteressante. — Comento entediada e ele ri, sabendo que me atingiu.
— Eu não consegui. Te fiz uma promessa, . Pretendo cumprir essa promessa. — diz sério e eu não estava esperando por nada assim. E então, não sei como prosseguir.
— Ahm... ... — Mordo o lábio inferior e tento pensar em algo para dizer que possa impedi-lo de dizer algo impulsionado pelo álcool.
! — Ele resmunga meu nome e faz com que ele soe adorável e necessário. — Por que você deixa tão impossível para mim amar você? — respira pesado e solta o corpo sobre a cama. As mãos escondem o rosto e ele grunhe frustrado. Sei que ele está externando emoções bastante complicadas e dores que eu causei, mas por que ele tem que fazer parecer tão irresistível?
— Você ainda me ama? — O encaro assombrada com o quanto esse sentimento é poderoso.
— É claro que sim. Eu nunca deveria ter dito o contrário, é ridículo o quanto eu te amo. — Ele encara o teto e parece chateado. Deve ser mesmo difícil amar alguém que não merece seu amor.
— Eu te amo também. — Digo baixo e sorri triste. Sua mão alcança a minha e ele entrelaça nossos dedos.
— Preciso que você prometa que vai ficar tudo bem. Você tem que prometer, . — pede com os olhos cheios de lágrimas e eu assinto.
— Eu prometo. Vai ficar tudo bem. Somos nós, o que pode dar errado? — Digo sorrindo e ele aperta minha mão.
— Posso dormir aqui com vocês esta noite? — Ele pede baixinho e fecha os olhos enquanto respira fundo. Concordo com um som de fundo de garganta e o vejo se inclinar para deitar a cabeça em meu colo.
Apoio o computador no lado vago da cama e estou incerta sobre o que fazer com as mãos. se aconchega e sinto a pele de seu pescoço em minha coxa. A sensação é tão familiar que instintivamente, acaricio seus cabelos e ficamos assim até que a dor em minha lombar começa a incomodar para valer.
traz o jantar para o quarto e comemos o que sobrou de macarronada.
— Diz aqui que essa cadeira reclina em 90°. Parece confortável. — diz indeciso com as opções de cadeira de amamentação.
Decidimos por evitar as cores óbvias do que se espera de um quarto de menina. Todos os móveis maiores são brancos com poucos detalhes de um verde claro e acolhedor.
fica mais sóbrio conforme se aproxima de mim. Ele é focado nesse tipo de missão e é divertido fazer esse tipo de pesquisa com ele. deixa minhas maiores e menores preocupações mais leves, buscando exatamente o tipo de informação que sabe que me tranquiliza. Além de um bom gosto impecável, ele também se preocupa com a segurança da filha e garante que montará pessoalmente cada um dos móveis.
— Acho que consigo montar os móveis e pintar o quarto em uma semana. Talvez menos, se Andrew ajudar. — enxerga além do que pode ver, fazendo toda a matemática necessária para ser bem-sucedido neste tipo de tarefa.
— Certo. Nós decidimos sobre a cor das paredes? — Pergunto abrindo minha própria planilha de controle mental. Ficamos entre amarelo, branco e verde claro.
— Sempre que penso nela, imagino um claro, calmo e alegre tom de verde. É minha cor preferida e não minta, aquele gemido que você soltou ao ver as amostras de tinta, me diz que você gostou também. — Ele ri ainda sem me olhar e não vê quando rolo os olhos.
— Eu gosto do tom mentolado de verde. Mas talvez não em todas as paredes. — Digo pensativa e ele me olha finalmente.
— Você quem manda. — Diz resoluto e eu o vejo se levantar e tirar da carteira do bolso.
— Tudo bem se não conseguir tempo para fazer tudo. Nós podemos dar um jeito e ela vai ficar bem. Ela pode dormir aqui comigo ou no seu quarto com você. — Sugiro um tanto incerta e ele assente sem me dar muita atenção. — O que está fazendo? — Pergunto curiosa e tento ver por cima da tela. se afasta ainda concentrado e ao terminar de checar os dados no cartão de crédito, ele sorri satisfeito.
— Não duvide das minhas capacidades de pintor e, acabei de comprar a sua lista de desejos. — Ele ergue as sobrancelhas e sorri convencido.
— Não. — Digo obstinada e ri.
— Não tem essa de "não". Está feito. E já que eu não posso ajudar com as despesas médicas, quero fazer isso. — Ele diz calmo e eu o encaro contrariada. — Nós temos muitos gastos para dividir pela frente, se é isso o que te preocupa. — Ele ri e eu rolo os olhos.
— Não é isso. É que deve ter custado uma fortuna e eu já estava cuidando disso. — Digo baixo e ele fecha o computador, respirando pesado.
— É só uma coisa a menos para se preocupar, . Me deixe fazer pelo menos isso. — Ele pede sincero e eu volto a encará-lo, sendo parcialmente dissuadida. — Pensei no que você disse sobre ela ter dois quartos onde dormir. E se fosse só um? — morde o lábio inferior em antecipação.
— Eu achei que você já estivesse sóbrio. — Levanto os olhos da tela do celular e vejo que ergue uma das sobrancelhas, irritado.
— E eu estou! — Diz alarmado e eu prendo um riso.
— Então... Você vai pedir a guarda dela? Alegar que sou maluca e incapaz de criá-la? Você vai dar o fora? — Pergunto fingindo me exaltar conforme as perguntas surgem. rola os olhos impaciente e não acha nem um pouco de graça.
— Ah, meu Deus. ! Estou tentando dizer que quero que venha morar comigo. — diz um tanto indignado e espera que eu o responda. Mas meu cérebro congela.
— Eu realmente preciso perguntar de novo: o que você está fazendo comigo? — se afasta e solta o ar dos pulmões com força.
— Eu não sei... Eu só... Você pode, pelo menos, pensar no assunto? — Ele diz ainda um pouco impaciente, mas isso é importante para ele. Eu sei. — Vai ser uma loucura dividir os cuidados dela em duas casas. Não quero ser o responsável por impedir que vocês tenham a ligação da amamentação quando ela estiver comigo, e, não quero que você não tenha a escolha de descansar no meio da noite quando ela estiver aqui com você. É só óbvio demais para ignorar a possibilidade. — Ele desabafa e eu finalmente consigo desviar o olhar do dele. Ele tem um pouco de razão. Há razões o suficiente para não descartar a ideia tão facilmente, mas há ainda mais razões para achar que é absurdo.
— Desde quando você tem pensado nisso? — Não consigo não sorrir. e suas propostas tentadoras.
— Não é como se eu já não tivesse pensado em morar com você antes. Agora nós temos a melhor razão para isso. — Ele explica mais calmo.
— Você parece ter tudo sob controle. Que inveja. — Digo honesta e ele ri.
— Estou tentando deixar a matemática de lado, mas é impossível. Quero ser um bom pai e aparentemente não dá para ser um se você não se prepara para a matemática da coisa toda. Ainda mais no nosso caso. — me encara por um tempo e eu me lembro de lembrar de toda a mágoa que eu o causei. Merda!
— Como este grande quadro de equações que a sua cabeça se tornou vê a nossa relação? — Pergunto sobre o grande elefante branco no cômodo e coça a cabeça, nervoso. — Como dormir juntos, criar uma filha juntos. Mas não estarmos exatamente juntos? — Detesto ser eu a pessoa que traz à tona este pequeno e pesado detalhe.
— Eu não pensei nessa parte. Sinceramente só pensei no que pode ser melhor para a Celina. — Assinto devagar.
O cheiro da fumaça de um cigarro entra pela janela e eu praguejo a vontade de mergulhar nesse dilema com a companhia de um bom trago. Sei que é Amanda fumando, pois, ouço a conversa animada dela por telefone há vários minutos.
— Pensei que não pudéssemos mais fumar aqui. — diz contrariado e vai até a janela, a fechando.
— Na sacada, pode. — Digo sem interesse no assunto, pois, pensar no assunto me faz querer fumar e eu não devo. Nem quero de verdade. Só estou em pânico porque me desmonta e eu não quero que ele tenha mais esse poder sobre mim.
— Você tinha razão hoje cedo. Quer dizer, não completamente. Não acho mesmo que seja perda de tempo tentar consertar as coisas entre nós. Independentemente do resultado, ainda seremos pais dela e devemos a ela o mínimo de civilidade. Mas faz sentido que isso não seja exatamente uma prioridade agora. — diz com cuidado e talvez, essa seja a primeira vez que estamos falando abertamente sobre o nosso futuro como uma dupla. Independente da origem do sentido dessa parceria, nós somos parceiros. — Eu estarei ao seu lado para o que precisar. Mas ainda tenho que retomar o controle da minha vida. Não está sendo exatamente fácil, espero que entenda. — Assinto e sorrio agradecida por sua sinceridade.
Fico olhando se distrair com um fio solto do cobertor enquanto sou tomada pelo entendimento.
Eu nunca pensei em quando nosso relacionamento acabaria, de fato. esteve presente em minha vida por tanto tempo que é estranho tentar me lembrar dela sem ele. Se não sendo meu namorado, ele estava lá sendo meu amigo e confidente. Agora que esse momento chegou, é estranho que eu tenha a maturidade para compreender e aceitar. Talvez seja a segurança em saber que ele sempre vai estar logo ali que me conforta.
Uma calma me envolve e mesmo triste, pela primeira vez em meses, me sinto em paz.

Estou pronta para dormir e guardo o creme que acabei de passar no corpo na mesinha de cabeceira. Vejo hesitar no pé da cama pelo canto de olho. Percebo que estou sentada no meio da cama e deslizo o corpo para o lado onde costumo dormir se estou com ele. Sem dizer nada, bato a palma da mão no lugar vazio, afastando o cobertor de modo bastante sugestivo.
está claramente nervoso. Ele respira fundo e se senta ao meu lado, parece mais difícil ainda para ele fazer isso se eu estou acordada.
Balanço a cabeça achando engraçado e me deito, virando a barriga para o lado oposto ao dele. Cubro meu corpo e desligo a luz do abajur. A posição é desconfortável e ele espera que eu me vire três vezes antes de perguntar.
— Precisa de mais espaço? — A voz hesitante e as bochechas coradas me fazem negar rapidamente. — Certo... — Ele diz engolindo em seco. se deita de barriga para cima e encara o teto.
? — Chamo tímida e ele vira a cabeça para me encarar. — Será que... Você se importa que eu apoie minha perna sobre a sua? — Digo sem jeito, mas sinto o corpo pesar sobre a barriga. — É que o peso da barriga me faz ficar virada para baixo e machuca um pouco... — arregala os olhos e imediatamente se ajeita para que minha perna fique dobrada sobre sua coxa. O apoio perfeito. A preliminar antes do conforto me deixa constrangida, mas eu não sou a única. Enquanto decido onde deixar o joelho, esbarro sem querer em sua região íntima e mesmo sabendo que não o machuquei eu peço desculpas.
— Tudo bem. — diz rápido. — Posso apagar a luz? — Ele murmura e eu concordo. apaga a luz do abajur ao seu lado e quando volta a se deitar, tomo a liberdade de abraçá-lo pela cintura, apoiando a cabeça em seu ombro.
Pego no sono enquanto tento inconscientemente sincronizar minha respiração com a dele, que é tão calma, profunda e relaxante.

Acordo irritada por ter que fazer xixi com tanta urgência. Me levanto e quando volto, ainda está dormindo tão pacífico que parece até um crime acordá-lo com minha movimentação na cama. Decido terminar de acordar na sala e ouço o som mínimo de um diálogo bizarro acontecendo em um desenho animado.
Ando até a televisão, a fim de desligá-la e vejo Amanda sentada no chão da varanda, mudo o foco de minha atenção para ela. Amanda enrola um cigarro de maconha e percebo que seus olhos estão inchados e o nariz vermelho de quem chorou bastante.
— Os desenhos animados eram tão psicodélicos assim quando éramos crianças? — Pergunto com a voz ainda rouca de sono. Amanda ri baixo e então, levanta os olhos úmidos em minha direção.
— Eu não lembro muito bem dos desenhos da nossa época. Mas se eles eram assim, explica porque os adultos da nossa geração são tão ferrados da cabeça. — Amanda reclama amarga. Vou até ela e me sento sobre os calcanhares, decidindo ir direto ao ponto.
— O que houve? — Digo me espreguiçando.
— Robert. O que mais poderia ser? Ele está me enlouquecendo! — Ela ri sem emoção antes de passar a língua pela lateral do papel, juntando tudo em um tubo e enrolando a ponta. Amanda acende o baseado numa tragada forte e segura a fumaça no peito por algum tempo. — Estamos em momentos diferentes. — Ela diz com a voz engraçada. A fumaça escapa por seus lábios e ela a solta para o ar antes de voltar a falar. — Eu tenho coisas a fazer e ele decidiu viajar. Ele sabe que preciso estar aqui se você precisar de algo. Ele não compreende meus motivos e os meus limites, isso é inaceitável. — Amanda reclama e sua expressão indignada se acentua com a ausência do esperado argumento que a creditaria.
— Amiga, você não precisa deixar de viver a sua vida e aproveitar o seu relacionamento por minha causa. Eu amo você por tudo o que você tem feito, mas talvez Rob tenha razão. Foi um ano bizarro para todos nós e vocês estão no início de um relacionamento, esse tipo de atividade pode aproximar ainda mais vocês dois. — Amanda abre a boca em pura incredulidade, eu me calo imediatamente.
— Ele não entende que temos um bebê a caminho. Acredita que Rob comprou passagens com a data para um dia depois do parto? Acredita naquele cretino desgraçado? — Pisco os olhos algumas vezes e dou algum tempo para que minha amiga reflita no que acabou de dizer.
— Amanda, eu vou ter um bebê em breve. Você é parte essencial dessa loucura, eu sei, mas isso não pode te impedir de viver algo pelo qual você esperou tanto. Rob está aqui agora e ele te ama. Está disposto a passar por toda essa loucura por você e ele pede alguns dias longe disso e você nega? — Digo achando graça. Parece mesmo ridículo. — Esse fardo nunca deveria ter sido seu, meu amor. Você fez o melhor que pode e garantiu que nós chegássemos até aqui. Desse ponto em diante, eu dou conta, juro. Vá a essa viagem, aproveite ao máximo esse estágio do relacionamento. Nós vamos ficar bem. — Garanto e ela se mexe inquieta no lugar.
— Não é nenhum fardo. Eu prometi estar ao seu lado até o fim. — Amanda diz irredutível. Eu amo a forma feroz com a qual ela nos defende e cuida de todos nós. Sua paixão e lealdade são indiscutíveis e talvez por essa razão, esteja na hora de convencer essa mulher a se permitir ser cuidada.
— Do que você tem tanto medo? — Amanda desestabiliza e desvia rápido o olhar do meu. Dá mais uma boa tragada.
— Eu não estou com medo. — Resmunga me fazendo rir.
— Está sim! Rob tem seus defeitos, mas não é nenhuma falha de caráter. Ele te ama, Amanda. Talvez seja a hora de você deixar que ele faça isso. — Cutuco sua barriga e ela ri sem jeito.
— Mas e se você precisar de algo? — Pergunta teimosa e eu rolo os olhos.
— Eu preciso. Preciso que a madrinha da minha filha tenha muito sexo bêbado no terraço de algum hotel caro, que aproveite seu relacionamento perfeitamente saudável e tenha uma vida louca, longa e completa. — Amanda morde o lábio inferior considerando meu ponto de vista.
— Talvez você tenha mesmo razão. Eu totalmente me vejo transando bêbada no terraço de algum hotel em Dubai. — Amanda divaga e eu rio.
— Certo, minha filha precisa de uma madrinha que não esteja presa do outro lado do mundo por atentado ao pudor. — Aviso e Amanda volta a rir.
— Por que você acha que ele é um advogado? — Amanda me olha como se fosse óbvio. — Você tem razão, acho que levei isso de "nosso bebê" um pouco à sério demais. — Amanda assume com dificuldade. Ela apaga o baseado e respira fundo.
— Eu te amo por isso. — Digo alcançando sua mão com a minha. — Mas estou contando com todo esse senso comunista para a troca de fraldas sujas. — Comento divertida e Amanda balança a cabeça de um lado para o outro.
Com uma luz fria do sol da manhã, Amanda parece mais calma e me olha maliciosa. É como ler sua mente e saber exatamente qual assunto virá a seguir.
— Vi que o passou a noite aqui. O que isso significa? — Amanda junta as mãos abaixo do queixo e eu retorço o rosto numa careta.
— Vamos voltar a falar sobre os seus problemas, eles são mais divertidos e fáceis de resolver. — Abano a mão no ar e vejo quando Amanda se ofende. Mas a curiosidade é maior e ela volta a me encarar com expectativa.
— Vocês dormiram juntos? Vocês transaram? Vocês vão voltar? — O suspiro surpreso com as próprias teorias quase me faz rir.
Contar a Amanda torna o término real, então, eu tomo alguns segundos antes de responder todas as perguntas de uma vez.
— Sim. Não. Não. Quem transaria com uma grávida de quase sete meses? — Rio de minha própria desgraça e Amanda me encara séria.
— Vocês terminaram de vez? — Assinto e forço um sorriso bom o suficiente para que ela entenda que está tudo bem. E está.
— É o melhor a se fazer. Assim, podemos focar em criar uma boa pessoa para este mundo horrível. — Amanda suspira e vejo que ela tira algum tempo para prestar o luto à relação. Ela é nossa fã número um. Odeio decepcioná-la desse jeito. C'est la vie.
— Você tem se olhado no espelho ultimamente? — Amanda volta a falar e ali vejo uma das maiores qualidades de minha amiga: ser a melhor de todas em mudar de assunto.
— Sim. Eu continuo grávida de seis meses lá também. — Amanda rola os olhos.
— Não são só as mudanças óbvias, como esses dois planetas no seu colo. Mas a gestação te trouxe um ar de sabedoria, é super sexy. — Ela ergue as sobrancelhas de um jeito cafona e eu ignoro completamente o comentário sobre meus peitos.
— Eu gosto de saber que pareço sábia. Talvez eu seja mesmo. É possível ser sábio às avessas? Tipo, fazer tudo errado com maestria? — Amanda me encara indignada de novo.
— Então. Acabou mesmo? — Ela decide me castigar por ser engraçadinha.
— Sim. Mas ele diz que quer que eu vá morar com ele. A logística para cuidarmos da Celina flui melhor assim. — Digo convicta e Amanda gargalha.
— Essa é a coisa mais imbecil que o já disse na vida. Eu sei que foi ideia dele. O que é ridículo e não vai funcionar. Vocês são tão idiotas. — Ela para e ri um pouco mais. Começo a ficar ligeiramente ofendida e espero paciente até que ela pare de rir. — O que acontece quando um de vocês quiser sair com alguém? Vão dividir o berço com a Cece? É ridículo, me faz sentir ridícula por ouvir você dizer essas palavras tão ridículas.
— Eu vejo que você se opõe. — Digo irônica e acompanho sua risada. — Eu também acho que pode ser mais prejudicial do que benéfico para todos nós e vou declinar gentilmente o convite. — Explico um pouco irritada e Amanda respira fundo.
— Como nossas vidas ficaram tão malucas? — Pergunta divertida.
— Eu culpo os desenhos animados. — Dou de ombros.
— Não diga isso. Carregar uma bigorna no bolso de trás sempre foi bem útil. — Amanda comenta distraída e eu acho graça.

O mundo agora parece um pouco mais amargo. Mas meu paladar ainda está se habituando.
Na hora do almoço, ainda está aqui. Ele encerrou a estadia no hotel onde estava hospedado e trouxe suas coisas para o apartamento. Algumas coisas básicas como água, luz e internet são coisas que levam algum tempo para serem religadas e ele passa a maior parte do tempo aqui.
É confortável tê-lo por perto. Conversamos e rimos como antes e é fácil esquecer que não estamos juntos quando estamos... bem, quando estamos juntos.
— Que bonitinha, mandando mensagem para o namorado. — brinca e Amanda empurra o pé na direção dele, o afastando.
— Espera um pouco... — Diz concentrada na mensagem e ele puxa o pé dela, começando a fazer cócegas.
Amanda gargalha e derruba o celular no chão. Ela se inclina para pegá-lo e continua segurando seu pé. A movimentação é rápida e de alguma forma, ele cai deitado sobre ela no sofá.
Não acredito no que meus olhos veem e me levanto.
— Eu vou caminhar. — Digo apressada. se levanta rindo e alheio à minha irritação e eu o odeio por isso. Ele costumava perceber.
— Espera, vou com você. — Ele diz ofegante e eu o encaro séria.
— Não. — Digo ríspida e ele murcha o sorriso. Me encarando confuso.

Ando devagar e preguiçosa. É tarde e o sol está bem no alto do céu. Me irrito com a voz monótona do aplicativo que monitora minhas caminhadas. "Vamos lá, mamãe”. “Só mais um pouco, mamãe". A cada cinco minutos interrompendo minha lista de reprodução motivadora com cantoras fortes que sobreviveram ao pior. Bem, algumas delas não sobreviveram, mas tiveram a força para transformar dor em arte. O que de alguma forma significa viver para sempre através da obra.
Cansada de andar e pensar em e Amanda enroscados no sofá. Decido parar em um pequeno parque com brinquedos para crianças pequenas. Nunca paro ali, pois, acho estranho um adulto observar crianças brincando no meio do dia sem ter parentesco com nenhuma delas. Mas minha barriga é grande o suficiente para ser vista do espaço agora, então talvez não tenha problema.
Busco um dos bancos cobertos pela sombra de uma árvore e observo primeiro as mães e babás espalhadas pelos outros bancos. Tão sérias e atentas. Quase esperando que algo dê errado para que elas entrem em ação. Meus olhos viajam até os brinquedos e vejo as crianças correndo e brincando por ali. Elas gritam entre si e demonstram uma alegria genuína por estarem ali, brincando. Todas tão alheias às mazelas da realidade da vida adulta, onde não se pode gritar com as pessoas por aí. Crianças distantes de um futuro possivelmente caótico e incerto. Mas elas brincam, porque não sabem que de fato há alguma coisa por vir. Não esperar por nada é surpreendente, por mais óbvio que seja. Eu esqueço isso sempre.
O riso frouxo e agudo de uma das crianças me faz rir e acariciar minha barriga.
Não vejo a hora de conhecer a Celina. Sentir seu cheiro e ouvir cada som que ela fizer. Me pergunto se ela já tem algum cabelo. Se teria as bochechas gorduchas e os olhos puxados do pai. Os detalhes de uma mistura nossa me deixa feliz. Ela será linda.
A paz é suspensa momentaneamente. Uma menina de, no máximo, cinco anos cai da estrutura colorida de madeira. Por ser pequena e desengonçada, ela tropeçou nos próprios pés enquanto corria para o escorregador, caindo para fora de uma altura considerável. O som de seu corpo pequeno caindo na areia fofa faz todos congelarem no lugar.
A menina percebe que está no chão, mas antes estava nas alturas. O momento de compreensão da menina vem com um grito seguido de um choro tão sentido. Ela descobre que, se sobreviver, terá de refazer todo o percurso até o alto do escorregador e chora ainda mais. Nessa hora, uma mulher de cabelos curtos e ruivos se aproxima dela e a abraça por um momento. A menina estar de pé e mostrando onde está machucada é um sinal de que, sim, ela vai sobreviver. A mãe, e eu sei que é a mãe pelo jeito como a mulher olha o machucado da filha e a tranquiliza. A mulher a pega no colo e se aproxima do mesmo banco onde estava antes.
A menina ainda chora e encara o próprio sangue no cotovelo. Ela ainda não sabe que terá uma cicatriz imperceptível e esse momento assustador não vai passar de uma memória.
A mãe limpa o machucado com paciência. Cobre com um curativo cor-de-rosa e limpa a sujeira na roupa da menininha. Ela limpa as próprias lágrimas e decide que é o momento de tentar de novo.
Ela volta sozinha para a caixa de areia. Está determinada e então, ela dá a volta na casinha de madeira e sobe as escadas feita de cordas. Outras crianças a incentivam também e comemoram junto com ela quando ela chega ao final do tubo vermelho. A missão está cumprida. Ela refaz o caminho e no alto, ela mostra com entusiasmo seu curativo para as outras crianças. É simplesmente magnífico.
A cena fofa me faz sorrir. O cotidiano me mostrando um caminho para uma epifania.
A vida é cheia de momentos em que nós caímos e temos de nos levantar por qualquer motivo que seja. O que quer que seja que está do outro lado é melhor do que ficar onde está.
Procuro em meu joelho e sorrio ao ver minha própria cicatriz, a que ganhei graças ao skate. Um lembrete de que sobrevivi àquilo e a várias outras coisas entre àquele momento e agora.
Me levanto decidida a dar a volta na casinha de madeira e escalar minha própria escada de cordas figurativa. Melhor ainda, eu preciso me tornar a mãe calma que acalanta seu bebê em dificuldade e lhe dá tudo o que precisa para que ele possa tentar de novo. Com ou sem medo. Aceitar o papel de alguém que sabe que a vida é uma loucura e que pode haver alguma lição entre os altos e baixos, se você estreitar os olhos para poder enxergá-las.
Eu levei a vida inteira para aprender isso e espero que possa ensinar o quanto antes para a Celina. Ela merece saber que errar faz parte e que eu sempre vou estar ao lado dela para quando ela quiser tentar de novo e de novo.


— Eu preciso pegar leve na bebida hoje. — Andrew diz antes de virar uma dose de tequila. Ele segura o limão entre os dentes e solta um gritinho animado.
— Faz o que? Sete meses? Como você está aguentando? — Sophie sorri agradecida ao marido quando ele lhe serve uma dose também. Mas volta a me olhar com pesar.
— Vocês falam como se eu fosse uma alcóolatra em recuperação. Eu me abstenho de bom grado. Eu sei que a sua mãe bebia quando estava grávida de você, Andy. Não quero repetir o mesmo erro com a minha filha. — Brinco ácida e Andrew me olha enviesado.
— Lave a sua boca com licor de pêssego antes de falar da mamãe! — Ele aponta o dedo em riste e eu rio antes de dar um bom gole em meu refrigerante de limão.
— Sinto falta da bêbada. Foram bons tempos... — Sophie diz saudosista. — Lembram daquela vez que roubamos o carro do seu pai para atravessarmos a cidade? O que nós íamos fazer mesmo? — Se virou para que deu de ombros. São tantas histórias malucas que é difícil nos lembrarmos de todas.
— Ahm... Sophie... — Amanda diz desgostosa e eu me lembro do que houve.
— Nós não fomos a lugar algum além da emergência do hospital. Você bateu o carro na cerca do senhor Troskalski e eu fiquei de castigo por um ano! — Acusei e ela riu, se lembrando também.
— Eu me lembrava do desfecho dessa história de um jeito bem diferente. — Ela comenta e todos riem.
— Provavelmente foram os remédios que você tomou por um tempo por causa do seu braço quebrado. — Andrew relembra e a mulher resmunga.
— Certo. O que esta história tem a ver com a minha versão bêbada? — Pergunto curiosa e Sophie rola os olhos.
— A ideia foi sua, . — Ela diz irritada e eu rio mais.
— Ah, é... Foi mesmo! — Encaro e me lembro exatamente o que eu queria fazer do outro lado da cidade naquele dia. Uma chuva de meteoros aconteceria naquela madrugada e eu queria assistir com , pois, ele era o único animado com isso além de mim.
— Senti falta disso... De todos nós juntos. — Amanda diz emocionada de novo. Ela está sentada no colo de Rob, que assiste a tudo com certo desinteresse e eu não o culpo. Ele simplesmente não viveu nenhuma daquelas histórias conosco. Enquanto roubávamos os carros de nossos pais ou ficávamos chapados em algum porão, Rob era um bom menino da igreja em algum lugar do Wisconsin.
— Você pode, por favor, guardar esse drama todo só para você? Digo, já está sendo difícil o suficiente para a dizer adeus para o de novo, não vamos piorar as coisas. — Andrew diz afetado e eu o encaro séria.
— Eu estou bem, Andy... Não... Se preocupe. — Me inclino e alcanço a mão dele com a minha. — Mas estou aqui se precisar. E parece que precisa. — Ele solta minha mão com certa grosseria e troca um olhar rápido com .
— Vocês não entendem. Ele vai embora e eu fico aqui preso com vocês três. Falta equilíbrio! — Ele grita fazendo a cena toda ficar ainda mais engraçada.
— Rob também vai ficar, não é Rob? — Amanda o traz à tona, como se já não fosse constrangedor o suficiente para ele ser excluído das contas de Andrew.
— Você não precisava ter... Mencionado. — Rob diz sem jeito e como as piores pessoas do mundo, nós voltamos a rir.
— Pense que é só por algum tempo, Andy. Eu vou voltar. — diz manso, confortando o amigo que assente ainda descontente.
— Ele disse a mesma coisa para mim. — Comento venenosa, ri baixo e ergue uma das sobrancelhas, me desafiando.
— Nós já podemos fazer piadas sobre isso?! — Andrew parece contente de novo e eu detesto acabar com sua alegria.
— Eu posso. — Esclareço e ele volta a murchar os ombros, Sophie o ampara escondendo uma risada e eu vejo todos os casais no cômodo se abraçarem e se beijaram de forma nada discreta.
Encaro e ele ainda ri, entendendo exatamente o que minha expressão forçadamente entediada significa.
— Amanda segurou vela para nós por anos. Nada mais justo que devolver o favor. — Digo alto e balança a cabeça quando Amanda nos levanta o dedo do meio sem nem se importar em parar de beijar Rob para nos insultar.
— Eu adoro quando deixamos um ao outro constrangidos. — Sophie diz para o grupo e Andrew concorda com um sorrisinho nos lábios.
— Eu não adoro tanto... — Comento a encarando de volta e ela sorri maliciosa.
— É porque normalmente é você quem se constrange mais fácil. — Ela responde e eu sou obrigada a concordar. — Tipo, eu sei que você vai ficar corada assim que eu te perguntar se você e o vão voltar a namorar. — Ela diz maldosa e eu olho de soslaio para , buscando por seu apoio. — Não falei?! — Sophie sorri satisfeita.
— É sabido que nossa delicada situação se tornou mais delicada conforme o processo de análise foi se estendendo. e eu somos, acima de tudo, adultos maduros e bem-educados, inclinados a tomar decisões responsáveis e decidimos que o melhor a ser feito sobre esta delicada situação é... — A voz de vai diminuindo de volume conforme Sophie não esconde seu desinteresse.
— O fato de você ter enrolado tanto para responder diz mais que a sua resposta em si. — Sophie diz devagar e está contrariado, mas prefere o silêncio.
— Eu não dou um mês para eles voltarem. — Andrew diz e Sophie concorda veemente.
— Tem a viagem, o parto... Eu dou três meses. Não! Quatro, ele vai esperar que ela se recupere do parto antes de... — Sophie gesticula e Amanda a olha interessada.
— Vocês querem apostar? — Pergunta maliciosa e eu encaro meus amigos com certo desprezo.
— Vocês são péssimas pessoas. — Digo beirando a mágoa.
— Eles estão mesmo apostando quanto tempo vamos ficar separados. — diz baixo, encarando os amigos com tanto ou mais repulsa. Mas então, ele ri e me olha daquele jeito. Daquele mesmo jeito. Quase dez anos se passaram e ele manteve aquele olhar.
— Vamos falar de possibilidades, pessoal. — Amanda bate palmas atraindo a atenção para si e eu não acredito que não vou interrompê-la. — A não quis dizer primeiro, então isso implica que a bola está na quadra do . O que você sabe, Andrew? — O homem põe a esposa de lado e entrelaça os dedos das mãos enquanto reflete.
não tem segurança nenhuma no que diz. O que pode significar que ele ainda tenha dúvidas. Mas conheço como a mente masculina funciona, por isso, continuo firme em meu palpite de um mês. — Ele diz convencido e eu não consigo evitar a curiosidade de saber se concorda com o palpite. Ele desvia o olhar quando eu o encaro e eu me viro para frente tão constrangida quanto ele.
— Eu acho que a é totalmente capaz de reconquistar o . Mas acho que ela vai estar ocupada com uma coisinha chamada bebê recém-nascido. É um trabalhão... — Sophie considera e todos tomam um tempo para pensar.
— Isso foi ótimo. Se ter a sua relação complicada exposta e dissecada para todos pode ser considerada uma coisa ótima. — Digo chamando a atenção. Tento manter o bom humor, mas quero sair correndo.
— Alguém já disse que a dinâmica de vocês é meio dependente e que talvez isso não seja exatamente saudável? — Robert se pronuncia e todos nós olhamos para ele. As palavras não têm um peso de julgamento, mas de uma genuína preocupação. Nos entreolhamos e é perceptível que ninguém ali nunca sequer passou perto daquele pensamento lógico. — Porque se alguém tivesse dito isso, seria loucura! — Ele emenda sua fala com um riso nervoso e evita encarar Amanda diretamente, pois sabe que ela pode pulverizá-lo com o poder de sua mente revoltada pela sugestão do namorado. — Vocês têm uma amizade peculiar e é assombrosamente lindo como vocês se amam. Eu vou me calar agora na esperança de um dia fazer parte dessa família. — Rob suspira e me sinto culpada por não o incluir tantas vezes. Rob faz parte da família há tempos, ele é só diferente de nós, que somos basicamente unidos pela vontade de fazer besteira juntos. Rob é um pouco sem graça. Mas nós o amamos.
— Mas você é da família, Rob. — Andy diz confuso. — Toda família tem aquele membro mais novo que não existia em alguns natais e estranha a história do tio que se engasgou com o osso da sorte no jantar de ação de graças. A família pode tirar sarro dele, mas ele ainda é família. — Dá de ombros e eu sei que Andy está adorando esse momento. Ele e Rob se deram muito bem desde o primeiro instante.
— Graças a você nós somos finalmente um grupo de número par. Sabe como isso me incomodou por anos? — Sophie diz sorrindo de forma maníaca e Rob agradece ainda sem jeito.
— Isso é lindo e absolutamente normal, amor. — Andrew diz condescendente, mas nos encara com estranhamento.
— Tem certeza de que quer fazer parte disto aqui? — gesticula abrangente e encara Rob, que assente e ele ri nasalado. — Então... É isso, cara. Seja bem-vindo. — se levanta e vai até Rob. Que se levanta também com empolgação e vejo que ele está mesmo feliz por ter essa espécie de benção de para coexistir na nossa atmosfera.
— Vocês me fazem querer beber... Não aguento mais estar grávida! — Comento fazendo com que eles riam, mas estou falando sério.
— Queria poder assumir a tarefa por você. — se senta ao meu lado no sofá e eu o olho cúmplice. É fácil agir normalmente com todos em volta e sabendo que nada vai acontecer. Então me inclino e apoio a cabeça em seu ombro e ele imediatamente me ampara pelas costas. Acaricia minha barriga enquanto presta atenção na conversa se desenvolvendo diante de nós.
— Eu poderia totalmente ficar grávido. Só seria um problema não conseguir ver meu... pé por tanto tempo. — Andrew solta uma risada infantil e eu rolo os olhos.
— Acho que se um homem ficasse grávido, esse seria um momento de entrega. As necessidades regulares que são sempre tão egoístas para o homem não se encaixariam nesse contexto de entrega total. — Rob comenta e Andrew troca um olhar impaciente com , que ri baixinho e eu adoro sentir a vibração de seu corpo no meu.
— É por isso que nós te excluímos, Rob! — Andrew diz afetado e o homem murcha os ombros, sendo mimado pela namorada que apesar de rir, o garante que todos nós o amamos.

A despedida é menos dolorosa desta vez. É mais um "até logo" bem comemorado. Andrew e Sophie vão embora após o jantar, Amanda e Rob fogem para o quarto e nos deixam com a bagunça.
leva todos os pratos para a cozinha e eu encaro os móveis afastados. Vou até eles e começo a puxar um por um, até restar somente a mesa de centro, que na verdade, é o item mais leve do cômodo.
Paro um instante para recuperar o fôlego e vejo pelo canto de olho.
— Deixa que eu faço isso. — Diz vindo até mim e eu começo a empurrar a mesa de centro com o joelho mesmo.
— Eu já estou fazendo. — Explico com calma e ele me impede de continuar. Me puxa pelos ombros e levanta a mesa a colocando exatamente onde ela costuma ficar.
— Eu poderia ter feito isso. — Digo convicta, encarando a mesa.
— Mas agora eu já fiz. — Ele diz petulante eu rolo os olhos, irritada.
— Eu sei. Mas estou dizendo que poderia ter feito. Digo, eu fiz todo o resto. — Cruzo os braços na frente do peito e o encaro séria.
— Eu meio que gosto desse seu novo jeito irritado. — Ele diz rindo e eu vejo quando ele cora. — Mas, você não devia carregar peso. Para de ser teimosa. — Conclui e se vira, voltando para a cozinha.
— Eu não sou teimosa! — Reclamo indo atrás dele. solta o pano sobre a pia e suspira antes de se virar para mim.
— É exatamente o que uma pessoa teimosa diria. — Resmungo irritada e prende um riso. — Qual é, ... Você nem amarra os seus próprios cadarços. Por que eu deveria deixar que você arraste móveis no meio da noite? — Ele pergunta e eu me desarmo, mas odeio que ele tenha razão.
— O que é que tem? Eu usava assim antes e ninguém se importava. — Dou de ombros e ri. O que só me irrita mais.
— É fofo quando você age como se não precisasse de ajuda com isso. — Ele diz se aproximando e eu ergo o queixo, o encarando séria. — Mas é que antes, você não estava carregando um bebê por aí. Não quero que você caia. — Ele diz muito carinhoso e se abaixa, amarrando os cadarços de meus tênis. Um de cada vez.
— Eu só... Gosto assim... — Digo teimosa e ele ri, se apoiando em um dos joelhos. levanta os olhos e me encara esperando que eu admita. — Ok. Eu não consigo..., mas você não deveria estar amarrando agora, eu não vou conseguir tirar depois. — Assumo a contragosto e se levanta.
— Eu desamarro para você, não se preocupe. — Ele respira fundo e me encara tão de perto. Abro e fecho a boca para responder qualquer coisa que o contrariasse, mas desisto. Fecho os olhos e inspiro fundo.
— Você não pode ficar fazendo isso. — Digo encarando a gola de sua camiseta. É melhor do que ver aqueles olhos e me deixar levar.
— Isso o que? — Ele praticamente sussurra e eu tomo coragem para encará-lo. Engulo em seco e ignoro seus lábios pelo caminho de seus olhos e quando chego lá, me perco por um momento, mas me lembro o que precisa ficar claro.
— Agir como meu namorado agiria. Você é meu amigo agora, não pode ficar... Você não pode ficar tão perto de mim assim. — Digo me afastando um pouco e levanto a mão impedindo que se aproxime novamente. — Não pode me olhar desse jeito, em hipótese alguma. — Digo séria e volta a rir.
— Como assim, ? Não posso mais ficar perto de você? Ou do bebê? — Ele pergunta rindo de nervoso.
— Não. Não dessa forma. Mas você não pode agir desse jeito, é confuso. — Tento explicar e ele tenta se aproximar de novo.
— Por quê? — Pergunta e eu rio em escárnio.
— Você sabe. Eu não parei de amar você. Então, só pare de me dar mais motivos para te amar, ok? — Sei que o que eu digo é loucura e minha expressão provavelmente denuncia isso. passa um tempo estudando meus olhos e então, ele entende.
— Tudo bem. Mas... Tudo bem se eu quiser fazer coisas que sejam boas para você por causa da gravidez? Tipo... Massagem nos pés? — Inclino a cabeça considerando sua proposta por um instante e meus pés realmente apreciam a massagem que ele faz.
— Posso estar disposta a negociar esse tipo de coisa... — ri baixo, enquanto tento manter a farsa do controle que acho que tenho sobre qualquer coisa relacionada a ele.
— Vamos lá.
me deixa sentada na cama. Levanta minha perna direita e os dedos acariciam a extensão da pele até que ele segure meu tornozelo e com muito cuidado, tira meu tênis e a meia. Ele aplica pressão no centro do pé e a distribui para as extremidades. Respiro fundo e tento reprimir um gemido satisfeito. aperta cada um dos meus dedos e ri baixinho quando um deles estala de repente. Ele repete o processo no pé esquerdo e estou me retorcendo em puro deleite. Ele levanta os olhos para os meus, se certificando de que está indo bem e a imagem me traz boas memórias daquele ângulo. Mordo o lábio inferior com força e deito a cabeça para trás. Praguejando os hormônios e toda a falta de sexo por me deixar tão, mas tão, vulnerável.
— Obrigada. — Digo com os olhos fechados. Não quero encará-lo, pois, gemi como uma gatinha sob seus toques e agora estou com vergonha.
— Não por isso. — Ele diz e se senta ao meu lado. Abro os olhos e ele está inquieto na cama. Sei que quer dizer algo, mas eu não o apresso. O silêncio é calmante e só tê-lo ali é o suficiente. — Não poder fazer coisas de namorado significa que não posso mais dormir aqui com vocês? — Ele pergunta e a voz trêmula denuncia que ele está nervoso com a resposta.
— É bom ter você aqui, . Eu não fico tão... Enfim, você sempre vai ser bem-vindo onde eu dormir. Sem segundas intenções envolvidas. — Digo sincera e ele ri de leve.
— Eu sei que não é o cenário ideal. Mas estou feliz por fazer isso com você. — Ele diz se virando e eu me apoio nos cotovelos, para encará-lo melhor.
— E existe um cenário ideal? — Estamos só nós dois aqui. Não é possível que algo vá nos interromper e evitar que eu tenha essa resposta. Agora sou eu a nervosa.
— Eu amei você por mais da metade da minha vida, . É claro que se eu fosse ter uma família, seria ao lado da minha melhor amiga. — Ele diz como se fosse óbvio e realmente parece ser.
— Foi uma grande burrice esconder isso de você, . Eu sinto muito mesmo. — Ele sorri triste e então se deita ao meu lado, sustentando meu olhar.
— Eu sei agora. E é só o que importa. — Sorrio também e me envolve num abraço. Beija o topo de minha cabeça e acaricia minha barriga. — Não posso garantir que não tenha segundas intenções. — Ele diz devagar.
— Pervertido. — Coloco nenhuma força no empurrão em seu peito. Está mais para puxar do que empurrar. Sinto o tecido de sua camiseta entre meus dedos e aspiro seu cheiro. De alguma forma, essa é a nossa nova dinâmica.

Na manhã seguinte, está com as malas prontas. De novo.
Ele concorda que eu vá até o aeroporto, mas não quer que eu dirija. Superprotetor. Após perder uma discussão, Amanda é quem dirige e por consequência, Rob também vai conosco.
Posso ver que está nervoso. Ele transmite calma e concentração, mas eu sei bem.
Ele volta do check-in e me olha tão desamparado. Vou até ele e entrelaço meus dedos nos dele e o encaro sorrindo. levanta nossas mãos entrelaçadas e passa por cima de minha cabeça, me abraçando pelos ombros. Ele aspira o cheiro de meu cabelo e beija minha têmpora.
— Você vai ficar bem? — Ele pergunta sério e eu passo a mão livre por suas costas.
— Nós vamos ficar perfeitamente bem. — Garanto e ele morde o interior da boca, ainda inquieto.
— Promete que vai me ligar se acontecer alguma coisa? Qualquer coisa? — Assinto e ele bufa frustrado. — Preciso de uma promessa verbal, mulher. — Ele diz alarmado e eu rio. vira meu rosto em sua direção e eu percebo que ele não está brincando.
— Eu prometo. — Digo baixo e minha voz sai engraçada graças ao leve aperto em minhas bochechas. olha fundo em meus olhos, buscando ali a confirmação do que eu disse. Ele demora algum tempo para assentir e sela seus lábios nos meus por uma fração de segundos, só o suficiente para me deixar de olhos arregalados com a surpresa boa.
— Eu vou sentir tanta saudade. — me abraça pelos ombros e sua voz sai abafada pelos meus cabelos.
abraçou Amanda, a mulher aos prantos o faz rir.
— Obrigado por tudo, cara. — diz para Rob com Amanda agarrada a seu pescoço. Ele a passa para o colo do namorado e o cumprimenta com um aperto de mão, pois ela o impede de abraçar o mais novo amigo. — É demais te pedir para continuar de olho nas minhas meninas? — pergunta, apontando para mim por sobre o ombro. Rob ri e balança a cabeça.
— Eu ficaria até se não pedisse. — Ele pisca um dos olhos e acena com a cabeça, sorrindo.
Estou mais afastada deles, esperando entre eles e o caminho por onde passará para o embarque.
Ele ajeita a mochila no ombro e vem até mim ainda sorrindo. Eu não consigo dizer nada e acho que ele também não. sorri abertamente, mas seus olhos estão cheios de lágrimas.
Ele se aproxima e me beija. Um beijo calmo, doce e cheio de saudades. Esse tipo de beijo está se tornando um hábito entre nós. Ele acaricia minha barriga mais uma vez e se afasta sem olhar para trás. E é melhor assim.
Dou meia volta e encontro Amanda, que me abraça de lado enquanto seca as próprias lágrimas. E eu tento de verdade não chorar. Mas é só Rob perguntar se estou bem e eu desabo.

Estou deitada na mesa de exames. Pernas abertas, gel na barriga. Tudo o que tenho direito. O Dr. Portman parece confiante com os resultados dos exames. Assim que posso, troco o avental de papel por minhas roupas e me sinto mais confortável em retomar a chamada de vídeo com .
— Temos um bebê saudável. — O doutor diz distraído com as informações que adiciona ao meu prontuário. — Coração forte, peso e tamanho adequados para 29 semanas de idade gestacional. Tudo parece perfeitamente bem por aqui. — Ele sorri primeiro para mim e depois para , na tela do celular.
Me sinto um pouco boba por segurar o celular com a tela virada para o Dr. Portman, só assim poderia participar da consulta sem que fosse estranho para ele, e eu concordei. Mas acabou ficando estranho para mim. O Dr. Portman parece adorar a situação e aceita participar da chamada de vídeo sem pestanejar. Em certo momento, eu acabo me permitindo achar tudo normal, porque no fim, é bem comum. Pelo menos ele está ali, de alguma forma, ouvindo do próprio médico que está tudo bem.
— Os níveis de líquido amniótico estavam meio baixos no exame anterior. Teve alguma melhora nesse sentido? — pergunta e eu escondo meu alívio por ele ter lembrado. Passei o mês falando disso com tom de preocupação e na hora da consulta, eu esqueço. Talvez seja o nervosismo que me possui e não me deixa pensar direito.
— O líquido amniótico está em 798ml, mas não se preocupe, temos uma margem de erro segura e a tendência é que o volume aumente cada vez mais daqui para frente. — O médico diz categórico e meneia a cabeça.
Saio do consultório e ainda tenho a atenção de . Ele espera até que eu encontre um lugar mais calmo para me sentar e assim possamos dividir ideias sobre os exames que acabo de fazer.
— Você não parece muito bem. Como tem dormido? — Ele pergunta assim que me instalo em um banco no jardim em frente a clínica.
— Que gentil da sua parte apontar desse jeito. — Digo irônica e ele se desculpa com uma risada divertida. — Estou bem agora, mas tem sido difícil. Os enjoos não cessaram como haviam me prometido os livros e eu me sinto inchada e mau humorada o tempo todo. — Resmungo triste e me olha compadecido.
— Já conseguiu falar com Rob sobre o moedor de café? — Ele pergunta interessado e eu rio sem jeito por ele ter se lembrado da minha reclamação de duas ligações antes. Robert adquiriu um moedor de café e todo dia pela manhã, ele acorda mais cedo e moe grãos para um café fresco. Então, ele não me deixa dormir e me acorda com o cheiro que mais me deixa enjoada. É ultrajante! Mas decidi não reclamar de Rob logo agora, que ele e Amanda estão se acertando.
— Ainda não tive coragem. Agora que ele se mudou de vez, tenho um pouco de pena de restringir as coisas que o fazem se sentir em casa. — Tento explicar e meneia a cabeça. Sei que ele não entende, já que é fácil para ele dizer o que o incomoda de forma honesta e educada.
— Você tem a chave do meu apartamento. Você pode ficar lá, se quiser passar algum tempo sozinha. — Ele sugere mais uma vez e eu estalo a língua na boca. Sei bem onde essa conversa vai nos levar.
— No fim das contas, não é tão ruim. Em dias muito ruins, Rob me pede para ofendê-lo por um minuto inteiro. Ele diz ser terapêutico e eu desabafo um pouco também. — pisca algumas vezes, absorvendo o que eu acabo de dizer.
— Não sei o que pensar sobre isso... — Ele ri, mas ainda parece preocupado.
— Ajuda com o trabalho, algo assim... Rob é estranho. — Dou de ombros e ele assente com firmeza.
é interrompido por uma ligação e faz uma careta nada agradável.
— Desculpe, . Preciso ir. — Diz apressado e eu assinto sabendo que poderia ocorrer a qualquer momento, já que estamos nos falando há mais de meia hora.
— Está bem. — Digo tentando não parecer tão triste.
— Você vai ficar bem? — Ele pergunta e o celular notifica uma mensagem. grunhe com o rosto escondido entre as mãos em pura frustração.
— Sim. Nossa menininha está crescendo saudável. Acho que ela também está ansiosa para nascer. — Digo e é involuntário, sorrimos na mesma sintonia. — E você? Parece um pouco... Agitado. — Digo com cuidado, não quero me precipitar em conclusões sobre ele. Foi isso que me meteu em problemas. ri sem jeito.
— Vocês são meu lugar seguro. Nada pode me tirar do meu lugar seguro. — Ele diz confiante, mas parece uma resposta evasiva demais.
— Me liga mais tarde... Se quiser conversar ou... sei lá. — Digo sem pensar muito e acabo percebendo que acabei de dar um passo além do limite. Nossas ligações são somente sobre a Celina e atualizações básicas sobre o bem-estar um do outro. Desabafos íntimos e vindos da alma estão fora dos limites.
Alguém bate tímido na porta e ele acena se despedindo e desligando a chamada.

Ele não ligou.

Eu dei um passo adiante e lhe dei uma alternativa. Algo como um refúgio após um longo e estressante dia de trabalho. E ele declinou deliberadamente.
Busco no fundo de minha mente por algum motivo plausível que me deixe convencida de que uma força maior o impediu de me ligar. O fuso horário, exaustão extrema, insolação, intoxicação alimentar, um meteoro seletivo que atingiu somente a pequena cidade no interior de um dos menores estados do país. Tento me agarrar a qualquer coisa além da razão mais óbvia. Me recuso a acreditar que eu dei um passo e ele foi em falso. De novo.
Suspiro derrotada e deixo o celular na mesa de cabeceira. Tento me esquecer de que ele está ali e tento dormir.
Minha cabeça não me deixa parar de pensar na situação por perspectivas diferentes. E nesse momento desesperador, escolho não me perder dentro de mim mesma e decido que se não quis falar comigo sobre seu dia cheio, então, está tudo bem. Todos temos momentos em que a introspecção parece a melhor aliada para solucionar os problemas, eu mesma faço isso o tempo todo.
Talvez minha maior chateação com a ausência da tal ligação é que eu preciso de colo. Quero reclamar e fazer birra por estar grávida há tanto tempo quanto me lembro. Dizer em voz alta o quanto acho injusta a ambiguidade de minha atual ansiedade, esperar por algo que ainda vai acontecer e ter a pressa de que aconteça logo. São coisas diferentes, mas igualmente tortuosas para alguém como eu, que simplesmente não sabe esperar.

Os planos de ficar na cama até mais tarde são frustrados pelo som estridente do interfone. Os últimos móveis do quarto da Celina chegaram e eu havia esquecido completamente.
Deixo os entregadores subirem e enquanto espero, troco a camiseta velha por uma roupa menos reveladora. Encaro as chaves na mesa de cabeceira antes de pegá-las e vou até o corredor, esperar pelos entregadores.
— Não vamos entregar aqui? — O mais alto diz enquanto apoia a caixa com uma das mãos e checa o endereço no recibo em sua mão livre.
— Não. O pai dela é meu melhor amigo. Ele mora aqui e eu aqui. — Aponto para os apartamentos. — Nós pensamos em morar juntos, você sabe, por causa do bebê. Mas temos muita história e achamos que não daria certo... Estou tagarelando e você só quer fazer a sua entrega. Desculpe. — Digo sem jeito e ainda um pouco sonolenta. Dou espaço para os homens passarem. O mais alto me encara impaciente ao passar por mim e eu comprimo os lábios. O outro sorri e eu noto que ele é bem bonito.
Indico a porta do escritório e eles deixam a caixa junto com as outras. O mais alto passa sisudo e acena com a cabeça antes de ir embora.
— Boa sorte. Com o bebê e... Tudo o mais. — Ele diz sem jeito me analisa da cabeça aos pés. — Então... Você está solteira? — Ele pergunta e eu sinto as bochechas esquentarem.
— Obrigada. — Me limito a dizer. Troco o peso do corpo de um pé para o outro e evito encarar o homem de olhar desejoso.
O mais alto o chama com um grito quando o elevador chega ao andar e o homem sai do apartamento de devagar, me lançando um último olhar nada enigmático antes de sair por completo.
É lisonjeiro ter um homem jovem, alto e forte flertando comigo. Mas, pelo amor de Deus, aquela será a casa da minha filha. Não pode ser esse o cenário de uma primeira tentativa de esquecer .
Saio do apartamento com pressa e sinto como se tivesse empesteado o lugar com minha safadeza latente.
Quanta tentação um ser humano pode passar antes de sucumbir?

É quase fim de verão e como se não bastasse os picos hormonais, privação de sono e um estômago delicado; Robert quebrou o ar-condicionado.
Me sento no chão da sacada, me abanando com uma revista antiga o suficiente para indicar remédios perigosos para emagrecimento e as 5 maiores dicas de como perdoar uma traição em letras garrafais na capa. Me pego distraída no pensamento de que se for para elogiar algo na imprensa daquela época, seria sua coragem de chamar aquilo de jornalismo.
Amanda encara Rob pelo terceiro minuto seguido no mais completo silêncio. Posso ver o esforço que ela faz para não surtar e brigar com ele por ter quebrado nossa única chance de sobreviver ao calor infernal.
— Amor, eu juro. Eu peguei o controle e apertei o botão. Não aconteceu nada, está quebrado! — Sua voz começa a soar melodiosa, Rob repete a pequena história pela milésima vez.
— Eu entendi essa parte. O que eu não compreendo, é que o ar-condicionado estava funcionando perfeitamente ontem à noite e hoje ele está quebrado. — Ela recapitula e Rob suspira cansado. A gravata frouxa em volta do pescoço e os cabelos bagunçados o fazem parecer um lunático. — Você ouviu algum som de curto? Algum... Estalo? — Pergunta dividindo o olhar entre o homem e o eletrodoméstico quebrado. Rob contorce o rosto em culpa.
— Nenhum estalo. Ele não quer ligar, só isso. — Rob diz irritado. Ele segura a chave de fenda entre os dedos e o modo como ele faz isso me dá razões o suficiente para acreditar que ele não sabe o que está fazendo.
— Podemos ligar para alguém? — Sugiro, mas assim como o clima, a discussão começou a esquentar também e os dois me ignoram. Não acredito que esteja prestes a presenciar mais uma briga longa e sem sentido entre eles.
— Você tem certeza de que está quebrado? Digo, você tem as mãos fracas mesmo, talvez não tenha apertado o botão com força o suficiente. — Amanda aperta o botão do controle e Rob abre a boca, rindo de nervoso e claramente ofendido.
— Eu perdi um caso hoje. Uma senhora teve que deixar seu imóvel para que uma grande corporativa destrua o lugar onde ela criou os filhos para construir um estacionamento. O olhar dela de decepção não foi mais doloroso do que ter minha forma física e minha inteligência insultadas por minha namorada em uma única frase. — Rob solta a chave de fenda no chão e caminha a passos largos para o quarto. Amanda cobre a boca e percebe que o magoou. Ela vai atrás dele se desculpando e eu suspiro sentindo que o problema do ar-condicionado agora é meu.
Me levanto com dificuldade e encaro o problema de frente. Não faço ideia de como consertar, mas começo por tirar o eletrodoméstico da tomada. Que é o que parece mais seguro a se fazer.
O som de chaves do lado de fora do apartamento me faz encará-la com estranhamento. Mas sorrio abertamente quando passa por ela.
— Cheguei. — Diz entre um sorriso e não se importa que eu esteja suada. me abraça apertado.
— Você não me disse nada! — Me afasto, me dando conta de que ele está realmente ali. Bato em seu peito de leve e ele ri ainda mais.
— Adoro ver sua carinha de surpresa. — Ele toca a ponta de meu nariz e eu sorrio tentando desviar do toque. — Por que aqui parece o inferno? — Pergunta puxando a própria camiseta, me olhando de um jeito engraçado.
— Rob quebrou o ar-condicionado. — Dou de ombros e assisto tirar os tênis ao lado da porta. Ele deixa a mochila na mesa e encara o ar-condicionado por algum tempo.
— Pode pegar a chave Philips para mim? — Assinto e vou até a cozinha, a caixa de ferramentas está aberta sobre o balcão e é engraçado como nunca precisamos usá-la durante todo esse tempo. Pego a chave e volto para a sala.
olha de um lado e do outro, apertou um ou dois parafusos e deu uns bons tapas no eletrodoméstico. Ligou na tomada e pegou o controle, o ligando como se não tivesse feito nada.
— Você é meu super-herói preferido! — Digo sentindo o ar gelado tocar minha pele.
— É o que dizem pelas ruas... — Ele gira a chave na mão, parecendo bastante descolado.
— Você consertou? — Amanda pergunta somente com a cabeça para o lado de fora do quarto. assente e sorri ao vê-la.
— Oi. — Ele diz com a voz esganiçada, pois, leva segundos até Amanda o amassar em um abraço de urso.
— É tão bom ter você em casa de novo! — Ela diz verdadeiramente feliz. Eu sorrio concordando. — Se a nunca se casar com você, eu me caso. — Conclui numa troca de olhares intensa com ele. Ela se afasta de braços abertos, aproveitando a nova temperatura do ambiente.
— Adoro quando a gente faz esse tipo de brincadeira. — Digo irônica e Amanda ouve.
— Ninguém mais brinca com o assim. — Ela se defende e eu a encaro um pouco irritada.
— Exatamente. — Retruco séria e ela ri nasalado, continuando o caminho de volta para o quarto. Rolo os olhos e passo por , indo até a cozinha para me refrescar com um pouco de água.
— Desde quando você tem ciúmes da Amanda? — diz baixo. Continuo enchendo o copo e não quero encará-lo.
— Que tipo de pessoa eu seria se tivesse ciúmes de você com a Amanda? — O tipo de pessoa que não consegue mentir sem que a voz fique trêmula e tão obviamente defensiva.
— Então, você não está com ciúmes? — Ele cruza os braços e se encosta na geladeira.
— Eu não tive ciúmes quando vocês ficaram se agarrando no sofá. Se ela acha que pode se casar com você, não sou eu que vou dizer o contrário. — A mentira tem gosto azedo e eu detesto como minha voz soa mesquinha.
— Você é uma péssima mentirosa, . — Rolo os olhos e bebo um gole d'água.
— Então, já que está aqui, posso dormir na sua casa hoje? Tenho certeza de que a Amanda fez o Rob chorar e eu não aguento mais o drama desse casal. — Digo chorosa e me viro em sua direção. hesita em responder e eu bebo água para disfarçar como essa demora é constrangedora.
— Claro! — Ele diz como se não tivesse levado uma eternidade para responder. — Você se importa que eu me ausente por umas duas horas? — Meneio com a cabeça. — É que eu tenho um encontro. — diz cauteloso e eu me engasgo com a água. Meu corpo me obriga a cuspi-la e eu cubro a boca tarde demais. Cuspo a água na camiseta de que encara o tecido molhado e depois olha para mim com uma interrogação no lugar do rosto.
— Você o que? — Digo entre uma tosse e outra.
— Andrew me apresentou uma amiga e nós vamos jantar. Não quero ser rude com ela e desmarcar, apesar de estar cansado demais para sair. — Ele explica e eu tenho dificuldade para voltar a respirar normalmente.
— Andrew... — Repito o nome dele como se encantasse a palavra numa maldição.
me encara com uma expressão tão culpada e eu odeio que ele se sinta assim. Respiro fundo e alcanço um pano com a mão. Ofereço o pano a ele e o assisto se secar superficialmente.
— Nesse caso, eu não me importo de ficar aqui mesmo. É bom não ser a pessoa mais sensível do apartamento por uma noite. — Brinco e sorri polido. Ele apoia o pano sobre o balcão e me encara preocupado.
— É só um jantar. Prometo. — Tenho vontade de rir, mas não o faço. Uma raiva descabida me toma de assalto e eu me sinto mesquinha de novo.
— Eu não ligo. Você não é mais meu namorado. — Digo ríspida e umedece os lábios.
— Não precisa ficar assim, . — Ele diz e eu me aproximo dele. A coragem oriunda de um poderoso descontentamento.
— Está tudo bem. — Levanto a mão e toco seu rosto com as pontas dos dedos. Ele fecha os olhos por um segundo e faz menção de dizer algo, mas eu o interrompo antes mesmo que ele diga qualquer coisa. — A gente se vê amanhã.
Me afasto e saio da cozinha. Vou direto para meu quarto sentindo a boca ainda mais seca que antes.

São oito e meia.
Em um jantar amigável, duas pessoas estariam escolhendo a sobremesa e fazendo as contas para rachar o total consumido. Em um jantar entre dois desconhecidos solteiros e desimpedidos, este é o momento para decidirem se vão ou não subir para o quarto do hotel.
— Quem marca um jantar num hotel? Ele pensa que eu sou tão ingênua assim? — Caminho de um canto a outro sobre o tapete em meu quarto. Amanda acompanha meus movimentos sentada na cama e os pés inquietos dela batendo no chão ditam o ritmo de meu coração acelerado.
— Ela mora em L.A., faz todo sentido jantar no hotel em que você já está hospedada. Digo, você conhece a comida e sabe que é boa. Por que arriscar? — Paro meus passos e a encaro incrédula. — Ah, é. É hora de sermos irracionais e odiar uma desconhecida sem razão aparente! — Amanda diz cheia de sarcasmo e eu me sento com falsa calma ao seu lado.
O calor, o desconforto, os hormônios. Todos deram as mãos para os ciúmes mortais que estou sentindo e fazem uma bela ciranda dentro de mim; sem contar o bebê gigante se esticando e chutando meus órgãos por diversão.
Solto um gemido derrotado e fecho os olhos sabendo que vou chorar. Tem sido assim quando eu não consigo lidar com a pressão de tudo. Quando a culpa por ter estragado tudo bate tão forte que eu mal consigo respirar, mas tenho que tentar, pois, aquele oxigênio não é só meu.
— Tem razão. — Digo chorosa, Amanda não se abala mais. Ela já se acostumou com minhas lágrimas e na verdade sou agradecia por ela ignorá-las na maior parte das vezes. — Eu só não entendo... Ele me chama para morar com ele, mas, ao mesmo tempo, está disposto a conhecer novas pessoas. O que diabos isso significa? — Seco o rosto com as costas das mãos e estou tão chateada e cansada, só quero que o dia acabe. Mas ainda são oito e meia.
— Eu não sei, querida. — Amanda alcança minha mão com a sua e suspira com pesar.
— O que eu faço? — Estou perdida e ela sorri. Não um sorriso feliz, mas, um tão triste e tão perdido quanto eu.
— O que você quer fazer? — Ela pergunta de volta e eu me ponho a pensar com afinco na resposta.
— Eu não sei... Ainda. — Desvio o olhar e suspiro sentindo uma lágrima grossa rolando por minha bochecha. — Só não quero mais me sentir assim. — Amanda se ajeita na cama e passa um braço sobre meus ombros. Me inclino e encosto a cabeça no ombro dela. Choro até que a dor alivie. E quando isso acontece, adormeço sozinha no quarto. Talvez acompanhada da necessidade de encontrar um caminho e segui-lo em busca do mínimo de paz.

Uma semana se passou desde o encontro de e eu me mantive firme em tratá-lo cordialmente e evitar olhar tanto para ele. Só para garantir que minha desintoxicação dele estava funcionando. também esteve ocupado desde que voltou, o trabalho remoto é difícil, mas, é a única forma que ele encontrou de manter muitas de suas promessas.
Toda manhã ele me incentiva a caminhar e sempre me acompanha. Falamos sobre a Celina e só sobre ela.
A expectativa é grande agora, falta pouco e a ansiedade ainda vai tomando forma. Para nós dois.

Os pais de vieram nos visitar no último fim de semana e algo me diz que a discussão grave em coreano com o pai dele naquele dia é a grande responsável por tanto silêncio. O pai de insiste em casamento e não foi nada fácil explicar os nossos motivos uma vez que ficou claro que nenhum de nós dois sabe muito bem quais eles são. No fim, o senhor teve de se contentar que nossa filha já é cercada de muito amor e nada nunca poderá interferir na responsabilidade que temos em sermos os melhores possíveis para a Celina.
Vejo de canto de olho que ele me olha e abre a boca como se quisesse falar algo. Ele fez isso o caminho inteiro e eu não tenho mais a mesma paciência que tinha antes.
— Desembucha! — Digo irritada e ele para de andar. Não é como se eu quisesse muito fazer aquele exercício, então, eu paro também.
— Naquela noite... Eu fiquei na casa do Andrew e da Sophie. Quando voltei, você já estava dormindo e a Amanda disse que você não estava se sentindo bem, então, eu só...
— Tanto faz. — Interrompo antes que ele se aprofunde. Não dou atenção ao pequeno fagulho de alegria que surge em meu peito e volto a andar.
! — chama, eu paro e suspiro, me virando em sua direção com uma expressão cansada.
— Nós conversamos. Não existe uma forma de consertar o que eu fiz e eu sofri o suficiente por isso. Você pode por favor não me torturar com a sua vida sexual também? — Os ombros de murcham e ele volta a andar, me acompanhando em silêncio de volta para o apartamento.
Quando passo pela porta, uma raiva sem tamanho se apossa de mim e eu nem deixo que ele entre e tire os tênis.
— Qual é a porra do seu problema? — Sem perceber, estou gritando e sinto meu rosto esquentar e as palmas de minhas mãos fechadas em punho suam frio.
— Ah, eu posso listar alguns! — também grita e vejo que ele está tão irado quanto eu.
— Você é um idiota! Por que disse que queria que eu morasse com você se quer que Andrew te arrume um par de pernas abertas assim que você volta de viagem? — Acuso irracional e os olhos de brilham em compreensão. Ele ri com escárnio e rola os olhos.
— Eu sabia! — Diz convencido e eu cerro os olhos incrédula com o quanto estou furiosa com ele. — Você está agindo estranho desde então. Eu te disse, foi só um jantar e nada aconteceu! — Ele explica e eu me afasto, tentando me acalmar.
— Não importa! Você foi jantar com... Eu sei lá quem. — abriu a boca e eu o fuzilei com o olhar. — Não ouse dizer o nome dela. — Aviso como cortesia e me sinto tão ridícula.
— Nada aconteceu. — Ele repete e eu volto a olhá-lo.
— E com a Karin? — Dizer o nome dela em voz alta me machuca muito mais do que esperei machucar. fica em silêncio e eu esperava que ele dissesse que aconteceu somente uma vez, há quase um ano atrás. — ?
Engulo em seco e mudo minha expectativa tão rápido que me sinto tonta.
— Eu estava frustrado, sozinho. Morrendo de saudade de você e ela estava lá. — Cada palavra que sai de sua boca me atinge em um ponto diferente. Estou surpresa por não sentir o nó na garganta, por não estar aos prantos e o acusando de ter mentido. Assinto e com um arrepio no corpo todo, sou alvejada pela luz fraca do caminho que venho buscando.
— Acabou mesmo. — Digo baixo, como uma constatação triste, um diagnóstico negativo e inesperado.
Mas ele ouve.
está parado no meio da sala. O único som audível é o de sua respiração pesada e entrecortada por uma frase que ele não disse.
Não levanto os olhos do tapete até que ele tenha saído do apartamento e ao fazer isso, uma única lágrima escapa e eu decido que essa foi a última.


Capítulo V

— Filha, você já organizou a sua bolsa? Pegou todos os documentos, os itens de higiene e algumas peças extras de roupas? — Minha mãe pergunta pela milésima vez e eu assinto pela milésima primeira vez.
— Mãe, falta mais de uma semana para a data do parto. — Ela rola os olhos em frustração. Já é a quinta vez só nessa ligação que eu a lembro desse pequeno detalhe.
— Eu sei. — Ela diz na defensiva. — Mas você cuida do seu bebê e eu cuido do meu. Tem certeza de que não quer que eu vá até aí? — Ela volta a ficar com o recente e constante olhar de preocupação e eu sorrio tentando aliviar um pouco de toda essa frustração.
— Eu tenho um verdadeiro exército de elite ao meu lado. Quanto menos gente me vir de pernas arreganhadas e gemendo, melhor. — Minha mãe me repreende com um olhar, mas, acaba rindo de leve.
— Assim que você estiver em casa, nós vamos te visitar. — Ela avisa e eu assinto novamente, deixando os detalhes dessa visita para depois. A última coisa que quero agora é uma bronca por querer evitar visitas na primeira quinzena de vida da minha filha. É fora de cogitação falar esse tipo de coisa para uma avó por chama de vídeo. — Ele vai estar de volta há tempo? — Ela pergunta e eu respiro fundo, não consigo evitar um gemido incomodado com o assunto. — Espero que sim. — Digo sincera. precisou voltar para o Brasil com urgência e desde que tudo ficou esclarecido entre nós, não nos falamos com tanta frequência.
Após distrair minha mãe mostrando alguns dos itens da bolsa da Celina, ela me deu conselhos valiosos para os próximos dias. Como a sugestão de massagens e coisinhas que eu poderia comer para relaxar e facilitar o curso natural das coisas.
Desligamos a chamada de vídeo e eu volto a organizar a bolsa com tudo o que precisaria na curta — eu espero — estadia no hospital.
Por ter preocupado tanto meus amigos durante a gravidez inteira, eu não quis incomodar ninguém com os meus medos na reta final. Me preparei para o que viria como pude e foquei nas coisas boas que havia alcançado nesse meio tempo. Como ter o quarto dela pronto no apartamento de e um plano sólido de divisão de tarefas. Ela ficará comigo nos primeiros meses e ajudará como puder. A babá eletrônica funciona através do corredor e chega até o seu quarto sem muitos ruídos. Seria como ter uma casa bem grande, segundo ele.
A decisão de não morarmos juntos ficou óbvia quando eu nem conseguia olhar para ele após a última nossa briga. Eventualmente voltaríamos a ser amigos, mas por agora, seremos pais da Celina. Finalmente eu posso respirar fundo e satisfeita com essa decisão. Claro que é mais fácil lidar com a ausência dele na minha vida de forma romântica quando não preciso ter que olhar para ele, ouvir sua risada contagiante e sentir seu perfume gostoso.
Tenho acordado cedo todos os dias na última semana. Costumo ter o mesmo sonho em que amamento minha filha em meus braços e sinto sua pele sensível e rosada sob meu toque. É um sonho tão vívido. Acordei chorando algumas vezes, ansiosa para confirmar se o cheiro de bebê intoxicante que sinto nos sonhos chega perto da realidade.
Não há mais nada a ser feito, além de esperar por ela. O que tem me deixado igualmente maluca e ansiosa.
Encaro as roupinhas dela já limpas e dobradas sobre a cama. Tento conter a necessidade de lavar todas as peças mais uma vez, só para ter certeza de que estão mesmo limpas. Ouço a voz de Amanda me dar algum juízo dizendo com seu costumeiro ceticismo: "Você vai fazer a sua filha ter alergia a tudo. Bactérias são amigas, elas vão ajudar a equilibrar o sistema imunológico da criança!". Ela tem razão até certo ponto, mas se eu puder, vou impedir que a Celina coma terra ou passe a língua nas paredes.
Pensando no bem-estar dela e na tentativa de manter minha sanidade, calculo uma rápida caminhada pelo bairro. Estou enorme e mal consigo andar pelo apartamento sem que minhas pernas doam, mas insisto no hábito. Não posso negar que depois de muito xingar a voz monótona do aplicativo, acabamos ficando amigas. "Vamos, mamãe. Só mais um quilômetro!" Sim, minha filha, sim. Mais um quilômetro.
— Onde você vai? — Rob vira a cabeça, se distraindo dos muitos papéis sobre a mesa. Pego os fones de ouvido enrolados sobre o aparador ao lado da porta e o encaro um tanto irritada.
— Caminhar. — Respondo de má vontade e ele ergue uma das sobrancelhas.
— Está chovendo, . Tem certeza? — Rob olha da janela molhada para mim. Dou de ombros, achando o clima perfeito para tal.
— Eu tenho só mais uma semana para ser só eu. Posso aproveitar esse momento? — Rob prende uma risada, olha minha barriga enorme e acaba assentindo.
— Cuidado lá fora. — Ele diz comedido, não quer me irritar mais do que já me irrita por somente existir. Eu meio que amo Rob por me aturar durante essa gravidez.
— Eu não vou derreter com uns pingos d'água, nem nada assim... — Digo pensativa, não tenho a intenção de ser rude, mas Rob já não liga mais.
— Certo, certo. Tchau, . — Ele volta a ler seus papéis com atenção e não vê quando lhe mostro a língua em um cumprimento insolente.
Mal saio do elevador e sinto um certo desconforto na barriga, uma leve dor nas costas, mas, a calça que estou usando está um pouco apertada. Ajeito o moletom e os fones de ouvido, saio na calçada sentindo uma brisa fresca e pingos finos de uma chuva tímida molhar meu rosto. A sensação é gostosa, revigorante.
Sinto o celular vibrar no bolso e xingo mentalmente a pausa breve na música que ouço. Quem quer que seja pode esperar Winehouse terminar de cantar a versão mais lenta de “Some Unholy War”. Estou no meio da quadra quando sinto uma pontada forte demais que me faz parar de andar completamente.
— Certo, não é a calça. — Digo para mim mesma e tiro os fones. Uso a técnica de respiração que o Dr. Portman ensinou quando tive as famosas falsas contrações na última semana e procuro o lugar mais próximo onde eu possa me apoiar. Minhas mãos estão tremendo e instintivamente, pego o celular e disco de volta para a única pessoa em quem consigo pensar agora.
A espera é longa. Segundos parecem uma eternidade e quando ouço sua voz, entro em pânico, como se finalmente tivesse a permissão para perder a cabeça.
— Está acontecendo! — Digo chorosa. Estou morrendo de medo.
? O que houve? — fala baixinho, como se estivesse numa sala cheia de pessoas. Droga.
— É agora, ! O bebê está nascendo agora! — Quando digo em voz alta, parece mais real. xinga do outro lado da linha e eu me lembro de que estou no meio da rua e preciso voltar para casa. Ou ir para o hospital.
— Certo... É... Caralho, eu não devia estar aqui! — divaga e quase posso visualizar o homem andando de um lado para o outro. Uma mão pressiona o celular contra o ouvido, a outra bagunça os cabelos incessantemente.
— Ok. Calma! Eu estou voltando para casa e Rob está lá, ele pode ajudar. — Digo tentando acalmar a nós dois e ri nervoso.
— Rob é o único por perto? Espera, onde você está? — Ele pergunta e eu rolo os olhos.
— Nós não temos muito tempo para escolha agora! Eu estava fazendo a... Maldita... Ah, porra! Isso dói. — Sinto que não vou conseguir andar até o apartamento e preciso colocar a cabeça no lugar antes de decidir o que fazer.
— Eu estou indo para o aeroporto. Vá para o hospital, eu ligo para a Amanda no caminho. Ok? — parece ter se acalmado e traçado um plano inteiro. Ouvir sua voz mais calma e firme me acalmou também.
— Certo, certo... Estou com medo. — Digo sincera e ouço o suspiro de .
— Eu sei, eu também. Mas eu sei que você consegue fazer isso. Concentre-se somente nisso e tudo vai dar certo. — Assinto e vejo tudo embaçado devido as lágrimas.
— Ok. Eu... Eu vou desligar e ligar para o Rob. E então, eu vou... Ter a nossa filha?! — ri de um jeito estranho, como se tivesse dado conta da informação só após eu dizer as palavras. E então, é isso. Eu finalmente vou conhecer a minha filha.

— Como assim eu não estou “dilatada o suficiente”? — A frustração, o incômodo e a dor me permitem usar aspas com as mãos em forma de desrespeito pela informação que eu acabo de receber.
— Sinto muito, . Mas é uma estrada longa, que te leva para um mundo incrível. Um mundo onde a sua filha está nele! — Dr. Portman diz sorridente e eu me arrependo de não ter procurado uma obstetra mulher com muitos filhos. Alguém que compreende o que é ser partida ao meio não sorriria daquele jeito psicótico.
— Ainda vai ser um mundo com fome, guerra, machismo e ganância? — Pergunto e reprimo um gemido de dor.
— Infelizmente. — Ele diz com pesar e sai da sala. Gemo em descontentamento e dor, reprimindo as lágrimas de um desespero maciço.
— Raspas de gelo? — Amanda oferece e eu afundo a cabeça no travesseiro.
— Onde ele está? — Peço chorosa e ela desvia o olhar para o celular.
— Ele estará aqui a qualquer momento. Enquanto isso, procure relaxar. — Ela se levanta da cadeira e deixa o copo com raspas de gelo de lado.
— Não consigo relaxar com a ideia da passagem eminente de uma bolinha de pele de quase 3kg pela minha vagina. — Digo séria e Amanda engole em seco.
— Uma longa estrada, que te leva para um mundo incrível... — Amanda repete sem tanto entusiasmo quanto o Dr. Portman. Ela também não sabe ainda o que é ser partida ao meio.
Dez horas depois e o que pareceram visitas demais ao colo do meu útero. Ouço a voz esbaforida de na sala de espera próxima ao quarto. Sorrio aliviada, como se o pior tivesse passado. Mas como o Dr. Portman disse, ainda tenho uma longa estrada pela frente.
— Ei... — Ele sorri abertamente quando me vê. Suas mãos cheiram a álcool gel e ele se inclina para beijar minha testa. — Como você está?
— Não! — Amanda diz rápido e balança a cabeça repetidas vezes. — O ser que se apossou da antiga que conhecemos, odeia essa pergunta. — Ela avisa e ele ri. Meus olhos se enchem de lágrimas e agora eu nem sei por que estou chorando.
— Não fala assim dela. Ela está sofrendo. — me defende, afastando meus cabelos de minha têmpora suada.
— Parem de falar de mim como se eu... Como se eu... — Começo a chorar copiosamente. — Como se eu não estivesse aqui! — O choro sacode meus ombros e me abraça forte, tentando acalmar o turbilhão de sentimentos. Ele acaricia meus cabelos e sobe na cama ao meu lado, apoiando meu corpo com o seu.
A movimentação ao meu redor fica cada vez mais intensa. Amanda avisa por mensagem que Sophie e Andrew também estão na sala de espera. Rob é o único que volta para o apartamento de vez em quando, ele não tem tanto tempo livre em mãos como os outros.
liga para os pais dele e para os meus. Atualizando as notícias que não são muitas. Não há o que fazer além de esperar. Minha saúde e a da minha filha não nos elege para uma sessão de Cesária, o que é quase um lisonjeiro reconhecimento pelo trabalho durante toda a gestação para me manter saudável.
Quando a hora chega de verdade, eu estou mais entediada do que qualquer coisa. Sinto que o máximo de dor já é conhecido e a cada contração, eu me preparo para ser mais forte para a próxima. Não que funcione com muita eficácia, mas, à essa altura eu só preciso controlar alguma coisa. Mesmo que esse controle só exista na minha cabeça.
O Dr. Portman falastrão e engraçadinho de sempre deu espaço para um médico sério e objetivo. Me deu confiança para fazer uma das coisas mais difíceis que já fiz.
— Agora é com você, . Empurre! — Ele diz e eu arregalo os olhos em desespero. segura minha mão e posso ver que ele sorri até usando máscara cirúrgica. Seus olhos brilham e ele não os desvia de mim nem por um segundo.
O primeiro empurrão é como um sinal verde para o corpo começar a empurrar também. Aperto a mão de na minha e fecho os olhos com força.
— Boa, ! Você está indo bem! — Dr. Portman diz de novo e eu estou prestes a desmaiar.
— Eu não consigo. Não... Eu não tenho força suficiente. — Busco pela única pessoa ali que realmente me conhece, alguém que sabe que cheguei ao meu limite.
— Você já está fazendo! — se inclina e diz baixinho. A voz calma e o olhar intenso, que, por um instante, deixou de ser marejado. — Você é a mulher mais forte que conheço. Acredite, eles vão precisar enfaixar minha mão depois disso. — Ele ri e eu rio também em desespero. — Você vai ser uma mãe incrível. Você consegue, . Estamos quase lá. — Ele beija os nós brancos de meus dedos, me confortando.
— Vamos lá, . — O médico diz e eu respiro fundo, me preparando mais uma vez.
Por um momento, tudo e todos em volta se calam.
Não sei se meus ouvidos estão sentindo a pressão da força de todo o meu corpo empurrando ou se realmente fui presenteada por um momento do mais reconfortante silêncio.
O momento se estende por alguns minutos, e então, acaba. Ela está aqui. O choro tímido de quem não entende muito bem o que está acontecendo preenche a sala e todos sorriem aliviados.
As enfermeiras a tiram de meu campo de visão para os exames iniciais. Seu choro se intensifica e eu tento levantar meu corpo para vê-la, mas não consigo me mexer. Estou cansada demais.
A enfermeira baixinha e simpática enrola Celina em uma pequena manta cor-de-rosa e vira com ela em seu colo.
Ouço por tabela o que o Dr. Portman diz sobre pontos, cicatrização e repouso. Mas não quero mesmo pensar nisso agora. A enfermeira a pousa sobre meu colo e eu a encaro como se pedisse permissão para segurar minha própria filha. É que ela é tão pequena, delicada como um sonho e eu tenho medo de fazer qualquer movimento brusco e quebrá-la bem ali.
— Aqui está. — A senhora diz baixinho e a ajeita em meu colo. Estou arfando. Parte pelo cansaço, parte por estar bastante nervosa por finalmente poder conhecê-la.
— Ah, meu Deus... Você é tão pequena! — Tudo é tão pequeno e incrível nela. Os dedinhos gorduchos dos pés e o nariz redondinho. — Oi, Celina. — Digo emocionada. Ouço meu coração bater em meus ouvidos e sinto minha energia ser completamente drenada.
Sou surpreendida pelo lampejo de seu olhar inocente. Celina abre os olhos o suficiente para perceber que não gosta da sala de parto branca e sem graça, ela começa a chorar de novo. E eu sorrio, pois aquele é um som novo e eu provavelmente vou me irritar com ele em algum momento, mas agora, é a melodia mais linda que conheço. Sinto algo incomparável tão imediatamente que me falta o ar. Eu simplesmente não consigo pôr em palavras o quanto eu a amo.
Levanto os olhos para e ele está estático ao meu lado. Ele teve menos tempo de absorver a ideia de ter uma filha, então, imagino o choque pelo qual ele está passando agora. Então ele funga, se inclina de novo e abaixa a máscara para beijar o topo de minha cabeça.
— Obrigado. — Diz baixo e com a voz embargada. Ele está perto de mim quando vejo seus olhos brilharem com as lágrimas se acumulando enquanto ele olha para ela. Suas pupilas dilatam, sua respiração sai pesada e embolada com um riso surpreso e tão emocionado.
— Você devia pegá-la. Acho que não consigo ficar acordada por mais tempo. — Digo sonolenta e pega Celina no colo e a ajeita, com muita naturalidade.
Suspiro satisfeita com a cena e apago em seguida, sendo vencida pela exaustão.

Um mês e meio de muito choro adulto pelas madrugadas adentro de passou rápido.
Celina é um bebê de personalidade assustadoramente forte para alguém que mal desenvolveu a visão completamente. Ela é um doce durante o dia, mas de madrugada é exigente e praticamente só dorme no meu colo enquanto caminho pelo quarto.
Está quase amanhecendo quando abre a porta do quarto devagar.
— Nada ainda? — Ele cochicha e eu balanço a cabeça, negando.
— Pode voltar a dormir, em algum momento ela cede. — Em algum ponto, fazê-la dormir se torna uma guerra de resistência. Eu contra ela. Ela sempre vence.
— Não consigo dormir sabendo que você ainda está de pé. Não quer tentar usar a cadeira de amamentar no quarto dela? Talvez o balanço substitua tanto movimento e você pode descansar as pernas. — Ele diz solidário e eu estou tentada a aceitar.
— Eu estava pensando em te vestir com minhas roupas e tentar enganá-la pelo cheiro. Mas essa parece uma ideia melhor. — Ele controla uma risada baixa e abre mais a porta para que eu passe. Faz o mesmo com a porta do apartamento e eu vou direto para o que antes era o escritório de , mas agora é um lindo quarto de bebê com bichinhos pintados nas paredes em tons claros de verde e lilás.
— Ela não é um filhote de cachorro, . Acho que falta algo em mim que ela gosta muito e não temos como emular algo assim. — Tento não rir demais para não a mexer muito em meu colo.
Me sento na cadeira e sinto minhas costas agradecerem de imediato. se aproxima e levanta o encosto para os pés da cadeira, me deixando confortavelmente deitada na cadeira que tem um certo balanço. Ele é prestativo e cobre a nós duas com uma manta. Ele se abaixa ao meu lado e sorri vendo a filha de olhos abertos, dando nenhum sinal de que iria dormir tão cedo.
— Ela é tão linda. — Ele diz acariciando a testa de Celina de leve, ela olha para ele e tenta pegar seu dedo com suas mãos pequeninas.
— Ela se parece com você... Ou com a sua irmã. Não sei, vocês dois são super parecidos. — faz uma careta incomodada, mas volta a sorrir olhando para ela.
— Acho que ela se parece com você. Sem sombra de dúvidas. Ela tem o formato dos meus olhos, claro, mas todo o resto vem de você. — Ele diz perdido em seu próprio pensamento.
— Ela é perfeita. — Me rendo aos encantos da pequena mais uma vez e ela baba em meu colo como recompensa.
Quando ela finalmente dorme, já está claro e ouço de longe o som do moedor de café. Me demoro no quarto de Celina e sei que também não tem planos de voltar a dormir agora.
— Eu consigo ouvir daqui. — Resmungo e ouço a risada rouca de cansaço de .
— Já disse que posso falar com ele, se você quiser. — Ele oferece de novo e eu só aceito a xícara de chá que acompanha a sugestão.
— Eu só achei que ele daria conta de descobrir sozinho. Digo, quantas vezes ele já não acordou a Celina com esse maldito moedor de café? — Dou um gole no chá quentinho de limão e agradeço com os olhos.
— Na minha opinião, já passou do tempo de esperar que ele adivinhe o que você quer que ele faça. Só diga ao Rob que ele pode tomar café instantâneo como o resto de nós. Use o bebê. Ninguém diz não para o bebê. — Ele diz como fosse óbvio, talvez até seja. Mas estou tão cansada o tempo todo, não me resta energia para lutar pelos meus direitos como pagante majoritária do aluguel, já que Amanda e Rob dividem os valores entre eles, mas nada mudou para mim.
— Eu lido com isso depois. — Apoio a xícara sobre a mesa de centro e me deito esparramada no sofá de .
— Vá se deitar na cama, é mais confortável. — Ele diz e eu sei que seus olhos estão sobre mim agora.
— Você quer dizer... A sua cama? — Digo travessa e ele cerra os olhos em minha direção.
— É... Por que tudo isso? — Ele faz um gesto abrangente em minha direção e eu suspiro cansada.
— Nada... — Minto descaradamente quando na verdade estou providenciando os preparativos para a festa de um ano da última vez em que transei, daqui há dois meses.
— O que? Eu quero saber... — Ele diz interessado e eu o encaro por tempo demais. Me levanto e pego de volta a xícara de chá.
— Não é nada. — Insisto e passo por ele enquanto dou um bom gole no chá que ele preparou para mim.
“Durma quando o bebê dorme” disseram. Mas ninguém te diz que as outras coisas precisam ser feitas e quando o bebê não está dormindo, você é a pessoa preferida dela.
é um pai excepcional. Sempre que acho que vou perder a cabeça, ele aparece e me salva de formas diversas. Do tipo que faz ligações de vídeo de trabalho segurando seu bebê orgulhosamente enquanto tento organizar as coisas do trabalho. Do tipo que vem de madrugada saber se estou bem ou precisando ser rendida.
Tenho a missão de superar o jeito como ele me olha quando estou com a Celina no colo. Seus olhos ficam tão brilhantes e o olhar é intenso, como quem diz mais do que consegue transferir em palavras.
Não sei dizer precisamente o que me faz ignorar suas investidas sutis. Acho que ainda tenho medo de fazê-lo sofrer e sofrer dobrado por isso. Nós temos coisas demais a fazer para deixar que algo assim interfira em nossa principal prioridade, mas o que fazer quando essa prioridade é o motivo de estarmos nos aproximando de novo?

— Como vocês fazem para dormir? — Sophie pergunta com uma expressão de puro desespero em seu rosto enquanto segura uma Celina vocalista de musical, oferecendo de graça seu solo poderoso. — Haja fôlego. — Eu sei que Sophie não quer ser grossa, vejo em seus olhos perdidos que a pergunta é genuína.
Passaram quatro meses completos e ainda estamos acertando uma rotina, mas parece que nunca vamos nos estabilizar. É impossível fazer qualquer plano imediato sem ter que trocar fraldas inesperadas.
— Defina dormir. — devolve ácido e ela sorri sem jeito. — é a preferida, só ela acalma a Cece. Eu sou um péssimo substituto. — Ele diz chateado e a amiga lhe sorri em solidariedade.
— Você faz o melhor que pode. — Sophie diz entregando Celina de volta para o colo dele. Eu ainda termino de almoçar, por ter sido a última a começar a comer. — Mas é normal que a mãe seja a preferida. — Ela diz assistindo ajeitar a menina no colo.
Ela troca um olhar cúmplice comigo e eu sinto as bochechas corarem. Sei exatamente do que se trata aquele olhar. fica incrível com um bebê no colo.
— Acho que isso tem a ver com dois motivos. — Balanço os ombros devagar e os meus seios balançam também por consequência.
— A maciez aparente dos motivos não os desvalida em momento algum, . São motivos sólidos para gostar mais de você. — Andrew diz malicioso e recebe reações negativas em diferentes níveis de intensidade. — O que?! Ela quem começou! — Ele se defende horrorizado.
— Respeite o almoço da minha filha, por favor? — balança Celina no colo e até ela para de chorar para encarar o tio Andrew com seu julgamento infantil.
— Certo, só estou dizendo respeitosamente que é um belo par de almoço. — Ele insiste e Sophie cutuca o marido nas costelas. Sem o peso extra da gestação, os meus seios realmente parecem maiores. É legal que alguém diga isso voz alta, mesmo que seja Andrew.
— Eu odeio dizer isso, mas é verdade. Estou quase com inveja. — Sophie diz e agora todos encaram o decote do vestido que estou usando.
— Parem de encarar o almoço da minha filha! — se põe na minha frente enquanto eu me sento mais ereta no sofá. Andrew ri e Sophie passa a língua nos lábios para provocá-lo. fica emburrado e se vira em minha direção e então, encara também.
— Você me vê amamentar o tempo todo. — Digo incrédula e ele dá de ombros.
— Não é a mesma coisa sem a Celina estar se alimentando. — Limpo a garganta teatralmente, chamando sua atenção para meus olhos. desvia o olhar e não vê que prendo um sorriso lisonjeiro.
Quando Celina dorme, aproveito que todos estão conversando e me retiro para bombear um pouco de leite. O suficiente para tomar uma taça de vinho e eliminar do sistema antes de ter que alimentá-la de novo.
Em todos os livros cujas informações se cruzam, uma delas se repete: o que você come, seu bebê come. A mesma coisa para bebidas alcoólicas. E por mais engraçada que seja a ideia de um bebê bêbado na minha mente infantil e deturpada, eu não tenho a menor intenção de expor meu bebê a qualquer risco que seja.
O som irritante da bomba é interrompido pela porta se abrindo e fechando com cautela. entra e se senta na beirada da cama, observando o sono inocente da filha.
— Vai beber hoje?
— Fiquei com sede de uma taça de vinho. — Ele sorri e evita me olhar diretamente. Talvez uma máquina sugando meu mamilo mate um pouco da cena sexy do decote profundo de minutos antes.
Com uma boa quantidade de leite bombeada, me visto e checo se a posição de Celina é confortável. Suprimo uma neurose que some aos poucos de checar sua respiração e encaro , que mantém o olhar estonteado ao olhar para ela.
— Ela é perfeita. — Ele diz de repente. — Eu detesto essa palavra, mas ela é. — Assume num riso bobo e eu o acompanho.
— Ela é mesmo. — Não consigo evitar de tocar suas costas pequenas e sentir a sensação gostosa de tê-la ali com a gente.
me olha e a troca é tão intensa que sinto meu rosto esquentar. Desvio o olhar e engulo tantas coisas que quero dizer, mas, não posso. Finalmente somos amigos de novo. Amigos com uma filha e isso já é complicado o suficiente.
— Eu vou colocar isso na geladeira. — Digo sem jeito e deixo o quarto.
Uma noite de adultos era só o que eu precisava para me sentir como a antiga eu novamente. Ouvir as histórias malucas de Andrew, beber vinho e rir de qualquer coisa parece algo natural entre nós, mas, não acontece mais com tanta frequência.
Amanda e Robert chegam de um encontro e se juntam a nós na sacada. Todos, exceto eu, dividem um baseado enquanto conversam sobre qualquer coisa e eu os observo mais afastada. parece cansado e desengajado do assunto.
Nossos olhares se cruzam e eu engulo em seco. Reconheço esse olhar.
Sei o que se passa na mente dele sem que ele diga uma palavra. Faz tempo. Tempo demais. Ele umedece os lábios antes de soltar a fumaça densa, passa o baseado para Sophie e se afasta do grupo, se aproximando de mim.
Assisto enquanto ele se encosta na parede na minha frente. guarda as mãos nos bolsos da calça e sorri enviesado.
— O que? — Pergunto divertida e ele balança a cabeça.
— Não é fácil para mim ver você ficar cada dia mais linda. — Rolo os olhos e rio sem jeito. não faz a menor cerimônia e seus olhos passeiam em meu corpo com propriedade.
— E isso é culpa minha? — Pergunto baixo e ele assente devagar. — Ei! Nada disso! — Levanto um dedo em riste e ele ri. — Você não pode dizer essas coisas. — Explico e ele assente de novo, mas, se aproxima devagar, me prendendo contra o balaústre da sacada.
— Então, eu posso imaginar? — Suas mãos estão em volta de mim, mas não me tocam. Estão espalmadas no concreto e ele está tão perto que consigo sentir o cheiro de vinho em sua respiração.
— Não! — Respondo rindo, mas, estou em puro desespero por dentro.
— Ah, se você soubesse o que eu estou imaginando agora, acho que iria gostar. — Sua voz é sedutora e ele sabe que mexe comigo. Não é justo.
Toda essa provocação acaba por me deixar triste e frustrada.
Só para me vingar dele e talvez para equilibrar um pouco mais o jogo, me ponho na ponta dos dedos e encosto os lábios nos dele. Esbarrando enquanto falo.
— Então, eu te darei algo para incrementar sua imaginação. — Giro nos calcanhares e jogo os cabelos para trás, os fios o acertam no rosto, mas, de alguma forma, sinto que ele aprecia. Empino o quadril para trás, encostando o corpo no dele, vacila em sua forma de me manter presa e toca minha cintura gemendo baixo, pois, praticamente rebolo em seu colo para me ver livre de sua pequena prisão.
Não posso mentir que o menor dos toques me acendeu como uma árvore de Natal. Milhares de pontos carentes de atenção piscando e me enlouquecendo aos poucos.
Passo por meus amigos e entro de volta para a sala. Encho a taça vazia pela metade e dou um bom gole.
O som de meu celular tocando me faz entrar em pânico, o som zumbido é o suficiente para chatear a pequena tecnófoba que eu estou criando e acordá—la agora não está em meus planos.
— Alô? — Atendo rápido só para que o som pare.
? Ah, meu Deus. Quanto tempo! — Nick diz animado e eu franzo a testa, confusa.
— Nick? — Digo o nome e sem querer, levanto os olhos para , que arqueia uma sobrancelha ao ouvir o nome do rapaz. Me afasto para cozinha afim de alguma privacidade. — É mesmo, alguns bons meses. — Digo tentando adiantar o assunto.
— É verdade. Imagino que a sua filha já tenha nascido, se formado. — Ele diz e engajamos em uma conversa breve onde eu digo o que todo pai de primeira viagem diz. A adaptação é difícil, mas, gostosa. Contei das alegrias de noites em claro e ele ouviu tudo com uma risada polida de um falso entendimento. Não tem como ele saber do que estou falando. Até onde eu sei, Nick não tem filhos.
— Mas então, a que devo a honra de sua ligação nesta noite de sexta-feira ilustre? — Tamborilo os dedos sob o balcão e não sei bem se estar nesta ligação era é o que eu queria estar fazendo agora.
— Eu não sei... Estou na cidade e pensei em você. Não deve ser fácil para uma boa mãe como você tirar um tempo para um café com um amigo como eu, não é? — Ele pede com a voz levemente triste e eu mordo o lábio inferior.
— Eu vou adorar! — Digo de repente, sem pensar. Nick ri aliviado e então, marcamos de tomar café no dia seguinte. Após o almoço.
Desligo a ligação com um sorriso ansioso. É meu primeiro encontro desde... Bem, desde sempre. Eu nem sei se sei como fazer isso. E ficou claro que é um encontro. Nick tinha a voz diferente, a que ele usa quando está flertando.
Ao voltar para a sala, encaro um emburrado no sofá. Talvez não seja a melhor hora para lhe pedir para cuidar da Celina por algumas horas amanhã. Ele me olha por cima da taça que eu havia servido antes, ele bebeu todo o conteúdo.
Pelo restante da noite, me lançou olhares furtivos e me observou de longe conforme eu contribuía com os assuntos que surgiam.
— Enfim, vocês deveriam conhecer a Tess. Ela conta essa história como ninguém. — Andrew diz de repente. Ao contar sobre uma atriz pega de calça curta usando drogas ilícitas no banheiro do set de filmagem.
— Quem é Tess? — Pergunto e Andrew troca olhares com , que se mexe desconfortável no sofá. — Ah... — Digo sem esconder a decepção ao ligar os pontos sozinha. Andrew sorri amarelo e percebe que falou besteira, para variar.
— Sabe quem nós encontramos hoje? — Amanda diz se virando em minha direção e eu balanço a cabeça, impaciente com o assunto anterior. — Nick. Ele está mais gato do que nunca. — Comenta com um sorriso malicioso.
— Ei! — Rob protesta e é rapidamente ignorado.
— Ele me ligou. — Digo por puro despeito. A insolência intrínseca a meu ser agindo sem policiamento. — Nós vamos sair amanhã. — Amanda levanta as sobrancelhas e olha descaradamente para , esperando sua reação. Eu faço o mesmo, como se o desafiasse.
— Ele... Vem aqui? — pergunta tentando parecer casual, mas, ele está sério demais.
— Não. Vou encontrar com ele em um café no centro da cidade. — Digo devagar, vendo que ele não gosta da ideia.
— Ótimo! — Diz e desvia o olhar. A reação dele quase me faz rir. Quase.
ficou emburrado durante a noite toda. Até quando veio aconchegar Celina de madrugada. Me tratou com uma frieza proveniente de um comportamento polido e impessoal. E eu não me importei necessariamente. é meu amigo agora, era de se esperar que em algum momento essa hora chegasse e eu não esperava que ele agisse diferente.

Me arrumo e paro diante da cômoda. Há muito tempo eu não usava maquiagem ou perfume, na tentativa de minimizar as chances de a Celina desenvolver alguma alergia. Usar essas coisas parece errado agora, mas, na tentativa de me desprender de medos não tão irracionais assim, borrifo um pouco do líquido no ar e caminho por baixo da nuvem perfumada. Satisfeita com a imagem no reflexo no espelho, pego a bolsa e saio do quarto.
e Rob assistem a um jogo na televisão e Celina dorme pacífica no colo do pai, que a balança devagar de um lado para o outro. A cena me faz duvidar do quanto eu quero mesmo sair de casa, e então, me vê e congela no lugar.
— O que foi? — Pergunto confusa e ele sorri triste, balançando a cabeça.
— Você está linda. — Diz baixo e eu assinto agradecida. Ajeito o vestido justo dos lados do corpo e olho rapidamente no espelho, vendo o reflexo de um verdadeiro mulherão.
— Eu não vou demorar, é só um café e...
— Tudo bem, . — interrompe e eu suspiro.
— Eu já estou morrendo de saudade, pequenininha. — Digo baixinho e toco sua mão fechada num punho minúsculo.
Dou uma última olhada para e ele sorri triste de novo.
— Nós vamos ficar bem. Agora vá. — Ele diz e o uso da pronominal fisga em meu coração. Sorrio uma última vez e saio pela porta já querendo voltar.

Encaro a fachada do café por alguns minutos. Sinto o frio na barriga insistente, tento engolir um pouco mais o nó que se forma em minha garganta e entro no estabelecimento. O café é na verdade um bistrô muito charmoso e logo quando entro sou recebida pelo cheiro gostoso de coisas assadas. Algo nas janelas faz o lugar ser mais escuro por dentro, a luz é fraca e aconchegante para os olhos dos leitores, escritores e clientes precisando relaxar com uma boa xícara de café.
Vejo Nick digitar algo no celular e me aproximo da mesa sentindo todo tipo de dúvida sobre o que estou prestes a fazer.
! — Nick se levanta - não tanto - os olhos da tela na palma da mão e sorri comedido. — Você só fica mais maravilhosa conforme o tempo passa! — Ele se levanta e me cumprimenta com um beijo na bochecha.
— Você é sempre lisonjeiro, Nick. — Digo sem jeito e me sento na cadeira que ele havia puxado para mim. Ele se senta na cadeira restante e passa o próximo minuto estudando minha expressão apreensiva e deslocada.
— Não gostou da escolha do lugar? — Diz com a voz rouca e grave.
— Não, nada disso. É só... Eu não faço isso há muito tempo. — Admito e ele ri baixinho.
— Não se preocupe. Somos somente dois amigos solteiros tomando um café no meio da tarde. — Assinto e desvio do olhar de Nick, pois, seus olhos dizem o oposto de suas palavras.
Percebo que o flerte virtual se muda para a realidade e finjo estar sendo envolvida por seus gracejos. É difícil prestar atenção no que ele diz, pois, sinto falta de estar em casa. Com a Celina. Com . Mesmo que as coisas fiquem estranhas as vezes, ainda sinto como se pudesse ser eu mesma perto dele.
Me mexo desconfortável na cadeira e torço para que Nick não perceba todo meu desconforto.
— E talvez você possa me ver mais vezes, afinal. — Ele diz e eu ergo as sobrancelhas em surpresa. — Estou me mudando para Nova Iorque, de novo. Não consigo abandonar essa cidade. — Ele ri sem jeito e eu assinto.
— Essa cidade me lembra um pouco a minha mãe. Dura, mas, acolhedora. — Nick ri concordando e a conversa se desenvolve entre elogios e julgamentos à cidade ao nosso redor. Uma verdadeira relação de amor e ódio.
A noite cai aos poucos e eu me vejo envolvida na conversa pela primeira vez. Nick conta detalhes de seu novo trabalho como editor criativo de uma revista online. Conta sobre seus saltos na carreira no último ano e divide as lamúrias do período de adaptação em um cargo de liderança.
— Eu me sinto um intruso, às vezes. — Ele desabafa enquanto dividimos uma fatia de bolo de chocolate que eu poderia facilmente comer sozinha. — Eu delego, supervisiono... Sinto falta de colocar a mão na massa, da correria. Do chefe respirando no seu pescoço, te cobrando um prazo para o trabalho que você procrastinou o dia inteiro para começar. Agora o chefe sou eu. Eu odeio procrastinação agora. — Ri respeitosamente de sua expressão frustrada e Nick me acompanha.
— Você trabalhou muito para chegar onde está. Se dê um pouco mais de crédito. Acredito que você tenha várias responsabilidades agora. Você é um chefe, finalmente. — Sorrio orgulhosa, pois, esse é o sonho de um amigo sendo realizado. Estranho não sentir nem um pouco de inveja de Nick. Meu instinto competitivo completamente congelado e todas as minhas energias focadas em criar um ser humano me dão a convicção de que esse é o trabalho mais louco e difícil que eu possa vir a exercer.
Me pego agradecida por ter sido naturalmente enviada para um lugar em minha mente onde não houve dificuldade para entender isso. Não houve uma sensação de perder a vida que eu tinha antes da Celina. Mas um olhar responsável e maduro para o futuro. Um futuro possível.
— Adoro esse seu jeito de ver o melhor das situações. — Ele diz se inclinando na mesa. Sua mão encosta na minha e eu sinto o choque da estranheza.
— Ultimamente tem sido uma boa qualidade para se ter. — Digo um pouco convencida e Nick sorri. Ele me olha daquele jeito desejoso de novo e eu não sei como corresponder.
Ele diz que está hospedado no pequeno hotel do outro lado da rua. Me convida para ir até lá e eu aceito. Não sei o que estou fazendo, mas, dou uma chance para um pouco de risco.
Nick mal fecha a porta do quarto atrás de nós e agarra minha cintura. Seus lábios alcançam os meus num beijo desesperado e desajeitado. Sua língua invade minha boca e eu arregalo os olhos que nem sequer chegaram a se fechar. Enquanto vejo as pálpebras trêmulas de Nick tão de perto, penso em como pôde fazer algo assim.
Esse beijo parece errado. Esse toque parece errado. Tudo é novo demais. Bruto e sem experiência. Eu não gosto.
Nick parece estar gostando e suas mãos descem por meus quadris. Ele me empurra até o sofá e me levanta pelas laterais das pernas para me deixar sentada no encosto do sofá. Não foi um movimento bem pensado, o sofá fica rangendo enquanto ele beija meu pescoço e tenta a todo custo enfiar a mão livre por debaixo do meu vestido.
— Nick... — Chamo sentindo o quanto ele realmente está gostando, seu quadril afasta mais minhas pernas. Nick resmunga em resposta e continua enterrando o rosto na curva de meu pescoço e roçando seu corpo no meu de um jeito que começa a me deixar assustada. — Espera um pouco... Nick. Calma! — O empurro pelos ombros e salto do encosto do sofá.
— Estou calmo... É que eu esperei por isso por muito tempo. — Ele volta a me agarrar e eu tento desviar do beijo de lábios molhados.
— Eu não acho que... Eu não... — Respiro fundo em busca de palavras eficientes e claras o suficiente para não deixar margem para interpretação. Nick está arfando e ri com escárnio ao finalmente ler em minha expressão que ele está indo rápido demais.
— Você não quer? — Ele gesticula, praticamente apontando para si mesmo.
— Eu não sei. Eu pensei que fôssemos conversar ou... — Nick se afasta frustrado e eu tento esconder o rosto nas mãos. Eu quero rir, mas, não parece a coisa certa a se fazer.
— Me desculpe... Eu achei que... Você me mandou aquela mensagem e eu imaginei que você finalmente estivesse me enxergando. — É nítida a chateação de Nick e eu busco um momento menos inapropriado para ir embora.
— Não. Não se desculpe. Eu estava passando por um momento bem confuso e fiz uma série de escolhas erradas. Eu não devia ter agido como... Me desculpe. Eu não devia ter agido como alguém que está pronto para conhecer outras pessoas. Claramente não estou. — Estou envergonhada e Nick se vira para mim de novo.
— Você é linda. Uma mulher incrível e de ótimo coração. Mas não vou te esperar por outros cinco anos, . — Ele avisa e eu sorrio aliviada enquanto ajeito meu vestido.
— Tudo bem, Nick. Mesmo. Você é meu amigo, não quero perder isso por nada. — Ele dá de ombros e vem até mim com os braços abertos. O envolvo em um abraço amigável pelos ombros.
— Posso, pelo menos, pegar na sua bunda? — Ele diz baixinho e eu gargalho em seus braços.
— Não, Nick. — Digo paciente e ele assente com um sorriso enviesado.
Nick me chama um táxi e eu estou a caminho de casa com o coração apertado. O fato de eu não ter superado é trágico e cômico na mesma exata medida. Os toques errados de Nick só me lembraram do quanto eu gosto dos certos de . Faz tempo demais.
Estou no corredor e algo me diz para não entrar em casa. Giro em meus calcanhares e paro de frente para a porta do apartamento de . A destranco, giro a maçaneta e entro sem avisar. Passo pelo quarto de Celina e a vejo dormir em sua calma divina. Tiro os saltos e os deixo em um canto, caminho até o quarto de e não o vejo ali. Mas escuto o som do chuveiro ligado.
Não sei o que direi. Não sei o que estou fazendo aqui. A ansiedade me dá calor e eu tiro o casaco, o deixando dobrado sobre a cadeira. O som do chuveiro cessa e eu sei que é isso. Chegou o momento e eu nem sei do quê.
abre a porta do banheiro e é como ver uma miragem no deserto. O vapor acumulado do banho sai antes dele e logo sua figura ainda molhada e com uma toalha perigosamente enrolada na cintura aparece me fazendo assistir a tudo mordiscando a unha do polegar.
— Caralho! Que susto, ! — Prendo uma risada ao ouvir sua voz afetada. — O que você está fazendo aqui? — Diz ajeitando a toalha, seu olhar cruza com o meu e eu percebo que ele está triste.
— Desculpe... Para ser sincera, não faço ideia do que estou fazendo aqui. — Digo sem jeito e não consigo parar de acompanhar a gota grossa e solitária que percorre um caminho perigoso por seu abdômen. atravessa o quarto e alcança o celular na mesa de cabeceira. Olha para e tela e depois para mim com a testa franzida.
— Não são nem oito e meia! — Sua constatação me faz rir lembrando de minha teoria sobre encontros. continua a me olhar confuso. A pergunta muda me ofende e eu suspiro antes de responder mal-educada.
— O que? Esperava que eu só voltasse amanhã? — estava no meio da tarefa de vestir uma camiseta e minha resposta enviesada o fez congelar. Sua cabeça se virou lentamente em minha direção e ele sustenta a expressão fechada.
— O que quer dizer com isso? — cerra os olhos e eu suspiro ao me sentar na cama, mostrando que não vou a lugar algum. Isso é uma certeza.
— Alguns de nós têm mais dificuldade em se entregar para a promiscuidade. — Finjo que minhas unhas são interessantíssimas para fugir do olhar que sei que é julgador.
— Parece que você quer falar sobre isso... De novo. — Ele suspira cansado e se senta na ponta oposta da cama.
— Sabe, eu tentei mesmo ser a sua amiga e procurar entender o seu lado. Mas algo não se encaixa... — Levanto meu olhar para encontrar o dele e de repente estou tão brava que mal consigo respirar. — Como você pôde?
A pergunta o pegou de surpresa e eu sei por que ajeita a postura e desvia o olhar, claramente constrangido.
— Você quer detalhes? Não vou fazer isso, . É loucura! — Ele ri nervoso e eu rolo os olhos.
— Não detalhes. Só quero que me diga como foi que você chegou à concepção de que transar com outras pessoas faz sentido. — Ele abre e fecha a boca várias vezes, se levanta e balança a cabeça de um lado para o outro em negação.
— Você terminou comigo, . Você! — Ele diz um pouco mais alto e eu me levanto também.
— Quer saber? — Também digo mais alto, estufo o peito e o encaro de frente. — Eu terminei com você porque achava que eu fosse uma âncora no mar agitado que é a sua vida. Mas eu nunca deixei de amar você. — Digo surpreendendo a nós dois e sinto que minhas palavras não trazem conforto. Pelo contrário, amar tanto esse homem e não estar com ele soa tão errado. Me sinto desesperançosa e ainda está sério, mas sua expressão fechada se suaviza um pouco, dando lugar a uma tristeza profunda e silenciosa. Não por muito tempo.
— Nossas analogias são diferentes, . Enquanto você acredita que eu sou um navio e você uma âncora, eu sei que nós somos como uma pipa e uma linha. De alguma forma, você me mantém no chão e, às vezes, ao contrário. Sem você eu me perco no infinito complicado da minha mente e sei que significo o mesmo para você. — Ele quase sorri.
— Não consigo mais acreditar nisso. Você parece bem sem mim. — Sei o quanto estou soando mesquinha. No fundo, sei que se ele não estivesse seguindo a vida, eu me sentiria muito pior. Mas não consigo me livrar da visão nublada pelos ciúmes. A ideia de tocando outra pessoa me dá arrepios.
— Se você considera sexo insignificante de meses atrás como estar bem, então, estou bem. — Ele diz sarcástico e isso me machuca.
— Você é um verdadeiro idiota! — Acuso e ele cruza os braços, me encarando como se me desafiasse. Fecho os olhos com força e solto um som parecido com um rosnado, tamanha raiva.
— E você é uma medrosa! — Arregalo os olhos com a ofensa e ele não me deixa protestar. — Quando percebeu que eu poderia ser o cara com quem vai passar o resto da vida, você recuou e deixou o medo ditar a sua vida por quase um ano. Provavelmente o medo te impediu de fazer seja lá o que você tentou fazer com Nicholas e por mais grato que eu esteja por isso, ainda é medo o que você sente. Medo de viver, medo de se entregar. Medo de ser quem você se tornou e isso, meu amor, isso sim é idiotice. — conclui categórico e o fato de ele estar certo me tira dos eixos.
— Eu não sou medrosa! — Grito e ele ri.
— É, sim. Percebeu que você não chegou perto da Celina depois de se encher de perfume? É um perfume caro, . Não vai dar alergia na Celina ou em qualquer outra pessoa. Os testes em animais são para garantir isso. — Ele sustenta um sorriso delicioso de quem sabe o que está dizendo.
— Você está defendendo o uso de animais em testes para produtos cosméticos? — Pergunto irritada e incrédula e rola os olhos.
— Não. Mas esse não é o ponto.
— Então, qual é? — Cruzo os braços sobre o peito e suspira derrotado.
— Você é cautelosa, . Eu adoro você por isso, é verdade. Mas você pensa demais, isso é irritante e improdutivo. — dá de ombros e eu estou tão irritada que mal posso enxergar.
— Não estamos falando sobre mim aqui. Eu te fiz uma pergunta e como sempre, você não respondeu. — Sei que estou sendo petulante. Sei que tem razão. Normalmente eu agradeceria por ele me amar tanto a ponto de ser honesto e dizer o que está bem ali, diante de mim. Mas não essa noite. Não quando minha frustração transborda por minhas extremidades.
— Certo. Eu fui um completo imbecil e transei com alguém que não significa nada para mim e pensei em você o tempo todo. Como claramente ela não era você, foi uma transa constrangedora e desengonçada onde duas pessoas completamente desconectadas saciam necessidades físicas de forma vazia e incompleta. Foi uma merda, . — Ele explica de forma monótona.
— As duas vezes? — Pergunto impaciente e sinto toda a minha pose de quem exige respostas se quebrar.
— Ahm... — coça a nuca e eu o olho curiosa, ele está nervoso e constrangido. — Não teve uma segunda vez...
— Como assim? Você mesmo disse que estava sozinho e ela estava lá... — Eu o imito e ele assente e bagunça os cabelos. Franzo a testa e ele suspira, o ar demora para sair completamente de seus pulmões.
— Como posso... É... Não teve uma segunda vez, porque...
— Diz logo! — Digo impaciente e ele rola os olhos.
— Eu não... Compareci. — gesticula com as mãos e eu balanço a cabeça, sem entender. — Eu não consegui, . Não... Consegui. — Ele assume de má vontade e eu prendo uma risada.
— Por quê? — Ele cerra os olhos e se irrita, pois, estou quase mastigando os lábios para evitar uma risada maldosa.
— Porque você existe, basicamente. É como se eu não quisesse transar com mais ninguém além de você. — De repente não tinha mais graça. De repente, meu vestido e a toalha que estamos vestindo parece tecido demais entre nós.
— Eu não quero transar com mais ninguém, também. Eu não estava com medo, só não quis. — Digo sem pensar e ele sorri enviesado. Rolo os olhos e vejo que o sorriso dele aumenta.
— Isso é muito bom de ouvir. — Ele espalma a mão no próprio peito e eu o olho ainda com os braços cruzados. O encaro um pouco desestabilizada e engulo em seco com a proximidade.
— Mas isso não importa. Nós estamos brigando! — Digo sem um pingo de fé no que digo.
— Estamos? — umedece os lábios e pergunta baixinho. Descruzo os braços devagar e agora consigo sentir o cheiro gostoso do sabonete exalando da pele dele.
sabe que ainda não estou convencida a deixar minha raiva de lado e apela para os truques mais sujos de seu livro de como me seduzir. As pontas do cabelo molhado grudam em minha testa e ele desliza as mãos por meus braços, toca meus pulsos e depois me abraça pela cintura.
— Sim. Estamos brigando. — Digo num fio de voz e sorri abertamente. As mãos tímidas em minha cintura se enchem de confiança e a apertam mais, ele me puxa e nossos quadris se chocam.
— Não mais... Sua medrosa. — Abro a boca para protestar e, pela segunda vez, me cala com um excelente argumento. Dessa vez, um beijo urgente, ávido, delicioso.
A língua de é quente e o gosto é doce e viciante. Me perco entre seus lábios por algum tempo, ansiei por este momento por tanto tempo e quero aproveitar cada segundo desse beijo. Ele é até um tanto agressivo, mantendo meu rosto parado entre suas mãos enquanto me beija com intensidade, mas tão languidamente que me sinto flutuar um pouquinho. me puxa para mais perto, as mãos decididas me trazendo para si e se certificando que acaricia cada parte de meu corpo. Os ombros, os seios, a cintura, os quadris. Emaranho meus dedos em seus cabelos úmidos e um gemido surpreso escapa por meus lábios quando ele espalma as mãos em minha bunda. Ele aperta com força e é exatamente isso o que eu queria que fizesse. Por um ano inteiro.
Ele acaricia minha coxa e a levanta contra seu torso, beija meu pescoço e colo e deixa claro que o problema que teve outrora, definitivamente não é mais um problema. está duro como não me lembrava e toda a movimentação de minha perna e meus quadris desfazem o frágil nó da toalha. Ela cai sobre nossos pés e eu quase rio com tamanha alegria. me encara e morde o lábio inferior enquanto sorri do jeito mais safado que consegue e eu quase suspiro em deleite quando subo de costas na cama, apoiando um joelho após o outro. não perde nem um segundo pensando e volta a me beijar, abaixando as alças finas de meu vestido. Ele abandona meus lábios e eu não protesto, pois, logo ele suga e mordisca meus mamilos expostos, um após o outro. Acariciando o seio que não tem sua atenção.
Por um instante, me sinto insegura e tenho medo de que ele acabe provando leite materno sem querer. Eu não faço ideia se isso seria algum tipo de impedimento para continuar. Me lembro que bombeei bastante leite para que pudesse ficar tranquila durante a tarde. Mas o que me faz parar de pensar em qualquer outra coisa além do que está acontecendo agora são os dedos de adentrando minha calcinha. O gemido rouco dele por constatar quão molhada eu estou me faz bloquear qualquer coisa que me faça sentir menos do que uma deusa da sensualidade.
— Eu quero você... Agora. — Ordeno entre dentes e tomba um pouco a cabeça para o lado, como se eu acabasse de desafiá-lo. E ele, acabado de aceitar o desafio.
Ele desliza o vestido por minha cintura e quadris. Eu o ajudo movendo as pernas e deixando a peça cair no chão. me olha satisfeito somente de calcinha sobre sua cama e eu me contorço de desejo sob seu olhar. Ele se deita sobre mim, o peso de seu corpo sobre o meu acende memórias por toda a minha musculatura. Seus beijos são mais ávidos agora, nossas respirações se misturam e ele se ajeita entre minhas pernas. Ele se afasta e eu protesto com um gemido que não soa nem um pouco sofrido, mas desejoso. apoia o peso do corpo em um dos braços e desliza a mão livre por meu corpo. Puxa a lateral de minha calcinha minúscula e força a peça frágil para fora de meu corpo. Ela se enrola em seu punho e eu encaro impressionada e interessada nesse novo instinto animalesco dele. Com os olhos fixos nos meus, a respiração entrecortada e uma leve camada de suor em nossas testas; inicia as estocadas com firmeza e nenhuma pressa. Gememos em uníssono, prazer e alívio se misturando com a vontade de mais. Nossos corpos finalmente se encontrando.
Ergo um pouco o corpo e o abraço pelo torso, arranhando suas costas e pescoço com as unhas curtas, mas finas. puxa o ar por entre os dentes e enterra o rosto na curva de meu pescoço. As estocadas ficam mais rápidas, os gemidos mais altos são abafados por mordidas e beijos intensos e deliciosamente dolorosos.
diz que me ama e sua voz rouca de desejo me arrepia.
— Eu só quero ser sua. — Digo entre gemidos e ele parece adorar ouvir isso. As estocadas ficam mais fundas, mais precisas. Mas ainda rápidas. Eu adoro como meus seios se movem alheios a movimentação de meu corpo. Adoro como enterra os dedos em minhas coxas, apertando minha cintura em tamanha devoção.
— Você é. — O brilho de luxúria que atravessa os olhos de é assombrosamente excitante. Ele se senta na cama, me puxa para seu colo e sem muita demora eu sei exatamente o que fazer. Passei tempo demais pensando em como seria e agora é como se fosse a hora do show.
Apoio as mãos em seu peitoral somente por equilíbrio, rebolo devagar e o gemido languido de vale todo o esforço que estou prestes a fazer. Sinto suas mãos trêmulas em minha cintura e começo a me mover mais rápido. Para cima e baixo, ouvindo palavrões ininteligíveis na voz de e gemidos provocantes vindos do fundo de minha garganta.
me olha com adoração e eu me sinto a mulher mais bonita do mundo. Seu toque é cauteloso, mas firme. Maravilhado com meus seios mais volumosos, ele os alcança com a mão e a boca, trocando as carícias de um para o outro enquanto eu aumento mais a velocidade de meus movimentos. Ele se afasta um pouco de meu corpo, buscando tocar minha intimidade e com maestria, estimula meu clitóris, me fazendo arfar e arquear as costas em puro deleite.
Não consigo mais segurar tão bem os gemidos e parece se divertir com minhas tentativas. Não desviamos o olhar e o seu cheio de luxúria queima minha pele, sinto que estou próxima de um poderoso orgasmo. Fecho os olhos por um instante e ouço novamente a voz rouca e de respiração entrecortada de .
— Olha para mim... — Ele ordena e eu não ousaria recusar. Ele dita os movimentos com a outra mão e eu sei que ele também está próximo, rebolo mais rápido e ele solta um gemido longo e aliviado, me causando comichões por todo o corpo.
O ápice vem logo após o dele e não ouso quebrar o contato visual que estamos fazendo. sempre fora um apreciador de meus ápices, mas nunca havia me olhado daquele jeito incontrolável.
Solto o peso de meu corpo sobre o dele arfando e me abraça pela cintura, me acolhendo em seu calor. Estamos suados, nossas respirações se misturam pela proximidade, mas, nada acontece. Nós ficamos assim, nos encarando maravilhados por algum tempo até um chorinho dengoso ser ouvido. Arregalamos os olhos na mesma hora e eu me levanto, pegando a toalha dele no chão e corro até o quarto de Celina. É hora de comer.
— Você destruiu a minha calcinha. — Me viro para , que já está vestido de camiseta e um short de pano leve.
— Eu sei. — Ele sorri abertamente e eu não resisto. — Queria ter rasgado o vestido também.
— Eu não posso amamentar sem calcinha. — Digo e franze a testa em estranhamento.
— O que uma coisa tem a ver com a outra, ?! — Mordo o interior da boca e lembro que sou alguém que pensa demais. Se é que isso é possível.
— É que... A gente... E eu estou... — Sinto o corpo todo suado e não quero dizer a ele que não quero amamentar minha filha com um corpo de quem acabou de transar. me observa por alguns segundos e sorri rápido, como se tivesse uma ideia.
— Certo. Vá tomar um banho e eu acalmo a Celina. Seja rápida. — Ele diz brincalhão e eu assinto rapidamente, voltando para seu quarto e me trancando no banheiro.
Preciso ser rápida, mas, paro por um instante para absorver o que acabara de acontecer. Mesmo com o conforto da intimidade, algo está diferente. Acho que a saudade acentua o desejo, a vontade. Saber o que se está perdendo é como um soco no estômago às vezes.
Quando volto para o quarto da minha filha, a porta está entreaberta e ouço conversar baixinho com a filha de quatro meses de vida.
— Eu sei que você está com fome, mas ela já vem. A sua mãe tem um jeito peculiar de fazer as coisas, vá se acostumando. — Ele caminha de um lado para o outro com ela no colo. A menina acena e vez ou outra encosta em seu rosto com a mão pequena. Totalmente desengajada da conversa. — Você sabe o que é peculiar? Ainda não? A sua mãe também é boa com palavras, ela vai te ensinar muitas coisas. Mas matemática é comigo. — Ele diz a última parte mais baixo e eu rio me derretendo com a cena. Estou vestindo um short de e seguro uma camiseta contra os seios, me sento na cadeira de amamentação e ele a coloca em meus braços.
Enquanto alimento Celina, percebo olhares furtivos de e sinto que ele quer dizer algo. Suas mãos inquietas e a respiração ruidosa de alguém muito pensativo para notar que está fazendo isso em voz alta.
— O que isso significa? — Pergunta de repente e eu levanto os olhos dos de Celina, que quase se fecham numa serenidade que só um bebê pode desfrutar.
... Eu não...
— Espera! — Ele sai do quarto e fica um bom tempo no dele, aparentemente procurando algo. Rio de seus xingamentos frustrados e então ele encontra o que quer que estava procurando. volta para o quarto de Celina e fecha a porta. Ele está sério e branco como se tivesse visto um fantasma. — Antes que você diga alguma coisa indecisa, quero te dar isso. — Ele pega minha mão livre, estende a palma e coloca no centro dela uma caixinha de veludo preta, pois, ele sabe que meu avô me deu um anel de formatura em uma caixa de veludo vermelha e eu surtei achando que ele fosse me pedir em casamento. se lembra dos detalhes.
Encaro com olhos arregalados a caixa que parece pesar como um meteoro dos grandes. Levanto os olhos para ele e depois olho para Celina, achando o momento um pouco inoportuno.
?! — Estou sem palavras, mas não emocionada e prestas a dizer sim. Estou confusa e contrariada, pois, nem consigo ver o anel dentro da caixa. A minha outra mão está ocupada segurando um bebê que está sugando meu seio esquerdo com certa força.
— Eu sei. Não é o melhor momento, mas, eu preciso que você saiba que eu estou dentro. — Ele diz enquanto eu mantenho a expressão completamente confusa.
— Então... Você não está me pedindo em casamento?
— Não. — Ele nega firmemente. — Mas se e quando você quiser, eu estarei aberto a um pedido formal. — Eu rio esperando que ele me acompanhe. Mas está falando sério e eu olho de novo para a caixa fechada na minha palma.
— Deixa eu ver se entendi direito. Isso não é um pedido de casamento, mas sim um aviso de disponibilidade? — assente e eu repito seu movimento. — Eu... aceito? — Digo incerta e ele ri finalmente.
— Ok. — Ele diz e vejo que está nervoso, mas do jeito bom.
— Ok. — Repito ainda um pouco confusa, mas feliz.
Ele sorri. Eu sorrio.
Na manhã seguinte, durante o café da manhã, tento não deixar transparecer o quanto estou feliz e satisfeita. Parte pela noite passada ter sido bastante agitada do melhor jeito possível, parte por estar me sentindo tão bem que não consigo parar de sorrir.
Estou amamentando na varanda quando ouço a conversa de Rob e sobre programas de processamento de dados.
— O que é isso no seu pescoço? — Amanda pergunta entre um gole e outro de café. Os olhos cerrados e cheios de desconfiança estão presos nele. passa as mãos pelo pescoço em confusão e me olha como se buscasse a resposta em mim.
Amanda gira sua cabeça devagar em minha direção, um sorriso malicioso e surpreso desponta nos cantos de seus lábios e eu sei que estou corada, pois, Amanda está falando da marca de um arranhão na parte de trás de seu pescoço.
— É... Não sei... — não consegue conter a risada e Amanda salta do sofá.
— Que ódio! A Sophie acerta em todas as apostas. Vou ligar para ela... — A decepção em sua voz por ter perdido mais uma aposta não ofusca o sorriso divertido estampado em seu rosto.
— Então, é uma marca de sexo? — Rob pergunta animado e para de rir, o encarando de olhos cerrados.
— Não quero responder isso. — rola os olhos, mas acaba rindo enquanto se aproxima. Ele se inclina e me beija de um jeito que me faz sentir que nós nunca vamos voltar a ser o que éramos, mas temos a possibilidade de descobrirmos juntos.
— Certo, Sophie e eu apostamos que vocês se casam em um ano. Por favor, esperem um ano e um mês para se casarem. — Amanda diz chateada e ergue uma sobrancelha, deixando claro que a decisão é só minha.
— Parem de apostar sobre minha vida amorosa! — Reclamo fazendo os demais rirem. Cece se mexe desconfortável e resmunga sonolenta.
— Não chateie minha afilhada! — Amanda devolve no mesmo tom.
— Rob, pare de moer o seu café pela manhã! — diz e sorri amarelo quando ficamos todos em silêncio. — Desculpa, só queria aproveitar a situação.
— Alguém tem problema com meu café fresquinho? — levanta o braço, seguido de Amanda e eu, que levanto a mãozinha da Cece também. — Está bem, eu paro. — Rob diz desistente, saindo da sala com uma carranca engraçada. — Chatos de paladar duvidoso...


Epílogo

Acordo com o cheiro de queimado e mãos grudentas em meu rosto.
— Bom dia, mamãe! — Cece, como ela prefere ser chamada, diz com a voz infantil e animada. — Eu fiz o seu café. — Ela mostra a bandeja sobre a cama e eu contenho um riso ao ver o prato com panquecas queimadas e um pouco da massa crua saindo por baixo dela, se misturando ao melado. Encaro os olhos brilhantes de minha filha e não tenho coração para dizer que nem sob ameaça eu comeria aquelas panquecas.
— Que lindo, filha! — Bebo o suco e reparo que está assistindo a cena do lado de fora do quarto.
— Está cru... Eu sei... O papai disse que se trouxesse assim mesmo, você poderia nos ajudar a fazer umas melhores. — Cece se explica e cutuca a massa crua com a ponta do dedo de unhas pintadas de um laranja descascado.
— E ele tem razão. Vamos lá. — Me levanto e aproveito para dar um rápido abraço na pequena. Aspiro o cheiro de chiclete que vem de seus cabelos e recebo o costumeiro beijinho de bom dia.
Cece faz seu caminho até a cozinha saltitante e eu a acompanho ainda sonolenta. Passo por e ele me beija na testa.
— Desculpe pelas panquecas, mas eu não sei fazer e a Cece pode ser bastante persuasiva pela manhã. — Ele cerra os olhos para a filha, que ri inocente em sua brincadeira com o restante da massa de panqueca. Encaro toda a bagunça que os dois fizeram na cozinha de nosso apartamento e prendo os cabelos para cima, descobrindo por onde começar.
— Primeiro, a senhorita fica longe do fogo. — Pego Cece no colo e empurro um pouco mais o banquinho que ela usa para alcançar a bancada e nos ajudar com as refeições. Aos três anos, Cece é curiosa e sua inteligência é um desafio diário. Não há nada mais gratificante do que ver alguém se desenvolver, ter ideias e aprender coisas novas. Tudo é fantástico para ela e redescobrir a vida através de seus olhos é um verdadeiro presente. Desde que aprendeu a falar, Cece não parou mais e seu vocabulário é cheio de palavras inventadas, às vezes, em três línguas diferentes.
— Mas o papai deixa! — Cece também tem um deboche protegido pela infância. Sua personalidade intensa é proveniente do gênio forte do pai. Ela diz sempre o que sente e o que pensa, sincera como ele.
— Seu pai não parece ver perigo no fogo, já que brincava de DJ com um fogão portátil... — Comento divertida e coça os olhos, sabendo que está encrencado.
— O que é um DJ? — Cece pergunta e enquanto ensina a ela as maravilhas da discotecagem, viro algumas panquecas para nós.
Após o café da manhã, limpa toda a bagunça enquanto Cece e eu nos preparamos para começar o dia.
— Tenho uma reunião antes do almoço e depois sou todo seu. O que precisa que eu faça? — pergunta da porta do quarto e eu evito que Cece caia da cadeira da penteadeira antes de respondê-lo.
— Você só precisa pegar o Rob e levá-lo até o local. — Digo categórica e ele assente. É um dia importante, estamos todos muito felizes, mas alertas, pois tudo tem que ser perfeito.

Sinto a pressão aumentar conforme as horas se passam. Desamasso o vestido longo após uma corrida pelo parque para impedir que Cece fosse atacada por um ganso nervoso pela segunda vez desde que chegamos ao parque.
Amanda respira fundo a cada minuto, seu nervosismo é palpável e ela treme um pouco também. Ela está linda de vestido de noiva. Todo o verde do campo aberto do parque fazendo com ela se destaque com as pérolas da mãe e o broche de honraria que o pai havia recebido por seus serviços militares. Não sabemos se é permitido, desde que o broche militar é intransferível, mas o orgulhoso grisalho fez questão de colocá-lo no vestido da filha.
— Mamãe. É agora? — Ela pergunta e eu balanço a cabeça de um lado para o outro. Me abaixo para ficar na sua altura e ajeito seu cabelo, tirando algumas folhas secas de seu penteado. Ela rola os olhos e eu prendo uma risada. A semelhança com em suas atitudes são inegáveis.
— Nós precisamos esperar o seu pai chegar e então, você pode fazer a sua parte. — Explico paciente e ela assente devagar.
Cece certamente herdou a impaciência de mim e ela começa a balançar o corpo para frente e para trás, buscando se distrair com o movimento gracioso do vestido bufante.
— Está demorando. — Ela comenta e eu troco um olhar com Amanda, que morde as unhas em concordância.
— Tenha paciência. — Digo e recebo um olhar contrariado da pequena. Mas ao ver o carro do pai estacionando próximo ao parque, o brilho no olhar de quem guardou um segredo por tempo demais é mais intenso que o brilho do próprio sol.
Cece corre em direção a ele, que indica a ela que faça silêncio de modo divertido. Ele acena com a cabeça para mim e eu me levanto, sorrindo. abre a porta do lado do passageiro e ajuda Rob a sair de dentro do carro com cuidado. O homem está vendado e não tem ideia do que está prestes a acontecer.
ajuda Rob a caminhar pelo gramado e Cece dança em volta deles, jogando pétalas de rosas pelo caminho.
Olho em volta e checo o relógio, Andrew e Sophie estão atrasados, mas juro que vi o carro deles parado no estacionamento quando chegamos. Estou prestes a ligar para Sophie quando a vejo correr de mãos dadas com seu marido em nossa direção.
aproveita o tempo extra para roubar um beijo de meus lábios e eu me esforço para não rir alto em expectativa. Ele posiciona o homem de frente para Amanda. Ela está tremendo tanto que seu buquê de tulipas vermelhas dança em suas mãos.
O casal atrasado recupera o fôlego e eu os repreendo com um olhar. Aceno com a cabeça para e ele sorri para Amanda, tentando acalmar a amiga.
— O que está acontecendo? Nós estamos em algum tipo de bar de strip de novo? — Os homens se entreolham e eu encaro meu namorado com os olhos cerrados. Ele ri sem jeito.
— Não, Rob. Cala a boca. — Ele diz em um tom brincalhão e tira a venda de Rob. Cece grita em empolgação e joga o restante das pétalas para o ar, que caem lentamente sobre o casal.
— Então, quer casar comigo? — Amanda diz nervosa e nós rimos, porque ela tinha todo um discurso ensaiado. Rob olha em volta e reconhece o lugar onde está.
Ele lutou bravamente contra uma construtora e salvou aquele parque no último ano. Amanda queria se casar ali em ordem do orgulho que sente por ele ser exatamente quem ele é. Então, em nome do amor, eu a ajudei a organizar um casamento, guardando segredo até mesmo do noivo.
O homem cobre a boca com uma mão e vejo seus olhos cheios de lágrimas. Ele assente e abana os olhos com as mãos. Amanda ri e troca um olhar esperançoso comigo.
— Vai acontecer agora? — Ele pergunta com a voz embargada, gesticulando com a mão e ela assente. Ele respira fundo e seca as lágrimas. cutuca seu ombro e o entrega seu lenço de bolso, ao que Rob agradece.
passa sua mão por minha cintura e beija meu pescoço. Cece canta sua musiquinha preferida e ele se abaixa, tentando convencê-la a ficar quietinha para assistirmos a tia Amanda e o tio Rob se casarem.

Após o sim emocionado, foi unânime quando decidimos que nenhum lugar badalado seria melhor do que levar esta celebração para casa.
O apartamento de Amanda está cheio e a vibração de paz, amor e cumplicidade pode ser sentida por todo o prédio.
Rob e Amanda dançam sua primeira canção como marido e mulher. Ele escolheu "Here Comes The Sun" dos Beatles. Ele canta baixinho enquanto olha fixamente em seus olhos.
Sorrio verdadeiramente contente por ter visto esse amor nascer e florescer. Amanda parece exultante e sua felicidade me deixa feliz também. A música deles acaba e outra a substitui. Amanda seca os cantos dos olhos e chama todos para o meio da sala, ela quer que todos dancem.
Vejo dançando com Cece no colo e sinto uma vontade profunda de me juntar a eles, mas não faço isso. Me levanto da cadeira e vou até o escritório, meu antigo quarto. Entro no banheiro, ajeito a maquiagem e o cabelo. Volto para o escritório e abro a primeira gaveta de minha escrivaninha.
Sinto uma ansiedade imensa, mas é somente a espera por algo bom.
Pego a caixa de veludo preta e percebo que estou tremendo um pouco, ela parece reluzir na palma de minha mão agora que o momento chegou.
— Preciso falar com você, te encontro em casa? — Digo rapidamente no ouvido de , ele assente e eu não consigo olhar diretamente para ele agora, pois, sei que não vou conseguir fazer isso sem chorar e não quero arruinar a festa de casamento da Amanda.
Entro no apartamento e passo a caixa de uma mão para outra, andando em círculos na sala de estar.
entra em casa com Cece no colo, ela salta de seu colo e começa a dançar sozinha em volta dele.
— O que está acontecendo? — Ele pergunta e eu sorrio sem jeito. Ele percebe meu nervosismo e franze a testa.
Cece se aproxima e vê a caixa em minha mão. Ela cobre a boca e arregala os olhos primeiro para mim, depois, para o pai.
— Dessa vez, eu não sabia de nada! — Cece diz em sua própria defesa e eu rio.
— A lealdade dessa criança me assusta, mas ela tem razão. Ela é inocente. — Pisco um dos olhos para minha filha, que ri com seu jeito fofo.
— Ela definitivamente herdou isso de você. — Ele diz se aproximando e me puxa pela cintura para um beijo.
— Não, espera... Eu tenho um discurso. — Digo e ele se afasta novamente, para me ouvir com atenção. — Você é como respirar ar fresco depois de um dia inteiro dividindo o escritório com a Amanda e os seus cigarros. — Ele ri. — É como abrir os olhos pela manhã e ver a Celina brincando de dar as notícias do dia, tudo o que acontece no mundo dela é tão lindo e bom. E esse é o meu mundo com você nele. Você é uma pessoa melhor que eu. — Rio lembrando dos conselhos de minha mãe.
— Esse é um elogio e tanto. — Ele diz com a voz embargada.
— Eu não quero nunca ficar sem a sua luz, seu amor, sua bondade infinita, sem a sua amizade. Então, para garantir que nós nunca fiquemos sozinhos mesmo quando estivermos há um oceano de distância, você me daria a honra de ser a sua esposa? — Me pergunto se eu deveria ter me ajoelhado, mas nada entre a gente é exatamente convencional. Então, eu fico ali, o encarando esperançosa, lhe entregando meu coração cheio de remendas e curativos.
— Eu achei que você nunca fosse pedir. — aceita a caixa que eu o ofereço e ele a abre, revelando o anel pela primeira vez em anos. É lindo. O anel mais lindo que já vi em toda a minha vida. Ele escorrega a joia pelo meu dedo e encara a minha mão por um tempo, sorrindo satisfeito. — Eu te amo demais, menina!
— Eu te amo! — Digo o abraçando pelos ombros.
— Vocês vão se casar também? — Cece pergunta maravilhada e eu assinto. — Hoje? — Ela chega a gritar e ri.
— Hoje não, filha. — Explica calmo e então, a porta é aberta novamente.
— E então? — Amanda pergunta aflita. se vira para me encarar e nós sorrimos.
— Estamos noivos! — Digo entre uma risada aliviada e estico a mão, mostrando o anel para meus amigos.
— Hmmm... Ouro branco, solitário. — Amanda e Sophie se empurram para analisar a pedra em meu dedo. — 121 pontos de diamantes. — Sophie constata e troca um olhar satisfeito com .
— Número ímpar só para irritar a Sophie. — Amanda comenta e eu rio.
— A ideia de um anel de noivado não é irritar alguém. — diz empático e Sophie dá de ombros.
— Se ele fosse meu, eu mandaria tirar um dos diamantes. Ou adicionar mais um. — Ela comenta sorrindo ambiciosa e eu solto meu pulso de sua mão.
— Eu amei. É perfeito. — Digo para e é impressionante, porque ele cora de um jeito adorável.
Voltamos para a sala com mais um motivo para comemorar e então, Andrew decide propor um brinde.
— Quero dizer que vocês são os melhores amigos que eu poderia ter. A felicidade de vocês é a minha e eu só quero que todos nós continuemos felizes assim. Amo vocês. — Ele diz emocionado e nos erguemos nossas taças.
— Não seria legal se a Sophie revelasse que está grávida? Ia ser legal já que nada nunca acontece com vocês. — Rob diz ligeiramente alterado e Sophie congela no lugar. Então, reparo que sua taça está cheia pela metade, mas com água.
— Disso eu sabia. — Cece diz baixinho, me fazendo rir. Mas ainda estou surpresa com a falta de negação de Sophie. Andrew se engasga e ela sorri emocionada.
— A Cece tem três anos e consegue ler a sala melhor que você, Rob. — Ela diz em sua defesa. — Mas... Sim. Tem um pãozinho neste forno! — Ela celebra e todos nós reagimos de formas diferentes. pega sua carteira e tenta passar disfarçadamente uma nota de cinquenta dólares para Amanda.
— O quê?! Ninguém me avisou da aposta? — Andrew diz magoado, após se engasgar com o gole de cerveja.
— Jura que é com essa parte que você está chocado? — Amanda devolve a pergunta incrédula.
— Eu não acredito que me casei com alguém disposto a apostar sobre a própria prole! — Sophie diz indignada, mas todos riem, inclusive ela.
Sinto um frio na barriga, mas gosto da sensação. Percebo que toda e cada tentativa de controlar meu futuro fracassou miseravelmente e então, Cece beija estalado na bochecha e ele sorri encantado com o amor da filha e eu sei que nada poderia ter sido diferente. Tudo aconteceu como deveria ter acontecido e eu estreitei o suficiente meus olhos para ver cada lição entre as turbulências que causei com meus erros.
O futuro agora se parece menos com algo que me assusta. Talvez porque estou finalmente vivendo no momento de agora e tudo é tão caótico, maravilhoso e surpreendente que não sobra muito tempo para sentir medo. Aprendi que não posso tirar conclusões e nem tomar decisões concretas demais. Tudo muda o tempo todo.
Eu sei agora, com toda certeza, que sou mais forte quando abro meu coração e me permito ser amada.
Mas, como alguns hábitos não morrem completamente, me sinto corajosa o suficiente para olhar ao redor e respirar fundo, apostando comigo mesma que nós teremos um futuro maluco e absolutamente incrível pela frente.
Quem sabe quais erros vamos cometer?


FIM!



Nota da autora: Ok. Não posso deixar de começar agradecendo à cada um que acompanhou esse pedacinho do meu coração até aqui. Tem sido louco poder dividir as minhas ideias malucas e receber tanto amor de volta. Eu nunca vou esquecer o que vocês me fizeram sentir, foi bom demais! Obrigada!
Espero do fundo do meu coração que você tenha gostado de ler tanto quanto eu gostei de ter escrito essa história.
Eu amo esses personagens e diferente de tantos outros que eu tenho como família, esses me ensinaram tantas coisas e me ajudaram a superar alguns dos meus próprios medos.

Foi um desafio enorme para mim me libertar desse senso protetor e de querer que eles sejam perfeitos e corretos o tempo inteiro. Uma personagem principal cheia de falhas e dúvidas foi onde eu me encontrei. Ela ser tão imperfeita é o que faz a Amy ser tão especial para mim e espero um dia ter a maturidade que ela tem para encarar as próprias falhas desse jeito tão cheio de esperança, buscando sempre uma nova perspectiva mesmo que tudo pareça perdido.

Eu amo o Hoseok. Ele me inspira de diversas formas e durante o processo de tentar encontrar alguma essência dele para construir o meu personagem, eu aprendi a admirá-lo ainda mais. Que menino de lindo!
Sempre achei as representações dele nas histórias tão tímidas e decidi tentar explorar um lado mais profundo dessa alma boa, paciente e iluminada. Hoseok é transparente se você prestar a devida atenção. Ele é genuíno naquilo que se propõe a fazer e passa uma mensagem humana. Aquele clichê dos palhaços serem aqueles que mais sofrem não é um clichê à toa. Acho que um pouco dessas tentativas – frustradas – dele tentar seguir em frente e esquecer a Amy é mais uma forma de expressar quão humano ele é, estando disposto a falhar para compreender melhor o ambiente em que se encontra.

Quero agradecer do fundo do coração por ter tido a Sial do meu lado com tanto amor na betagem. Você é luz, garota. Tô torcendo por você em tudo o que vier a fazer nessa vida!

Obrigada a todos. Cada sorriso, cada frustração, cada vontade de pegar a cabeça desses dois e fazer eles se beijarem à força. Acredite, estou dividindo tudo isso com você. E muito feliz por poder compartilhar um pedaço do meu sonho.

Essa jornada acaba aqui. Mas espero te encontrar em outras curvas por essa estrada.

Tear.

LEIA A PARTE 1 "THE OATH" AQUI.



OLÁ! DEIXE O SEU MELHOR COMENTÁRIO BEM AQUI.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


comments powered by Disqus